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CAPÍTULO IV – A MATERIALIZAÇÃO DA ÉTICA

4.2 UMA AÇÃO DE BAIXO PARA CIMA

No dia 30 de março de 1964, deu-se de maneira efetiva um movimento que iria mudar a história política do Brasil. A cidade que presenciou o começo deste inusitado fato histórico não foi São Paulo, que naquele momento já era a mais importante cidade econômica do país. Não foi a recém criada capital – Brasília – e nem a cidade do Rio de Janeiro, que ainda concentrava grande parte da vida política e administrativa do país, onde também estava o maior efetivo militar. Foi Juiz de Fora, uma cidade do interior de Minas Gerais, que não tinha a mesma projeção de outras cidades do Brasil, e que viu o General de Divisão Olímpio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, tomar a iniciativa da ação que em pouco tempo envolveria todo efetivo militar do país.

Algo precisa ser percebido nesse caso, pelo fato duma ação tão drástica não ter partido do Comando das Forças Armadas e sim de um militar que tinha sobre si uma cadeia de comando a responder. Isto, de alguma maneira, mostra que, apesar da insatisfação que os militares, há anos, nutriam por Goulart, e muito embora a discussão sobre uma intervenção não fosse algo novo na caserna, há de se entender que a deposição do Presidente não foi fruto de um plano elaborado previamente pelo alto comando das Forças Armadas. A ordem para o deslocamento de tropas não se deu a partir de um planejamento do EME, como seria o regulamentar. O que registra a história é que o estopim do movimento militar, que eclodiu em março de 1964, foi resultado de uma iniciativa individual.

O ato, que inicialmente foi interpretado como de insubordinação88, tomou sentido contrário e em questão de horas não só foi ratificado pelo comando da Forças Armadas, mas tornou-se uma causa da própria instituição. As manifestações contrárias à ação iniciada por Mourão, ocorridas dentro do meio militar, foram rapidamente sufocadas e de todas as partes do país a tropa se uniu pela radical

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Em documento expedido pelo Ministério da Guerra, em 31 de março de 1964, o General de Exército Jair Dantas Ribeiro, em um de seus últimos atos como Ministro, exonera os Generais Olímpio Mourão Filho e Carlos Luiz Guedes de seus respectivos cargos por ato de subversão. Dizendo-se defensor dos princípios democráticos, declara o ministro que: “[...] Embora em estado de convalescença, não hesitarei em sacrificar minha própria saúde para cumprir este dever que tenho para com minha Pátria [...]. Haveremos de cumprir nossa missão, haja o que houver, custe o que custar [...]” (MOTTA, 2003, Tomo 3, p. 200).

interferência na vida política do país, mesmo sabendo que a ação havia partido de baixo para cima, contrariando os regulamentos.

Em 1978, é publicado um livro do General Olímpio Mourão Filho, onde seu diário pessoal é transcrito com registros que se iniciam em 1º de março de 1955, e vão até 21 de maio de 1964. Neste documento estão registrados detalhes dos momentos que antecederam sua saída de Juiz de Fora para a cidade do Rio de Janeiro, na madrugada do dia 31 de Março de 1964 (MOURÃO FILHO, 1978).

Sobre sua decisão de conspirar contra o Presidente João Goulart, no dia 28 de março, quando tudo já estava preparado para a marcha, e aguardando somente por uma resposta de Magalhães Pinto89, Mourão registra em suas anotações estar ciente das conseqüências que seu ato poderia acarretar, ao mesmo tempo em demonstra sua convicção pela escolha que estava fazendo.

[...] Se nós perdemos a guerra, muitos de nós morrerão: eu próprio estou absolutamente decidido a me deixar matar. Preso ou fugido, não condiz com a situação de um homem que se lançou à obra tremenda e sagrada de salvar meu país e possivelmente a América do Sul, sem dispor (ah! Que lástima) de hierarquia e de ‘cartaz’ para tanto [...] (MOURÃO, 1978, p. 361).

Na mesma anotação o General lamentava que a “missão” de derrubar o Presidente tenha caído sobre ele, mas a situação pedia e ele não podia se furtar da obrigação de salvar o Brasil. Afinal, escreve ele,

[...] Cansei de pedir a Costa que chefiasse a revolução e ele nunca quis. Uma pena, mesmo. Porque Costa e Silva é capaz. O mesmo não penso de Castello Branco. O Cordeiro não tem função militar e mesmo é político (Ele se refere ao Gen. Cordeiros de Faria que já se encontrava na reserva). No Exército não tem muito cartaz. Servirá para mais tarde [...] (MOURÃO, 1978, p. 361).

Mesmo dizendo não contar com o prestígio de Costa e Silva, a antiguidade hierárquica de Castello Branco e o conhecimento político de Cordeiros de Faria, Mourão se coloca à disposição e declara, no Diário, que, apesar do respeito a seus

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Segundo o que consta no Diário, Mourão esperava que Magalhães Pinto escrevesse um manifesto pedindo a renúncia incondicional do Presidente João Goulart. Mourão queria ler o documento antes de partir e pedia que o documento só fosse divulgado quando ele já estivesse a caminho do Rio de Janeiro.

superiores, diz: “[...] estou vendo que vou ser eu mesmo o Chefe. Paciência. Não me agrada esta opção [...]” (MOURÃO, 1978, p. 361). Citando uma frase de Antonio João90, diz: “[...] sei que morro, mas meu sangue e dos meus companheiros servirá de protesto contra a invasão de minha pátria [...]”.

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Tenente Antonio João Ribeiro é aclamado pelo Exército Brasileiro como herói, por ter permanecido, no ano de 1964, (o Brasil se encontrava em conflito com o Paraguai) em seu posto, mesmo sabendo que o inimigo que se aproximava possuía uma tropa muito superior aos apenas onze soldados que estavam com ele. O Ten. Antonio João e seus companheiros foram mortos pelas armas dos paraguaios.