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CAPÍTULO III – MITOS HERÓICOS E A PEDAGOGIA

3.1 OS SÍMBOLOS COMO INSTRUMENTOS CONSTRUTORES

3.1.2 O Duque na AMAN

Em nenhum outro local Caxias é mais cultuado do que na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), que está sediada na cidade de Resende, no estado do Rio de Janeiro. E por razões conhecidas, a escola de oficiais é extremamente criteriosa na formação conceitual e ética dos cadetes. Isto implicou na criação de símbolos capazes de facilitar a internalização de valores61, onde Caxias e os demais patronos das Armas, Quadros e Serviços62 são mostrados como padrão ideal que se deseja ao futuro oficial. As principais cerimônias que ainda hoje são realizadas pela academia foram implantadas na gestão de José Pessoa, quando comandante da Academia de Realengo, no ano de 1931.63

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A respeito da internalização de valores na formação do cadete há um trabalho de dissertação de mestrado, apresentado à UERJ, em 2007, onde o principal objetivo da autora, Daniela Schmitz Wortmeyer, foi analisar a eficácia do processo de internalização de valores (iniciativa, disciplina, honestidade e lealdade), proposto pela academia na formação do futuro oficial. O trabalho foi realizado por meio de entrevistas e, muito embora tenham objetivos diferentes do proposto nesta dissertação, sinaliza na direção de pontos comuns que corroboram para o tema aqui proposto. Para mais informações, ver Wortmeyer (2007).

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As especialidades de funções profissionais da estrutura do Exército Brasileiro dividem-se em três: (1) Armas: Infantaria, Cavalaria, Engenharia, Comunicações e Artilharia; (2) Quadros: Material Bélico, Engenheiros e Saúde; (3) Serviços: Intendência.

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Mais tarde, ao falar sobre sua passagem pelo comando da Escola Militar de Realengo, José Pessoa expressa sua crença na utilização de instrumentos simbólicos para atingir o interior da mente do homem de farda. “[...] Naquela época, em que o país atravessava uma das mais turbulentas fases de

Em frente ao Salão de Honra, localizado no 3º piso do conjunto principal da AMAN, encontra-se um busto de bronze com uma placa colocada abaixo, onde consta o nome das praças que foram escolhidas para conduzir o corpo de Caxias, cumprindo assim um desejo do duque declarado em testamento. Segundo seus biógrafos64, Caxias, querendo valorizar a disciplina militar, pediu que seu enterro fosse realizado sem honras fúnebres, e apenas que seu caixão fosse conduzido por seis soldados de melhor conduta.

3.1.2.1 O espadim de Caxias

“Recebo o sabre de Caxias, como o próprio símbolo da honra militar”. Com essas palavras, ditas em uníssono diante de autoridades e familiares, os jovens futuros oficiais juram fidelidade à vida militar e honra às tradições de Caxias. A entrega do espadim ocorreu pela primeira vez no ano de 1932 e passou a se repetir anualmente a partir de 1944, quando foi inaugurada a AMAN. A entrega da cópia objetiva lembrar sistematicamente ao cadete a sua responsabilidade como herdeiro de Caxias.

O espadim recebido por cada novo cadete é uma réplica do sabre que, segundo as publicações da Bibliex, Caxias recebeu quando atingiu o posto de general em 1841 e utilizou durante cinco vitoriosas campanhas – três internas (São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul) e duas externas – (Guerra do Paraguai). O original encontra-se recolhido ao relicário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).

sua existência, está no campo moral, ou melhor, psicológico. Foram visados, sobretudo, a alma e o coração da juventude candidata a Oficial” (CÂMARA, 1985).

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Entre os biógrafos de Caxias, se destaca o nome de Afonso de Carvalho. Um livro de sua autoria publicado pela Bibliex, em 1957, foi reproduzido e distribuído para todas as unidades do Exército e consiste em principal fonte de consulta, dos militares, por ocasião das cerimônias que evocam as vitórias do duque. Para mais detalhes, ver Carvalho (1976).

Desde sua incorporação, o cadete é instruído a rever seus valores e isso ocorre por meio das aulas que recebe durante o período de formação ou pelos símbolos com os quais irá conviver nos quatros anos de vida acadêmica.65

3.1.2.2 Nas frases de efeito e nos gritos de guerra

Os símbolos, que são repetidos inúmeras vezes neste trabalho, vão desde as obras artísticas mais complexas a simples representações, como aquelas encontradas nos gritos de guerra que são proferidos pelos soldados, seja nos cursos de formação ou nas atividades do dia-a-dia dos quartéis, e como o que ocorre durante as formaturas diárias ou nas corridas do treinamento físico.

Valores éticos como desprendimento, bravura, dignidade, camaradagem, são evocados constantemente nas letras dessas pequenas canções, que objetivam, por meio da repetição constante, moldar na mente do homem um padrão de comportamento. Assim, preparam-no psicologicamente para as possíveis situações de dificuldade que ele, no exercício da guerra, poderá viver, como no exemplo abaixo, onde o cavalariano estimula e exalta o fato de pertencer à Arma de Cavalaria:

Se não tens a rapidez do raio O olhar da águia,

e a coragem do leão Não és digno de pertencer à Cavalaria.

Em letras grandes são grifadas frases nas paredes dos alojamentos, refeitórios e outras repartições, e são lidas diariamente pela tropa, como a que está posta na parede do pátio de formatura dos cadetes da AMAN, onde diz: “Cadetes, ide comandar, aprendei a obedecer“. Em outra parede está: “Ser soldado não é profissão; é missão de grandeza”. Durante as formaturas diárias, antes de liberar a tropa para as atividades, sob a ordem do comandante da tropa todos gritam: “O farol

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A respeito da vida diária do cadete na AMAN, recomenda-se a leitura do livro de Celso Castro, que, numa análise antropológica/social, relata aspectos interessantes da vida diária do cadete no interior da academia. Para mais informações, ver Castro (1990).

é a missão”. Isto quer dizer que em qualquer dificuldade o objetivo dado deve ser conquistado.

Cada unidade do Exército adota os seus próprios lemas, que são sintetizados em frases curtas e todos os novos soldados, ao entrarem na vida militar, repetirão sistematicamente enquanto vestirem a farda. No 2º Batalhão de Engenharia, sediado na cidade de Pindamonhangaba, vê-se, na parte na viga da entrada daquele quartel, a seguinte frase: “O suor poupa o sangue”. A frase exalta as necessidades do trabalho conjunto e sugere que cada soldado deve doar o máximo de si para o sucesso coletivo, condição entendida como fundamental para a atividade militar.