• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II – A ÉTICA CASTRENSE E SUA CONSTRUÇÃO

2.5 OS JOVENS TURCOS

Há de se destacar que, além da criação do EME, o Exército procurou, por meio de intercâmbio com países da Europa, a profissionalização de seus quadros. Duas escolas européias forneceram as matrizes para esse novo momento. Primeiro os alemães e depois os franceses.

42

De 1906 a 1910, por meio de contato e apoio do Barão do Rio Branco e aprovação do Ministro da Guerra, Hermes da Fonseca, o Exército atende o convite do imperador alemão Guilherme II, e envia para a Alemanha três turmas de jovens oficiais para estagiar no Exército daquele país, com objetivo de modernizar as Forças Armadas, em função de seu atraso. Entre os oficiais enviados, destacam-se os nomes de Bertoldo Klinger, Euclides Figueiredo, Leitão de Carvalho, Joaquim de Souza Reis, Epaminondas de Lima e Silva, César Augusto Parga Rodrigues, Amaro de Azambuja Vilanova e Francisco Jorge Pinheiro.

Nesse período, a Alemanha travava com a França uma disputa pela liderança militar na Europa. Assim, ambos os países buscavam ampliar seu campo de influência ao redor do mundo. Essa disputa tanto incluía a ampliação do poderio bélico e inovações táticas, quanto a venda de armamento e o envio de missões militares estrangeiras de instrução junto aos exércitos latino-americanos, que foram experimentados pelo Chile e Argentina.

As contribuições que os jovens turcos trouxeram para as mudanças serão operadas na instituição militar e começarão a aparecer, mais claramente, a partir dos anos 30 do século XX. Os fundadores da Revista Defesa Nacional indicavam o caminho da profissionalização e defendiam o afastamento dos oficiais da vida política, para isso mostravam-se dispostos a servir de modelo para as novas gerações.

A experiência vivida nos dois anos que passaram no Exército Alemão serviria de parâmetro para as idéias que passariam a defender. Não faltou oposição a esse grupo (estima-se que era constituído por cerca de 34 oficiais), que teve de enfrentar outros dois grupos que dividiam a liderança da instituição, os “doutores” e os “tarimbeiros”.

Os primeiros, oriundos das reformas promovidas pelos positivistas de 1890, que deram à escola militar um perfil filosófico, eram os doutores tenentes, doutores capitães, e doutores generais. O grupo dos tarimbeiros era assim chamado por sua

origem de pouca educação formal e por haver ascendido à hierarquia militar por meio de promoções conquistadas pela participação em combates reais.43

Em seu primeiro editorial, os jovens turcos já declaravam seus ideais modernizantes e sugeriam um novo posicionamento para o Exército, em relação ao mundo fora dos quartéis. “[...] É fato histórico que as sociedades nascentes têm necessidade dos elementos militares para assistirem sua formação e desenvolvimento [...]” (MACCANN, 2007, p. 217). Para este grupo, o Exército não deveria se introduzir de forma injustificável em questões políticas, mas acreditavam que a instituição militar deveria ser o ponto de partida para o desenvolvimento da sociedade, fornecendo a ela o modelo de organização para influenciar a massa geral dos cidadãos.

As idéias defendidas por esses oficiais ganharam corpo e em pouco tempo deixaram de ser objeto somente de editoriais da Revista Defesa Nacional; passaram a ser documentadas e, em 1914, os oficiais reformistas tinham em mãos um vasto programa de reformas. Segundo McCann (2007, p. 218), o programa, que poderia ser resumido em treze itens, pedia que as mudanças ocorressem de baixo para cima, do soldado para o general. Das idéias propostas, cinco merecem ser destacadas: (1) modificação no processo de recrutamento, que deveria ocorrer em massa e não individualmente durante todo ano; (2) mais rigor nos exames de saúde dos voluntários; (3) só homens moralmente sãos deveriam ser alistados; (4) o Serviço Militar deveria ser obrigatório; e (5) os oficiais deveriam ser afastados de qualquer ambição política.

Esses oficiais viam-se como um “bando de Cavaleiros da Idéia”, afirma McCann (2007, p. 217) para os jovens turcos.

[...] O Exército era o primeiro fator de transformação político-social e tinha igualmente uma função educativa e organizadora [...] seu objetivo era transmitir à sociedade as virtudes de um exército: disciplina e hierarquia social, abandono do interesse individual em favor do coletivo e o senso do dever e sacrifício à pátria [...].

43

O termo tarimbeiro vem de tarimba, uma cama de lona presa à parede por correntes, e que era utilizada por militares que moravam no quartel.

Mas o que realmente importa investigar nos ideais reformistas dos jovens turcos que irão influenciar a formação das novas gerações de generais é que, embora seja verdade que a doutrina pregada por eles apontasse para o emprego do Exército, prioritariamente, nas questões de defesa externa do país, ela também não deixava de incluir a intervenção militar na sociedade como sua responsabilidade. Além disso, os jovens turcos reforçaram elementos tácitos da ética castrense, como os já citados anteriormente: o voluntariado; o senso de sacrifício; e o abandono do individual em prol do bem coletivo. Resta dizer que, entre os articuladores da Revista Defesa Nacional, estava um jovem militar de nome Humberto Alencar de Castelo Branco, que serviu ao periódico no serviço de secretário.

Enquanto os jovens turcos desejavam reformar a Força pela profissionalização dos quadros, afastando os oficiais da política, e o EME buscava desenvolver uma unidade de pensamento doutrinário, outros oficiais, do mesmo Exército, estavam com seus olhares voltados para o lado de fora da caserna. Eram jovens oficiais que não aceitavam a política vigente, marcada pela forte presença das oligarquias que monopolizavam a vida política do país.

As agitações que permearam a vida política do Brasil da década de vinte, alimentadas pelo ideal de liberdade, que pode ser tipificado na Semana de Arte Moderna, somadas às crises econômicas decorrentes da superprodução de café e à posterior queda dos negócios na Bolsa de Valores de Nova York, já ao final da década, são acontecimentos que não passaram despercebidos no meio militar, mas, adentraram os portões da caserna, fazendo com que jovens oficiais saíssem às ruas, mostrando que a intenção dos chefes militares, de afastar o quartel das questões políticas, era uma tarefa das mais difíceis de ser enfrentada pela instituição. Nascia o movimento tenentista.