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4. AS MIGRAÇÕES ENQUANTO PARTE DO PROCESSO DE

4.1 EXPERIÊNCIAS E TRAJETÓRIAS MIGRATÓRIAS

4.1.2 Trajetórias marcadas pela permanência no lugar de destino

4.1.2.2 Grupo familiar de Dona Joanita

O Grupo familiar de Dona Joanita é composto por seis membros: o casal e quatro filhos. Atualmente só um dos filhos mora com Dona Joanita e seu atual marido158. Dona Joanita saiu pela primeira vez quando tinha vinte anos. À época já

era casada e tinha quatro filhos159, e mudou-se com o marido e os filhos para Itatiaia

(RJ), ficaram algum tempo na casa de seu irmão160 até o marido arrumar trabalho em fazenda no município de Arapeí, no Estado de São Paulo, próximo à divisa com o Rio de Janeiro, aproximadamente 100 km de Itatiaia.

Eu fazia comida e deixava pra eles [os filhos] feita na mesa. Falava pra eles, tá aqui a comida. Pra eles não queimá, era comida fria. Eu trabalhava o dia inteiro e o homem saía pra trabalhar ganhando um salário mínimo também, que ficou trabalhando e não tinha profissão. Eu fui trabalhar de empregada doméstica e ele foi trabalhar pros outros na roça. Depois consegui comprá um barraquinho de táboa e fui fazendo a casinha em volta, até eu consegui fazer a casa. Mas foi preciso eu vender aqui pra conseguir terminar lá (Entrevista com Dona Joanita, jan. 2014).

Em Arapeí (SP), Dona Joanita, marido e filhos moraram por muito tempo na fazenda. Ela saía para limpar casa e lavar roupa de algumas famílias e o marido ficava na lida com a criação de gado e retirava leite. Dona Joanita narra a experiência nessa primeira fazenda onde moraram:

Ficamos numa fazenda, ele trabalhando pra um fazendeiro que era um sargento aposentado, o homem era ruim demais, pegou a carteira dele [marido], que ele não tinha leitura e falou que tinha assinado, ficou com a carteira lá guardada e nem pagando INPS dele tava. Daí ele ficou doente, teve que operar da apendicite, eu fazendo faxina numa casa e outra, ele tinha que ficar noventa dias parado. Quando eu fui falar com o fazendeiro pra receber, nada. Fui no INPS levá a carteira dele pra ele receber o tempo de trabalho, quando cheguei lá com os documentos dele, eles olhou a carteira e falou assim: ―Como que você vai receber INPS?‖ Perguntou: quantos anos seu marido tem de trabalho?

Eu disse: ―tem cinco anos de trabalho‖.

Ele falou: ―tem cinco anos de trabalho e seis meses de carteira assinada. É dona, nós não paga não, você pode dar um jeito‖.

E eu com a casa cheia de menino pequeno, falei ―meu Deus o que vou fazê?‖. Daí sai cedinho pra fazer faxina pra mulher, daí eu falei

158 Dona Joanita separou de seu primeiro marido, com o qual se casou antes de sair da comunidade e

é pai de seus filhos.

159 Teve mais dois filhos nascidos fora.

160 O dinheiro das passagens da família quem pagou foi o mesmo irmão que acolheu Dona Joanita

pra mulher, minha patroa, que eu tava com os meninos pequeno. Assim, assim, assim. Daí ela falou assim: ―Mas assim você não pode ficar não, com os meninos pequenos‖.

Daí não sei o que ela fez lá, falou com a assistente social e arrumou uma compra pra mim todo mês até o homem miorou. Quando o homi miorou que foi trabalha. O fazendeiro disse: ―pode ir embora que você não vai poder mais pegar peso‖. Mandou o homi embora! Aí é que eu sofri viu, falei agora que danou tudo. Cheguei chorá, falei o que eu vou fazê agora? Voltar pra trás não dá, eu não tenho mais aonde morar [...] (Entrevista com Dona Joanita, jan. 2014).

Após sair dessa fazenda, mudaram para outra onde o marido trabalhou lidando com plantação de roça e pasto; Dona Joanita continuou trabalhando como empregada doméstica em outras casas. Ela narra que ―dessa vez não foram passados para trás‖ a carteira do marido foi assinada e seus direitos garantidos. Após quatro anos na fazenda, conseguiram comprar um barraquinho, graças as economias feitas e ao acerto trabalhista recebido pelo marido.

Dona Joanita narra que foram atrás de serviço, até que conseguiram um de ajudante de pedreiro para o seu marido nas obras dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), conhecidos na época como Brizolões161. Após um tempo

o marido passou ao cargo de pedreiro e, após o término das construções, continuou trabalhando como pedreiro para empreiteiras em diversas obras. Atualmente, Dona Joanita mora com seu atual marido em um sítio no município de Arapeí (SP). Ele é aposentado e ela lida com alguns plantios em seu quintal. Somente um dos filhos mora com ela, e trabalha-a-dia em sítios e fazendas do município. Os demais moram e trabalham em Itatiaia (RJ). Em relação ao possível retorno dos filhos, Dona Joanita argumenta:

Meus meninos falou que eles vão vir embora pra cá. Adão gosta de roça, disse ele que se puder comprar, vem. Tá até triste querendo sair de lá porque não tem emprego, lá também não tem emprego não, é roça do mesmo jeito. (Entrevista com Dona Joanita, jan. 2014).

Ao final da entrevista, Dona Joanita fala sobre a vontade de retornar para a comunidade; a vontade daqueles que nasceram na comunidade e migraram. Nas suas palavras:

Eles tudo tem vontade de voltar, mas volta acuma se eles tudo vendeu? Diz que não gosta da cidade não. Eles tudo fala. Os filhos

161 A criação dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), foi um projeto educacional

que tão enraizando lá, uns quer vir outros num qué [...]. As pessoas que vai vendendo aqui só fica com saudade, como quando passa aquela música ―Saudades da minha terra‖. Já viu aquela música?162 ―O que me adianta viver na cidade se a felicidade não me acompanhou [...]‖ É só viver com a saudade [...] Davi meu irmão morreu cantando essa música, gostava daqui! Ele cantava ela lá e chorava, ele lembrava daqui e chorava. Tocava no violão [...] nós falava assim ―canta ai Davi, saudade da minha terra‖. Ele cantava e chorava! (Entrevista com Dona Joanita, jan. 2014).

No mais, Dona Joanita demonstra a vontade de retornar para comunidade e discorre sobre essa possibilidade:

Se eu tivesse outra terra que eu pudesse comprá, eu já tava aqui de volta. Porque eu gosto daqui. Se eu fizer pelo menos uma casa eu vou ficar aqui do mesmo jeito, plantando pelo menos uns três pés de laranja. A gente gosta do lugar da gente, a gente nasce num lugar e criar ali meu filho, quando sai dalí sai com o coração pequenininho. (Entrevista com Dona Joanita, jan. 2014).

A venda de seu direito aparece em suas narrativas como algo necessário, mas do qual ela se arrepende. O arrependimento aparece em dois pontos: primeiro, quando enfrentou momentos de angústia e dificuldades em Arapeí (SP), suportando aquela situação e aceitando as únicas alternativas colocadas em sua frente; segundo, quando pensa na possibilidade do retorno definitivo, dificilmente se realizará sem o seu pedaço de chão. A Figura 28 demonstra o trajeto migratório da família.

162 Neste momento da entrevista, Dona Joanita começa a cantarolar a música e seus olhos se

4.1.3 Trajetórias marcadas pelo retorno