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Estratégias de Apredizagem e Preparo da Performance de Klavierstück

4.1 Os grupos: leitura e aprendizagem

O processo de leitura e aprendizagem de uma obra contemporânea requer uma variedade de estratégias que visam amenizar as dificuldades impostas por diversos fatores, geradas sobretudo pela multiplicidade de notação, de escritura e de utilização dos recursos – tradicionais ou não – dos instrumentos. O baixo teor de previsibilidade apresentado pela maioria das partituras contemporâneas nos impõe como primeira necessidade a realização de uma pré-leitura, ou seja, de uma prévia observação da partitura e uma compreensão da notação e da escritura, bem como o desenvolvimento e a aplicação de procedimentos de estudo que busquem simplificar as complexidades impostas e otimizar as respostas físicas e mentais do intérprete. Essa pré-leitura pode ser favorecida por uma sobre-notação: anotações e sinalizações gráficas realizadas à mão pelo intérprete, muitas vezes utilizando cores distintas, que atuam como referências visuais à leitura musical. São recursos que se mostraram muito eficazes em Klavierstück XI. As figuras 18 e 19 são ilustrativas: apresentam o grupo 13 tal qual aparece na partitura e após ter sido submetido à sobre-notação. As cores amarela, verde, azul e vermelha aludem, respectivamente, a alterações previstas às repetições dos grupos, à aplicação dos modos de ataque, a agrupamentos de alturas e a aspectos relativos a ritmo e tempo.

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Figura 19 – Grupo 13 suprido de sobre-notação, extraído da partitura de estudo

É importante salientar que inúmeros procedimentos já corriqueiros entre os pianistas diante do repertório tradicional, tais como o estudo de mãos separadas, o estudo isolado de vozes ou de estratos, o estudo fragmentado (por trechos) devem ser preservados, pois continuam absolutamente pertinentes em obras contemporâneas. São estratégias genéricas, aplicáveis com êxito a qualquer repertório. Neste sentido, discordamos de Charles Wuorinen (1976, p. 51), para quem “os problemas experimentados por performers em lidar com ela [a música contemporânea] são resultado de eles terem sido treinados em uma tradição irrelevante para suas exigências de performance”. Ao contrário do que parece supor Worinen, a música nova não reinventa as técnicas instrumentais, mas sim agrega a elas novas demandas e novos recursos (o que tampouco é exclusividade da música nova, mas sim um pressuposto de todo o desenvolvimento da música instrumental). Não há porque sucatear o treinamento instrumental tradicional, considerá-lo arcaico e irrelevante à música contemporânea; bem melhor é reconhecer que a música nova apresenta sim algumas especificidades, muitas vezes de obra para obra, mas compartilha inúmeros recursos há tanto tempo incorporados às técnicas instrumentais que mal nos apercebemos deles.

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e que se impõe como a primeira grande dificuldade à sua leitura é a própria partitura. A disposição dos grupos musicais em uma única folha de papel de grande dimensão (53cm x 93cm) faz com que muitos deles sejam dispostos distantes da visão do intérprete, dificultando a leitura. Diante disso, é aconselhável como primeira providência – antes mesmo do estudo da obra – a realização de uma cópia (em tamanho real) da partitura que possa ser recortada, separando os grupos em pequenas tiras de papel que possam ser estudadas isoladamente como se fossem 19 pequenas peças avulsas, dispostas uma a uma igualmente próximas do instrumentista. Este procedimento não traz qualquer prejuízo ao estudo e à concepção interpretativa da obra, uma vez que não há qualquer fluxo conector pré-estabelecido entre os grupos.

Após estas primeiras considerações, apresentamos a seguir algumas sugestões para a leitura e aprendizagem das durações, alturas e agrupamentos de apojaturas, e considerações acerca das técnicas estendidas e da memorização.

Durações

A providência inicial do intérprete diante de uma notação rítmica em uma obra contemporânea é a análise desta notação, ou seja, o pleno reconhecimento e entendimento dos métodos, signos e procedimentos de escrita adotados pelo compositor, para que sejam adotados os melhores métodos de leitura e decodificação. Uma observação inicial da partitura de Klavierstück XI reconhece uma notação rítmica bastante complexa, porém absolutamente

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tradicional, na qual a periodicidade que o método tradicional pode conotar é anulada por diversos recursos: variadas quiálteras enquanto instauradoras de diferentes tempi, fermatas, respirações (VVVV - as quais o compositor chama de “pausas”), incrustrações de grupos de apojaturas e indicações de agógicas, conforme observamos na figura 20.

Figura 20 – Excerto do grupo 18

Vale salientar a curiosa notação do que chamamos de “quiálteras interrompidas” apresentadas em alguns dos grupos, revelando que Stockhausen previu a retomada dos tempi por elas estabelecidas, mesmo quando interrompidas por eventos tais como grupos de apojaturas (ver figura 21). Se o compositor indicou suas quiálteras sempre por meio de proporções (por exemplo, 5:4 indicando 5 notas no lugar de 4), a notação das quiálteras interrompidas obedecem ao esquema exemplificado abaixo:

Esta notação indica não apenas que 4 notas deverão ser substituídas por 5, mas também que, destas 5, 3 serão tocadas antes da interrupção e 2 depois.

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Figura 21 – Excerto do grupo 18, com indicação das quiálteras interrompidas

Percebemos também que não há quaisquer indicações de metros, já que fórmulas e barras de compasso são ausentes (as barras verticais na partitura não possuem qualquer conotação métrica, são meras separações visuais entre trechos de notação mensurada e trechos em apojaturas).

Já sabemos, por meio dos estudos aqui previamente apresentados, que a opção notacional em Klavierstück XI não almejou uma fidelidade absoluta de realização por parte do intérprete, e nisto reside um grande risco na leitura da peça. O fato de conhecermos os interesses de Stockhausen pelas imprecisões de performance enquanto promotoras de um tempo musical inquantificável não deve ser acatado como álibi para assumirmos uma leitura rítmica descuidada, para sermos deliberadamente imprecisos. Entendemos ser necessária a plena consciência de que as imprecisões devem resultar justamente da busca por uma realização rítmica a mais fiel possível à notação, por meio de uma aprendizagem rigorosa das proporções duracionais que fundamente uma posterior interiorização sensível destas relações. É com este entendimento que a seguir sugerimos nossas estratégias de leitura rítmica.

A primeira sugestão é o que chamamos de metrificação: o estabelecimento de métricas por meio de inserção de fórmulas e barras de

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compasso com vistas a auxiliar a leitura rítmica inicial. Trata-se de um procedimento que não impõe o risco de estabelecer uma indesejada periodicidade, pois se destina apenas à orientação da leitura rítmica do instrumentista e não altera as proporções duracionais essencialmente amétricas. É um recurso que facilita a contagem das durações, bem como, graças às barras de compasso, oferece um suporte visual à leitura e fragmenta os grupos em trechos ainda menores de estudo.

Em Klavierstück XI, padronizamos a colcheia como unidade duracional comum aos diversos metros inseridos nos 19 grupos. Tais metros foram configurados em atenção a pontos que consideramos ritmicamente referenciais, referencialidade que pode ser visualmente destacada por meio de barras de compassos. Este procedimento pode ser observado na próxima figura, na qual as anotações em vermelho trazem fórmulas e barras de compasso, números indicando tempos dentro destes compassos e setas verticais destacando os pontos ritmicamente referenciais que sugeriram as barras.

Figura 22 – Grupo 2, com a sobre-notação de metrificação

A adoção de uma unidade de tempo padrão para todos os 19 grupos proporciona a aplicação do metrônomo durante o estudo, o qual garante não apenas um recurso de aferição sobre o que se está tocando, mas a possibilidade de se definir andamentos diferentes para o posterior estabelecimento dos 6 graus de tempi prescritos pelas triplas instruções.

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Para os trechos em que há sobreposição de quiálteras distintas, cujo resultado é a sobreposição de tempi, representações gráficas das proporções promovem um importante auxílio à realização de complexas polimetrias e polirritmias. As figuras 23 e 24 apresentam um trecho de grande complexidade rítmica e sua respectiva representação gráfica:

Figura 23 – Excerto do grupo 14

Figura 24 – Representação gráfica do excerto acima, realizada na à mão na partitura de estudo

Outro importante recurso facilitador da leitura é o destacamento, em cores, de sinais de agógicas, respirações e fermatas, e até mesmo a representação gráfica de prescrições textuais de agógica. Assim, às indicações de rallentando (verlangsamen) e de acelerando (beschleunigen) foram acrescidos, respectivamente, os sinais e .

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Figura 25 – Excerto do grupo 18, com indicações de agógica

O que há de mais complexo na realização rítmica de Klavierstück XI diz respeito às quiálteras, suas sucessões e, principalmente, sobreposições. Por conseguinte, a leitura e aprendizagem da peça será bem menos árida a intérpretes que tenham previamente uma sólida desenvoltura com ritmos irracionais, polimetrias e polirritmias. Um dos fundamentos à boa realização destes recursos rítmicos é o entendimento de quiálteras como estabelecimento de variados tempi e de polirritmias como sobreposição de tempi distintos. Portanto, a habilidade em se dividir um dado intervalo de tempo em números menos usuais de partes iguais (5, 7, 11, 13, etc.) e acatá-las como pulsações, muitas vezes sobrepostas, deve ser prévia ao estudo de uma peça que explore tais recursos.

A complexidade é grande, porque a sobreposição de quiálteras em Klavierstück XI não implica apenas em impor a um intervalo de tempo simultaneamente duas velocidades distintas, mas sim na realização de estruturas rítmicas distintas construídas sobre diferentes pulsações. Um bom exemplo disso é o final do grupo 14, exposto na figura 25.

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Figura 26 – Final do grupo 14

Temos duas sugestões de estudo para tais casos, ambas prevendo a total desconsideração das alturas. A primeira é que se pratique inicialmente a sobreposição de diferentes periodicidades, com o auxílio, se necessário, de representação gráfica. Na figura 26, a relação polirrítmica prescrita é de 7 semicolcheias sobre 5 colcheias, configurando uma relação 7:10. O entendimento desta relação pode ser favorecido pelo recurso à transposição gráfica, demonstrada na figura 27.

Figura 27 – Representação gráfica da polirritmia implícita na Figura 26, realizada à mão na partitura de estudo

Em seguida, sugerimos um estudo preliminar da polirritmia realizando todas as pulsações de cada velocidade, porém com ênfase (acentos) apenas naquelas em que ocorrem ataques das estruturas rítmicas sobrepostas, tal qual representado na figura 28.

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Figura 28 – Representação gráfica da polirritmia com ênfase nos ataques prescritos pela estruturação rítmica apresentada pela figura 24, realizada à mão na partitura de estudo

A segunda sugestão é a realização apenas dos ataques prescritos, representada pela figura abaixo.

Figura 29 - Representação gráfica da rítmica apresentada pela figura 26, realizada à mão na partitura de estudo

Por fim, a aplicação do metrônomo para cada uma das duas velocidades implícitas na polirritmia oferece excelentes resultados.

Alturas

A notação das alturas é tão tradicional quanto à das durações, com a diferença de que não envolve qualquer expectativa de desvios na execução. (Vimos como o aspecto estatístico assumido para o âmbito das alturas foi considerado nos ajustes cromáticos efetuados durante a composição da peça, de maneira que cabe ao intérprete a realização precisa de todas as alturas prescritas.)

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A principal dificuldade na realização das alturas é a pouca linearidade que as conecta, com a abrangência de toda a tessitura do instrumento por meio de amplos saltos e a exploração de registros extremos.

Figura 30 – Grupo 4, representativo da ampla gama de registros

Diante disso, entendemos que a aprendizagem das alturas e a fluência na execução está relacionada ao favorecimento da automação dos movimentos necessários à realização destas alturas não apenas em suas individualidades, mas sobretudo em seus agrupamentos. Para tanto, nos valemos de duas estratégias. A primeira delas já foi antecipada neste capítulo: o estudo das alturas sem suas respectivas durações, ou seja, desconsiderando as estruturas rítmicas e buscando incorporar apenas os movimentos físicos necessários, as distâncias e os moldes a serem registrados e automatizados pelo instrumentista. As figuras 29 e 30 apresentam, respectivamente, o início do grupo 2 e o estudo sugerido.

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Figura 32 – Representação do procedimento de estudo, no qual se preserva as alturas e se desconsidera as estruturas rítmicas

A segunda estratégia implica em transpor o aspecto integralizador de nossa escuta – reconhecido e explorado composicionalmente por Stockhausen – ao âmbito da execução motora, agrupando notas por proximidade topográfica no teclado e definindo moldes (grupos de notas possíveis de serem executadas em um único posicionamento de mão) que devem preferivelmente ser sobre-notados na partitura por meio da circulação de agrupamentos e indicação de dedilhados e manulações.

Figura 33 – Grupo 9 com sobre-notação indicativa de agrupamentos, dedilhados e manulações

Grupos de apojaturas

Os agrupamentos de apojaturas se apresentam como um recurso gerador de aperiodicidade, de estabelecimento de agrupamentos de notas a

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serem tocados o mais rápido possível, nos quais apenas as alturas são definidas. Entretanto, se por um lado o fato de as apojaturas não definirem proporções duracionais facilita a leitura, por outro a prescrição de que elas sejam realizadas em tempo o mais rápido possível é um aspecto dificultador da execução e requer um intenso investimento do intérprete.

A realização de todas as apojaturas em tempo o mais rápido possível e em igualdade duracional entre todas as notas se revela infactível pelas diversas distâncias intervalares e os variados tempos de ações físicas por elas demandados. Isto impõe que os grupos de apojaturas sejam globalmente realizados com extrema agilidade, porém suas velocidades internas – as durações individuais de cada apojatura – sejam determinadas pelas variadas ações físicas do intérprete, aspecto reconhecido por Stockhausen (1959, p. 34) já em peças anteriores:

“Se o tempo era ‘o mais rápido possível’, e se não vinham sozinhas mas em grupos de vários tamanhos, tanto antes, sobre ou depois de uma duração de tempo mensurada, então esses grupos de apojaturas assumiam a função de um segundo estrato de tempo ‘enfraquecendo’ as durações mensuradas. Aqui, cada apojatura individual no grupo recebia seu próprio valor de campo no tempo, determinado da seguinte maneira: as alturas de um grupo eram distribuídas no piano de tal maneira que a mão do instrumentista tinha que fazer movimentos de diferentes magnitudes sobre o teclado. Quanto maior o intervalo, maior o intervalo de tempo de uma nota a outra, já que tudo devia ser tocado ‘o mais rápido possível’”.

Nas instruções à performance na partitura de Klavierstück XI, o compositor previne o intérprete quanto a esse aspecto, orientando-o a tocar as apojaturas na sucessão mais rápida possível, mas advertindo-o de que “distâncias difíceis e grandes saltos para uma única mão requerem naturalmente mais tempo do que distâncias mais simples e intervalos mais próximos (...)”.

Diante disso, os estudos por moldes – já sugeridos às alturas com durações definidas – tornam-se ainda mais pertinentes: favorecem a compreensão

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desses variados tempos de ação física, posto que a própria demarcação dos moldes pelo intérprete revelará onde estão os maiores deslocamentos de mão.

Figura 34 – Grupo de apojaturas com sobre-notação de agrupamentos em moldes: no interior dos círculos a velocidade deve ser máxima

A partir deste procedimento, a aquisição de um tempo o mais rápido possível na realização das apojaturas pode ser alcançada por meio de dois estágios de estudo: (1) desenvolver um tempo rápido no interior de cada molde, sem se preocupar em conectar com rapidez um molde a outro; (2) desenvolvida uma boa velocidade interna aos moldes, reduzir ao mínimo possível o tempo de conexão de um molde a outro.

Técnicas estendidas

As dificuldades relativas às chamadas técnicas estendidas assumem uma dimensão específica quando direcionadas ao piano, por dois motivos que se conjugam. O primeiro deles reside nas significativas variáveis de piano para piano. Sobretudo a construção interna – a distribuição das cordas, os pontos de mudança de “registros” (cordas únicas, cordas duplas e cordas triplas), o término e a localização dos abafadores, a configuração da chapa e de suas barras divisórias – varia de modelo para modelo. Com isso, as técnicas estendidas que abordam o interior do piano requerem do intérprete plena familiaridade com o

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instrumento no qual executará a obra, e a isso se conjuga o segundo motivo dificultador: o fato de que o pianista muito raramente realiza seus recitais e concertos no seu próprio instrumento de estudo, ao qual está habituado. Sempre que é requisitado a abordar o interior de um piano que não o seu, o pianista busca involuntariamente os pontos de referência que lhe são familiares, estabelecidos pela construção interna específica do seu instrumento, mas se defronta com um cenário estranho. E, por mais generoso que seja o tempo de ensaio disponibilizado no piano do concerto, ele dificilmente pode substituir ou anular o tempo de estudo da obra efetuado em seu instrumento particular.

Entretanto, Klavierstück XI é econômica em seus recursos de técnicas estendidas, os quais se resumem a clusters, a liberações de ressonâncias por meio de acionamento silencioso de teclas e a modos de ataque não tradicionais. Nenhum deles exige o acesso ao interior do instrumento. Ainda assim, a boa realização das liberações de ressonâncias e dos modos de ataque requer muita familiaridade com as características do teclado a ser tocado – também variáveis de instrumento para instrumento – tais como peso, resistência, profundidade e limiares de velocidade das teclas.

As liberações de ressonâncias, indicadas por notas losangulares (ver figura 35), devem ser praticadas fora da obra, de maneira a antes habituar o pianista ao peso e à velocidade necessárias ao acionamento silencioso das teclas. O mesmo pode ser aplicado ao mais incomum dos modos de ataque sugeridos pela obra, indicado pelo sinal , que prescreve um staccato seguido de uma leve ressonância. É necessário que o pianista tenha plena desenvoltura com tais recursos antes da díficil tarefa de aplicá-los à obra, tarefa que se torna ainda mais árida quando realizada em um instrumento não familiar.

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Figura 35 – Grupo 15, que traz notas losangulares como indicativas do acionamento silencioso das teclas e o favorecimento de ressonâncias

Memorização parcial

A execução de Klavierstück XI impõe ao instrumentista um dilema: ele se vê diante da inviabilidade de se tocar de memória e, ao mesmo tempo, da dificuldade de se tocar lendo rigorosamente a partitura. Ainda que a memorização dos grupos (alturas e durações) não seja impossível, a execução da peça de memória é praticamente inexequível diante das numerosas possibilidades de ordenação dos grupos e triplas instruções, as quais somos incapazes de processar sem o auxílio da partitura. E mesmo que o intérprete opte por estabelecer uma pré- ordenação e se submeta ao imenso trabalho de memorizar todos os grupos, todas as triplas instruções, a ordenação pré-estabelecida e as combinações resultantes, um aspecto ainda se impõe – ao menos no nosso entendimento – contra a execução de memória: a partitura de Klavierstück XI, sua configuração e suas dimensões, bem como a interação do intérprete com ela, são elementos participantes da performance da obra e visualmente muito impactantes, os quais se perderiam em uma execução de memória.

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Por outro lado, é pouco provável uma execução fluente da obra fundamentada exclusivamente na leitura, pois a complexa escritura – as amplitudes interválicas, os agregados, os ritmos irracionais e suas densidades – impõem à sua execução um alto grau de automatismo, de memória psicomotora. Portanto, a melhor alternativa à execução é o que chamamos de memorização parcial, ou seja, a conciliação de um grau de leitura com um grau de memorização. Alem disso, a memorização parcial dos grupos não é tão desconectada do processo de leitura e aprendizagem da obra, posto que este exige tanto de nossas funções cognitivas e motoras, e requer tantas reiterações de um grupo até que este seja apreendido, que somos bem capazes de tocar grupos inteiros de memória logo ao término deste longo e trabalhoso processo. É, portanto, importante tirarmos proveito ao máximo deste aspecto e confiarmos nossa execução na somatória do que temos memorizado com o que podemos processar em tempo real por meio da leitura, e usarmos a partitura como um mapa com múltiplas rotas que nos orientará durante o itinerário assumido, aleatório ou não.