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A Guerra Contra os Icó e Kariri os últimos baluartes naqueles sertões

CAPITULO I – Sobre Bárbaros, Tapuias e Kariri

2.6. A Guerra Contra os Icó e Kariri os últimos baluartes naqueles sertões

Bastante peculiar, os desejos pelas terras dos Cariris Novos e Icó, sondadas desde meados do século XVII, mas só no início do XVIII é que se intensificaram as doações de sesmarias para os aspirantes a ocuparem aqueles sertões. Os nativos que ali habitavam eram, dentre outros, os Kariri, Icó, Cariú, Jucá, Calabaça, Icozinho, Exu. Estes protagonizaram fortes conflitos em defesa de seus territórios de férteis terras, configuradas com o principal refúgio aos indígenas em deslocamentos, empurrados pela frente colonial.

Quando o capitão-mor Plácido Azevedo Falcão, em dezembro de 1700, acompanhou o Padre João de Matos Serra, prefeito das Missões ao interior dos Sertões, para reduzir os Icó e Xixiró nos sertões do Icó, Médio Jaguaribe,293 intensificavam-se os embates entre os Kariri e os conquistadores nas fronteiras dos Cariris Novos. Daquele momento em diante, propagaram-se de forma rápida as expedições militares e as missões para os afluentes do Jaguaribe, especialmente para o Salgado e Riacho dos Porcos. Por todas as primeiras décadas do século XVIII, as autoridades coloniais buscaram mecanismos para enfrentar a resistência dos inúmeros nativos que habitavam aquelas ribeiras, em especial os de nações Icó e Kariri.

O resultado foi a criação de dispositivos legais que legitimavam uma guerra de extermínio.

É isso que nos confirma o documento datado de 1713, quando os povos nativos já estavam drasticamente reduzidos ou aprisionados e aldeados, no qual o governador de Pernambuco insiste ser ‘necessário continuar a guerra até extinguirem estes bárbaros de todo ou do menor ficarão reduzidos a tão pouco número que ainda que se queiram debelar o não possam fazer294

Os Icó que se deslocavam em função do avanço das frentes de expansão colonial se aliaram aos Cariu para resistir a esse processo. Documentos da época apontam que esses nativos, reunidos em “bandos mais ou menos numerosos, assaltavam as habitações, devastavam as lavouras e destruíam o gado”295. Para enfrentá-los, várias expedições particulares, o chamado “sertanismo de contrato”, e aquelas financiadas pelo

293 STUDART, Barão de. Datas e Fatos Para a História do Ceará. (Fac-símile a edição de 1896).

Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2001, p. 126.

294 PIRES, Maria Idalina Cruz da. Op. Cit., p. 78

295 OLIVEIRA, Perdigão de. Um Capítulo da História do Ceará: a conquista indígena. In: Revista do

governo colonial, foram planejadas, organizadas e executadas. Dentre aquelas de cunho particular, destacaram-se as comandadas por Manoel Carneiro da Cunha e Manoel Rodrigues Ariosa, da Casa da Torre, em 1703.296 Em 1705, a expedição sob o comando do Capitão mor da capitania do Ceará, João da Mota, demonstra bem esse panorama.

Rezisto de hu capitulo de hua carta do governador e Capitão geral de Pernambuco Francisco de Castro Morais vinda ao Capitão mayor desta Capitania João da Mota, feita em catorze de fevereyro de setecentos e cinco, em cuja virtude ordena ao dito Capitão mayor se punhão em prassa os quintos que tocam a sua Magestade que Deos goarde persedida das guerras que deu o dito Capitão mayor na era de setecentos e coatro ao gentio ico, e a que mandou dar na dita era ao gentio carihu.297

Essa atitude intransigente com os índios Kariri e Icó, fez parte da política de salvaguardar espaços economicamente importantes e estratégicos como os sertões dos Cariri. Tanto era importante assegurar aquele território que se cogitou transferir o forte da ribeira do Jaguaribe para aqueles sertões em 1707. Na ocasião, o Capitão da capitania de Pernambuco, Sebastião de Castro Caldas, e moradores das ribeiras do Jaguaribe, propuseram a dita mudança.

Recebi de V.M de 23 de Junho, com uma justificativa junta dos moradores da Ribeira do Jaguaribe, que passaram aos sertões dos Cariris e Icós, do dano que lhe faziam nas ditas nações e nas pessoas e gados dos currais e que seria conveniente mudar-se o Presidio para eles de cuja condução teriam os gastos e o novo Arraial a sua custa. Este Presidio se manda recolher e o cabo deste está provido em nova ocupação e os soldados haviam de ser mudados por cuja causa nunca poderia fazer esta mudança, só quando convenha poderá ir cá com novo cabo, e para o que me é necessário tomar todos as notícias e informações necessárias para resolver me ao que mais convenente a esses moradores. Deus guarde a V.S mercês de muitos anos. Recife, 18 de setembro de 1707. Sebastião de Castro Caldas.298

Embora na carta não se defina o lugar onde seria construído o forte, o importante é compreender como as autoridades buscavam alternativas para contornar uma situação bastante complicada para inibir a revolta dos Kariri naqueles sertões, como foi discutido e deliberado na reunião da Junta das Missões de Pernambuco em vinte de agosto de 1714.

[...] Dom Joam por graça de Deuz Rey de Portugal, e dos Agarves, d’ aquém e d’alem mar em Africa e Guine. Faço saber aos governadores da capitania de Pernambuco, que havendo visto a conta que me deste das mortes, Roubos e extroções que tem feito o Gentio das nações Annacé, Jaduins, e Cabore nos

296 PINHEIRO, Irineu. O Cariri: seu descobrimento, povoamento, costumes. [Fac-símile a edição de 1950]

Secult. Edições-URCA. Fortaleza: Edições-UFC, 2010.

297 OLIVEIRA, Perdigão. Op. Cit., p.118-154.

298 APEC. Petição sobre mudar a Forte Real São Francisco Xavier da Ribeira do Jaguaribe para os sertões

dos Cariris e Icós. Registro de uma carta que escreveu a este Senado o Governador de Pernambuco, Sebastião de Castro Caldas, a qual foi aberta em câmara de 10 de outubro deste presente ano de 1707. In: Coleção Prof. Limério da Rocha, p. 199.

Arrayais, e Rybeiras da Paranaíba, e Assú, e sucesso que as nossas armas tiveram nos assaltos que lhe deu o Capitam mor das entradas com o Gentio manso, gente do Terço dos Paulistas em que ficaram muitos mortos, e prisioneiros e a mayor parte do Gentio levantado, e Rebelde destrohindo, pedindonos pazes os poucos que Restarão. Fuy servido haver por bem por Resolluçam de sinco de Dezembro do anno passado em Consulta do Conselho Ultramarino, se continue a guerra por ser justa até se extinguirem estes bárbaros de todo, ou ao menos ficarem Reduzidos a tam pouco numero, que inda que se queiram rebelar, o nam possam fazer [...].299

Mesmo os sobreviventes pedindo paz, a ordem era extinguir aqueles nativos, que rebelados estavam apenas tentando reconquistar o que era seu. Alguns até tentavam colaborar com os conquistadores, mas a liberdade em transitar pelos territórios sem serem coagidos a obedecer rigorosamente a delimitações espaciais era mais atraente que se aventurar em guerras e trabalhar sem sentido algum. Não aceitando essa nova situação muitos batiam em retirada a procura de novos habitats.

Muito embora as campanhas particulares resultassem em êxitos, sendo os nativos derrotados, aprisionados, e boa parte deles vendidos para a paga dos quintos à Coroa, ainda assim “não podia reprimir tantos danos”300 que os índios ocasionavam em suas resistências e contraofensivas. Diante desse panorama, outras mais foram financiadas pelo governo da Capitania do Ceará, onde a primeira, teve lugar em 1708, outra em 1713 sob o comando do Coronel João de Barros Braga, com uma cavalaria vestida de couro, como os vaqueiros, muitos deles conhecedores da geografia daqueles espaços e das táticas de guerras indígenas, adentrou pelo Jaguaribe até o Cariri, matando todos os indígenas que encontrou pelo caminho, sem distinção de sexo ou idade. Em 1727, esse mesmo coronel “subiu pela ribeira do Jaguaribe, e foi até limites do Piauhi, afugentando os gentios e desassombrando os moradores da dita ribeira”.301 Dessa Expedição em diante, “elles não aparecem mais reunidos em bandos para acometer as povoações, e as fazendas do gado; raros eram os assaltos, que os moradores da localidade repeliam”. 302

No entanto, assim como foi nos outros sertões, nos Cariris Novos os índios que ali habitavam, para além das expedições acima mencionadas, sentiram fortes pressões dos colonos vindos do Médio São Francisco. O documento demonstra um pouco desses conflitos.

299 Livro dos Acento da Junta das Missões de Pernambuco. Apud GATTI, Ágatha Francesconi. Op. Cit., p.

156. Grifos meus.

300 OLIVEIRA, Perdigão. Op. Cit., pp.118-154. 301 Idem. Ibidem.,

Entrando da parte do Rio de São Francisco quatrocentos homenzs armados pelo Certão do Cariry, sem temor de Deos nem da justiça, a razando e distruindo cazas e insultando os moradores da Ribeira do Jagoaribe havião povos com grande risco de vida, e despeza de fazenda, e levantandosse o gentio que estava vivendo entre as povoações daquela Ribeyra o fez prezente, e pedindo ordens lhe foi dada, e com o juiz ordinário forão tomar conhecimento daquella violência, havendo com grande zelo sem reparar a gastos e achando- os em a Rayal fortificados deo posse do Cappitão-Mor do Ceará para se castigarem semelhantes absurdos, e estando levantado o gentio bárbaro, a que chamão Icó e Cariry, e debaixo de paz fazeram muitos latrocínios.303 Fechava-se assim, em parte, um dos mais violentos episódios da guerra de conquista, onde não só as expedições dos conquistadores foram responsáveis por essas campanhas. Os religiosos, um exército nessas batalhas para dentro, desempenharam importantes funções no auxílio da empresa colonizadora, tanto no reorganizar daquele espaço, quanto na implementação dos aldeamentos e aquisição de sesmarias. Ali, os eclesiásticos disputaram com o poder civil, e leigos, terras e nativos.