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CAPÍTULO II – A ÉTICA CASTRENSE E SUA CONSTRUÇÃO

2.2 GUERRA DO PARAGUAI – VOLUNTARIADO

Os conflitos de fronteiras no sul do Brasil, na segunda metade do século XIX e, sobretudo, a Guerra do Paraguai, nos mostram que, a despeito de todas as tentativas realizadas pelo governo em décadas anteriores, elas não foram suficientes para formar um exército combatível, mostrando que o país continuava muito aquém de um corpo militar à altura de suas reais necessidades. Em 1865, A Guerra do Paraguai desabou sobre o país, exigindo medidas rápidas e eficientes por parte dos militares e prioridade de investimento do Império. Uma análise das Ordens do Dia36 aponta indícios claros da precariedade da tropa brasileira que seguiu para o sul do país.

Há uma questão relacionada aos “Voluntários da Pátria”, e que interessa, pois esse episódio forneceu um elemento que incorporou a ética militar ao longo dos anos. Diante da necessidade de aumentar em curto prazo o efetivo militar, o Governo

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“Ordens do Dia” eram documentos oficiais onde os chefes militares relatavam os principais acontecimentos envolvendo a tropa em combate, como: elogios formulados aqueles que se destacavam em combate; punições impostas aos transgressores; relatórios de baixas em combates, promoções, etc. As Ordens do Dia constituem um dos principais documentos investigados por especialistas que estudam o período.

imperial, que não contava com um serviço militar obrigatório, não possuía um efetivo de reserva treinado e, sem um serviço de mobilização (fatores elementares de um corpo militar organizado), só restava-lhe a improvisação. Com a finalidade de obter um número considerável de soldados, o governo apela ao sentimento da população com a propaganda de amor à pátria. Essa estratégia pode ser sentida nas palavras do Ministro da Guerra, Visconde de Camamu, que, mesmo diante da pouca repercussão inicial, transcreveu em um Relatório de 1865 palavras que buscavam despertar a vibração37 patriótica:

[...] Lisonjeia-nos, porém, a afluência que tem havido de voluntários denominados da ‘Pátria’ a fim de marcharem para as novas fronteiras, donde cumpre expelir o inimigo, que invadira o nosso território. De todas as classes da sociedade, apresentam-se diariamente cidadãos pedindo a

honra de alistar-se nos corpos que seguem para o Sul e Mato Grosso

(FRAGOSO, 1934, p. 219, grifo nosso).

Segundo o Relatório, houve uma mobilização “patriótica” como jamais vista e de todas as partes do Brasil:

[...] Pais de família, empregados públicos, todos procuram concorrer para desafronta do país, sem olhar para os trabalhos de viagem e comodidades que abandonam. Enche-nos de ufania tão nobre espetáculo; e quando a nação em peso ergue-se, como um só homem, no momento da agressão externa, comprova que sabe devidamente apreciar os dons da independência e liberdade, mantendo com o próprio sangue a integridade do Império e instituições que gozamos [...] (FRAGOSO, 1934, p. 219).

É muito provável que as palavras do Ministro não passassem de mero discurso e que as reais motivações dos voluntários estivessem mais ligadas às promessas que o Império fez saber em 18 artigos do Decreto, n.º 3.371, de 7 de janeiro de 1865, que instituiu os Batalhões de Voluntários da Pátria.

Além do soldo que eles perceberiam mensalmente, o Decreto, em resumo, previa:

 Gratificação de 300 réis diários e 22.500 braças quadradas de terra, que deveriam ser recebidas ao dar baixa;

 Garantia de baixa, logo que findasse a Guerra e passagem de retorno imediato para qualquer lugar do país;

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 Pensão para as famílias, em caso de morte, e soldo dobrado pela vida toda, no caso de ferimento em combate que os deixassem inutilizados;

 Aqueles que desistissem da baixa após o fim da Guerra e ficassem por mais três anos receberiam mais trezentos mil réis de gratificação;

 Os que optassem pela baixa imediata após a Guerra teriam preferência de contratação sobre os demais em igualdade de habilitação para o emprego público civil.

O Decreto ainda previa direitos àqueles que, depois de decretada a paz, permanecessem na Força. Para estes, entre outras vantagens, era oferecido o reconhecimento do título de cadete e a garantia de promoção a oficiais, quando se distinguissem, nas mesmas condições das demais praças do Exército.

A oferta do Império causou, de fato, comoção nos homens acima de dezoito anos, que, diante de um país que embora vivesse a euforia de prosperidade econômica da segunda metade do século XIX, promovida pela produção cafeeira em alta escala e pela diversificação agrícola verificada no período – como o algodão, o cacau e ainda a borracha – a riqueza produzida pouco mudava a vida dessas pessoas que viram, na Guerra, a grande chance de resolver seus problemas particulares.

Segundo Fragoso (1934, p. 259), durante os anos de conflito o governo imperial enviou ao campo de batalha cerca de 130.000 homens do Exército e 8.800 homens da Marinha, perfazendo um total aproximado de 139.000. Dados constantes de um mapa elaborado por Domingos José Nogueira Jaguaribe, em 1871, quando Ministro da Guerra, no início do conflito, diz que o efetivo era de aproximadamente 17.000 homens. Mas a questão que nos chama atenção está relacionada ao retorno da tropa brasileira do Sul do Brasil, que se deu a partir de 1871, ficando naquela região um efetivo reduzido até o ano de 1876.

A relação amistosa que se estabeleceu entre a oficialidade e o Império no início do conflito não se repetiu por ocasião do retorno da tropa. A corte, temendo que a repercussão da vitória viesse a estremecer as bases de seu governo, tratou de amenizar a glória dos militares que se sentiram inicialmente ofendidos pela ingratidão do império. Os velhos e cansados generais não foram recebidos como

esperavam; as promessas feitas aos voluntários não foram plenamente cumpridas pelo Império; o efetivo do Exército foi radicalmente reduzido; o aumento nos soldos há muito desejado foi esquecido.

A postura hostil do império causou profundas mágoas e sentimento de revolta nos militares, que posteriormente transformaram a dura experiência em um discurso ético que passou a compor o repertório ideológico dos militares brasileiros: o de se verem como os únicos que efetivamente davam provas concretas de amor e sacrifício à pátria. Afinal, entendiam eles que haviam se submetido às mais duras situações durante o conflito, superando a falta de preparo tático e material, causados pela própria negligência do governo em não investir, por décadas, em políticas de guerra, sujeitando-os a condições inóspitas durante o combate38.

Assim, com o fim da Guerra do Paraguai, o regresso do Exército marcou o início de uma nova fase das relações entre os militares e o Império. O Exército, apesar dos percalços causados pelo posicionamento do Império, era agora uma força político- militar muito maior do que antes da guerra. A situação cada vez mais distante entre Exército e Império levou os militares à natural adesão, inicialmente à campanha abolicionista e posteriormente ao movimento republicano, sob a forte influência da filosofia positivista.