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4. AS MIGRAÇÕES ENQUANTO PARTE DO PROCESSO DE

4.1 EXPERIÊNCIAS E TRAJETÓRIAS MIGRATÓRIAS

4.1.1 Trajetórias marcadas pela permanência no lugar de origem

4.1.1.3 Grupo familiar de Sr Reinaldo

O Grupo familiar de Sr. Reinaldo é composto por oito membros: os pais e seis filhos, sendo cinco homens e uma mulher. Dos filhos, quatro já terminaram o Ensino Médio e dois cursam a Educação Básica, sendo um rapaz no primeiro ano do ensino médio e a moça no ensino fundamental. A renda da família, em 2012, quando realizamos o primeiro trabalho de campo, advinha, principalmente, do Programa Bolsa Família, com o valor calculado, entre outros aspectos, em relação ao número de filhos frequentando a escola. Em 2014, quando realizávamos o segundo trabalho de campo, a família não sabia qual seria sua principal renda no ano de 2014, uma vez que o valor do repasse também era incerto, pois dois filhos concluíram a Educação Básica. Fora o repasse do programa, soma-se à renda o trabalho-a-dia de Reinaldo, realizado, principalmente, no cafezal de Charlão (ex-prefeito), vizinho da comunidade, e, em menor porcentagem, a renda da comercialização do excedente na feira.

Reinaldo mudou-se para a comunidade após se casar com Dona Pretinha. Destacamos a experiência migratória de Reinaldo antes do casamento, pois a partir dela percebemos as mudanças ocorridas em sua vida, importantes para a análise da trajetória da família. Ele narra a migração para diversos lugares para trabalhar, entretanto, depois de casado, não saiu mais. Antes do casamento, teve a experiência de ser levado ―enganado‖ para trabalhar em Feira de Santana. Reinaldo se refere ao fato de 15 homens levados na expectativa de fazer um tipo de serviço, mas, quando chegaram lá, perceberam que se tratava de trabalho escravo. Relata que havia muitos trabalhadores doentes153 no local, assim, logo que se depararam

com aquela situação, começaram ―tumultuar‖ e forçaram para serem levados embora. Ao chegarem à cidade, foram para a delegacia, onde o delegado fez com que os gatos pagassem as passagens de volta aos seus locais de origem. Reinaldo acrescenta que todos os outros trabalhadores foram soltos.

Nós fomos achando que era uma coisa, nós chegamo lá era outra. Levou 15 peão de Comercinho154 e lá tinha uns 30 ou mais, tudo doente. Nós falamos pra ele que na nossa região eles não pegava mais gente não. Eles largaram nós na rodoviária, fomos pra

153 Sr. Reinaldo narra que o trabalho era aplicar veneno em plantações de eucalipto e não havia

equipamento para prevenir a contaminação.

delegacia e demos queixa. Nós saímos de lá só depois de cada um com a passagem na mão e dinheiro pra comer. Os outros que tava lá soltou, sei que soltou porque nós tava na rodoviária e chegou um bocado lá. Falamos pro delegado que tinha gente doente lá. Eu sei que na rodoviária eles chegava e abraçava a gente porque nós ajudou a libertar eles. (Entrevista com Sr. Reinaldo, jan. 2014).

À época, Reinaldo tinha dezoito anos e não havia muita opção de trabalho, por isso aceitou a empreitada, mas, depois dessa experiência, ficou com receio de

sair. Continuou morando como agregado em uma fazenda no município de

Comercinho, junto com sua mãe e seus irmãos. Seu pai morreu cedo e foi ele, o filho mais velho, quem ajudou a criar os irmãos. Mas Reinaldo saiu da fazenda onde morava com sua mãe, porque poderia ajudá-la melhor fora. Trabalhou como vaqueiro em uma fazenda em Itinga155, próximo à comunidade Gangorra. Após

algum tempo, conheceu Dona Pretinha, casaram-se e Reinaldo mudou para Gangorra, mas continuou trabalhando pros outros, sem, no entanto, sair para trabalhar fora. Trabalhou para Dona Dalva, tia de Dona Pretinha, irmã de Laurentino, por cerca de cinco anos.

Eu trabalhei cinco anos ai, fazia de tudo, roçava manga, fazia cerca e mexia com o gado. O povo não dá valor pro trabalho da gente não, eu trabalhei cinco anos sem carteira assinada, sem nada, nunca me deram um dia de férias. Ô moço, eu sai de lá pra quinze dias de férias pra visitar o pessoal dela [se refere à Dona Pretinha], eu sai na sexta foi no domingo eles já ligou lá pra mim ir embora. Nem pagava férias, só pagava o salário. Fiz um acordo de besteira ai porque era da família da muié ai, se não fosse não tinha feito não (Entrevista com Sr. Reinaldo, jan. 2014).

Reinaldo trabalha no cafezal, mas não é sempre que tem trabalho. Nos intervalos, trabalha na terra de sua família e aproveita o tempo livre com os filhos e a esposa. Reinaldo não gosta de ir pra rua e sequer pensa na hipótese de sair da comunidade.

Dona Pretinha, a esposa de Reinaldo, nunca saiu da comunidade para trabalhar. Sua história se inscreve na história da comunidade. Diz que nunca saiu e que não pensa em sair para outro lugar. Sairia se fosse para Itinga, caso os filhos mudassem para a rua, pois daria para cuidar das coisas na comunidade. Reinaldo não pensa em sair e, ao contrario de Dona Pretinha, nem para morar na rua. Por trabalhar por anos para outros e por entender que não dá para apostar na roça, não

155 O município de Comercinho, onde Sr. Reinaldo morava com a mãe e os irmãos, fica próximo ao

arrisca tocar grandes roçados, e o que planta é prioritariamente para o autoconsumo.

Dona Pretinha disse que, quando se casou, Reinaldo foi trabalhar com seu finado pai nas terras dos fazendeiros do município, tanto para plantar à meia quanto para roçar manga. Ele demorou pegar o jeito, em um único dia quebrou cinco foices. Tal narrativa, revela a força da trajetória de vida de Reinaldo e do costume, explicando muito sobre a dinâmica migratória e a vontade de permanecer na comunidade, e sua preferência do trabalho-a-dia, ao invés de arriscar na produção própria.

Em relação aos filhos do casal, a migração, para eles, aparece como a principal alternativa para melhorar de vida. Anderson, o filho mais velho, após passar em um concurso do município, mudou-se à rua. Porém, na fala de Dona Pretinha, a interpretação era de que o filho não havia saído. Para ela, sair relaciona-se a migrar, ficar longe. Em uma das conversas com Reginaldo (filho de Reinaldo), seu primo Rodrigo e seu tio Tião, pai de Rodrigo, Tião falava sobre a possibilidade dos jovens permanecerem na comunidade e trabalharem na roça, como algo possível em seu ponto de vista. Sobre a possibilidade de permanecer na comunidade, Reginaldo observa: ―Entra a questão do tamanho da terra. Já pensou, igual aqui tem quatro filhos pra dividir essa terra aqui. Lá em casa, tem cinco filhos, como faz? Trabalhar tudo junto não dá renda.‖ (Entrevista com Reinaldo, jan. 2014).

Quando realizamos o segundo trabalho de campo (2014), Reginaldo preparava-se para sair. Havia fechado uma empreitada de dez dias roçando manga para seu tio Zé e, com o dinheiro, comprou a passagem para Itatiaia (RJ). Ainda não tinha emprego certo por lá, e ficaria na casa de uma tia para procurar um emprego. Uma de suas tias tem um terreno e daria a ele para a construção de sua casa. Os dois irmãos de Reginaldo que concluíram a Educação Básica e, também, falavam de

sair, depois de juntarem o dinheiro necessário. Na Figura 26, observamos o trajeto