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4. AS MIGRAÇÕES ENQUANTO PARTE DO PROCESSO DE

4.1 EXPERIÊNCIAS E TRAJETÓRIAS MIGRATÓRIAS

4.1.1 Trajetórias marcadas pela permanência no lugar de origem

4.1.1.1 Grupo familiar de Sr Tião

Esse grupo é composto por cinco membros: pai, mãe e quatro filhos, dos quais dois já terminaram a educação básica em curso Técnico em Agropecuária148 e dois não concluíram. A família vive da agricultura e seus membros trabalham no sítio. Por vezes os filhos trabalham no cafezal de um vizinho forte149 e, nesses

casos, a renda obtida serve para adquirir algo de uso pessoal, não sendo usada para ajudar nas despesas da família. A renda da família é complementada pelo repasse de renda do Programa Bolsa Família, utilizada para os compromissos que não podem falhar, como energia e material escolar.

O herdeiro das terras é o pai e a sua trajetória de vida se inscreve na comunidade, marcada pela permanência no lugar de origem. Nunca saiu da comunidade, nem para morar e nem para trabalhar. Era o filho mais novo e ficou com os pais trabalhando no sítio: ―Sempre fiquei mais pai e mãe garrado aqui nas roças, alguns saiu, aí eu fiquei mais eles, depois fui ficando mais de idade aí falei, agora que não vou sair mais mesmo‖ (Entrevista com Sr. Tião, jan. 2013).

Natália e Sr. Tião consideram mínima a possibilidade de saírem. Primeiramente, Tião comenta: ―Não tem estudos, se sair atrás de um salário não compensa, não dá pra cobrir os gastos‖. Logo depois, no meio da conversa, ao falar sobre o trabalho na roça, ressalta: ―Eu gosto, eu prefiro trabalhar na agricultura [refere-se ao trabalho no próprio sítio] enquanto eu aguentar, do que trabalhar de

147 Essa escolha também é válida para os demais grupos familiares.

148Todos os jovens da comunidade estudaram ou estudam na Escola Família Agrícola localizada na

comunidade Jacaré. A escola oferece o curso Técnico em Agropecuária integrado ao Ensino Médio. A escola, como a maior parte das EFA‘s, trabalha com a pedagogia da alternância.

149 É considerado forte aqueles que possuem grandes propriedades e ―não precisam‖ trabalhar,

empregado. Eu trabalho porque gosto, toda vida‖ (Entrevista com Sr. Tião, jan. 2013).

A mulher fala: ―Não pretendo sair não, mas pretendo que os meninos arruma um serviço adequado pra eles, mais próximo, pra eles não ter que sair. Então, agora tudo pra eu é os meninos‖ (Entrevista com Natália, jan. 2013).

Sobre a possibilidade dos filhos não migrarem e continuarem na comunidade, Tião afirma: ―eles tá com vontade de mexer [com roça], mas não sei não. Se tivesse um apoio assim melhor, as vez mexia‖ (Entrevista com Sr. Tião, jan. 2013). O pai, mesmo gostando de trabalhar na roça, aconselha os filhos a procurarem outro serviço, porque o agricultor (referindo-se ao pequeno) não tem apoio:

Hoje o agricultor, o lavrador não tá tendo apoio não, até no INSS, no sindicato [...] se der uma crise ou uma doença ai, você vai lá, o médico te dá um atestado. Você tem que afastar dois/três meses, o INSS te reprova, não aceita. Às vezes você não tá aguentando trabalhar e eles não aceita. Então, não tem apoio na agricultura não! (Entrevista com Sr. Tião, jan. 2013).

O camponês ainda cita o exemplo de sua mulher. O médico havia diagnosticado a necessidade de fazer uma cirurgia na coluna e a proibiu de trabalhar. Segundo a esposa: ―Me proibiu, mas não tem como parar. Aí você pega essa ocasião que trabalha 5/10 anos e você não tá bem, não tá aguentando, como vai fazer?‖ (Entrevista com Natália, jan. 2013). Tião continua a fala de Natália e, referindo-se ao filho, narra:

É por isso que eu tava falando. Eu falei: ó nem é bom não! Porque enquanto você tá aguentando você tira uma renda, mas na hora que você não tiver aguentando? Só se pagar INSS por conta, mas num tem condições de pagar. (Entrevista com Sr. Tião, jan. 2013).

Apesar dessas dificuldades, as narrativas dos interlocutores geralmente são seguidas por algumas afirmações, como: ―Agora, também, pra sair lá pra São Paulo/Rio de Janeiro do jeito que tá lá, conforme for o serviço, não compensa não, né? Porque a gente tá vendo como é que tá aí pra fora. Tá feio, né?‖ (Entrevista com Sr. Tião, jan. 2013).

Os dois filhos que terminaram os estudos. moram na comunidade. Os pais revelam a dificuldade tanto para os filhos deixarem a comunidade quanto para eles verem os filhos saírem.

Os menino aqui criou muito garrado com nós. A família criou muito garrado! Aí tem o problema tanto pra esses sair tanto pra nós que vai ficar. Da minha parte mesmo, é difícil de acostumar, nem sei se acostuma. Tanto pra eles como pra nós. (Entrevista com Natália, 2013).

Um dos filhos, quando realizávamos o primeiro trabalho de campo, havia experimentado sua primeira saída da comunidade em 2012, mas culminou no retorno. Sua saída foi influenciada por um tio que havia migrado de Itatiaia-RJ para o estado de Pernambuco para trabalhar em uma empresa de petróleo. Quando esse tio, em férias, retornou à Itatiaia-RJ, ligou e propôs a Rodrigo a ida para Pernambuco, com a finalidade de arrumar emprego. Rodrigo e seus pais aceitaram a proposta, mas segundo o rapaz:

Não era o que eu queria não, não deu certo, era muito complicado. Daí estava demorando, coloquei o currículo, fiquei esperando e nada. Meu tio disse que fui impaciente, mas sei lá. Aqui também é bom, aqui não é ruim não. Tem três anos que eu formei, se tivesse começado aqui na roça já estava mais ou menos, é a bobeira que a gente dá as vezes. (Entrevista com Rodrigo, jan. 2014).

Rodrigo contou que antes de migrar teve a oportunidade de emprego na Cáritas150. Foi chamado duas vezes, mas era necessário ter carteira de habilitação,

pois trabalharia em pesquisa por amostragem, sendo necessário se deslocar. Os jovens das comunidades, estudantes da Escola Família Agrícola (EFA) Jacaré, têm vantagem por saírem com o Ensino Médio e o nível técnico em agropecuária, e os empregos ligados a pesquisas sobre agricultura, geralmente, se pede algum curso técnico na área, segundo Rodrigo.

O curso técnico também ajuda com a lida na roça. Como discorremos no capítulo anterior, Rodrigo fez um roçadinho na terra de sua avó e sua intenção agora é permanecer na comunidade e trabalhar na roça cerca de 3 a 4 anos para saber se é possível continuar ali, se dará retorno. Já retirou sua carteira de agricultor e sua Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), permitindo-lhe acesso às políticas públicas para agricultura familiar e a obtenção de empréstimo em seu nome. Em 2013 tentou acessar o Pronaf-Jovem, mas disse que não se enquadrava nas condições estabelecidas pelo programa, pois teria primeiro que participar do Pronaf ―pequeno‖

150 Segundo site oficial, a Cáritas ―é uma entidade de promoção e atuação social que trabalha na

defesa dos direitos humanos, da segurança alimentar e do desenvolvimento sustentável solidário. Sua atuação é junto aos excluídos e excluídas em defesa da vida e na participação da construção solidária de uma sociedade justa, igualitária e plural‖. Disponível em: <http://caritas.org.br/>. Acesso em: 30 abr. 2014.

(Pronaf-B). Então tentou acessar o Pronaf-B, mas, como já mencionamos, o crédito foi liberado para poucos camponeses e, em 2014, foi totalmente bloqueado. Por enquanto, a sua produção é encaminhada para o PNAE junto com a de seu pai.

Rodrigo, após a experiência de sair, e, mesmo por pouco tempo, experimentar como é ficar fora, retornou e permaneceu na comunidade. A partir de então, sua trajetória é de permanência, mas o limite entre o sair e o ficar é uma linha tênue, pode ceder ou não. Segundo o pai, o filho não aguentou ficar longe do lugar, da família e dos amigos. Sobre a decisão de ficar na roça, Rodrigo faz a seguinte ponderação: ―Falam por aí que o futuro do Brasil é os jovens. Já pensou se todo mundo sair da roça pra caçar melhoria fora? Tem que ficar alguém!‖ (Entrevista com Rodrigo, jan. 2014). Logo em seguida, seu pai complementa: ―Ele tá pensando do jeitinho d‘eu quando era solteiro. Eu num saí, pai e mãe já de idade, saiu quase todo mundo aí quando eu pensava em sair [...] não vou sair não, vou trabalhar, eu gosto. Fiquei até hoje‖ (Entrevista com Sr. Tião, jan. 2014). Tião complementa que no caso do filho é diferente, pois tem estudo, mas, mesmo assim, ele continuará na roça. Tião segue a sua argumentação: ―se eu fosse um jovem hoje, eu não trocaria o trabalho na roça por de nenhum assalariado de qualquer lugar, se eu tivesse a força deles‖ (Entrevista com Sr. Tião, jan. 2014).

O segundo filho de Natália e Tião, em 2014, quando realizamos o segundo trabalho de campo, tentou a sua primeira saída da comunidade, mas não deu certo. O pai narra:

Ele já tava indo essa semana ai mais um cara trabalhar em Belo Horizonte, mas não deu certo. Disse que ia vender num boteco lá, mas era sem carteira assinada nem nada e ele formado pra trabalhar em boteco pros outros sem saber como que era. Eu falei não, vê se acha um serviço melhor. Acho que não é bom ir não. Ele disse: mas eu tô com vontade, eu tô precisando sair. Falei, mas isso não é serviço não, nem ao menos um contrato que eu queria fazer não deu certo. Falei não! Queria que colocasse ele no ônibus aqui pra outro receber lá. Iria descer lá sozinho, nunca saiu, criou aqui na roça e ia sair daqui pra lá. Eu fiquei preocupado demais. Eles pensa que é igual aqui. Não deu certo não, aí ficou, tá aqui por enquanto. (Entrevista com Sr. Tião, jan. 2014).

Tião, para falar o quanto os filhos gostam do lugar, destacou o fato de certa vez o lote seria beneficiado com uma cisterna, mas para isso seria necessário cortar alguns pés de coco ao lodo da casa. Para a surpresa do pai, que esperava pela cisterna, seus filhos não permitiram o corte dos coqueiros. Eles não deixam arrancar

um pé de árvore: ―São árvores que eles mesmos plantaram e que não deixam arrancar por nada‖ (Entrevista com Sr. jan. Tião, 2014).

A Figura 24 representa as trajetórias migratórias de Rodrigo, filho de Sr. Tião e Natália, único membro a migrar.