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CAPÍTULO III – MITOS HERÓICOS E A PEDAGOGIA

3.1 OS SÍMBOLOS COMO INSTRUMENTOS CONSTRUTORES

3.1.3 O hino a Duque de Caxias

O hino a Caxias traz em sua letra a síntese do culto que o soldado deve prestar a seu patrono. Ele foi composto pelo arcebispo de Cuiabá, Dom Aquino de Corrêa, no ano de 1935, e oferecido ao Exército Brasileiro. O sacerdote católico não poupa elogios ao duque, retratando-o como um personagem que se confunde com a própria história do país, como se houvesse uma indivisibilidade entre a história de Caxias e a história do Brasil. Em bem formuladas frases poéticas, Aquino exalta sua capacidade de promover a paz em meio aos conflitos:

Sobre a história da pátria, oh Caxias, Quando a guerra troveja minaz, O esplendor do teu gládio irradias, Como íris de glória e de paz.

Enaltece o fato de Caxias ainda jovem66 (alferes) ter conduzido a também jovem (novel) nação independente a significativas vitórias;

Foste alferes, que guiando, na frente, O novel67 pavilhão nacional,

Só no Deus dos exércitos crente, Coroaste-o de louro imortal.

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Em 1835, quando se deram diversos movimentos de resistência à independência no Brasil, Caxias estava com 30 anos de idade.

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Nos versos seguintes, que somam mais quatro, Aquino apresenta Caxias como o soldado que não conheceu derrota e que, mesmo na desumana (atroz) Guerra do Paraguai, fez valer a sua capacidade de chefe militar:

De vitória em vitória, traçaste. Essa grande odisséia, que vai, Das revoltas que aqui dominastes, As jornadas do atroz Paraguai

Do Teu Gládio sem par, forte e brando O aro de ouro da paz se forjou,

Que as províncias do Império estreitando, A unidade da Pátria salvou.

Nos dois últimos versos que se seguem, Caxias é mostrado como campeão,

condestável, sacro e inviolável. Os versos são intercalados pelo estribilho, onde ele

é aclamado como herói brasileiro.

Salve duque glorioso e sagrado. Oh, Caxias invicto e gentil!

Estribilho - Salve flor de estadista e soldado. Salve herói militar do Brasil!

Por último, vale ressaltar, na análise do seu hino, que Caxias não é apresentado em nenhum momento como homem público, muito embora se saiba que ele intercalou atividades militares com atividades políticas, tendo ocupado uma cadeira no Senado brasileiro por aproximadamente 35 anos. Isto se explica, pela razão de que o ícone maior da instituição militar deveria ser lembrado apenas como chefe militar. Essa estratégia de não lembrá-lo como político é uma prática usual da instituição, como a que aconteceu por ocasião das comemorações dos 200 anos de Caxias (2003), quando a revista do Clube Militar, em edição especial dedicada a Caxias, dos 17 artigos apresentados, apenas um, de autoria de Jarbas Passarinho, e em duas laudas apenas, tratou de mostrá-lo em suas atividades políticas.

No mesmo tempo em que o culto a Caxias e aos patronos é desenvolvido, outras iniciativas são tomadas a fim de frear o lado político da tropa, e estas medidas são mais perceptíveis de serem analisadas.68 Para a liderança militar, era preciso educar

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Sobre esse momento, Carvalho (1976) afirma que “[...] diante das inúmeras ameaças à hierarquia e à disciplina surgidas após a revolução (32), tornou-se necessário recompor a organização [...]”.

a tropa para o sentido verdadeiro de sua função constitucional. Buscava-se, nesse sentido, uma mudança de rumo para a atuação da Força na vida pública brasileira. O Quadro 3 abaixo demonstra que nem sempre foi tarefa fácil controlar o ímpeto “revolucionário” que, por vezes, inseria-se no interior da instituição:

MOVIMENTOS MILITARES 1930-1945 PARTICIPAÇÃO

PRINCIPAL OUT. 1930-34 1935-1939 1940-1945 TOTAL GERAL

Ag Pr Rev Tot Ag Pr Rev Tot Ag Pr Rev Tot Ag Pr Rev Tot

Generais 5 4 - 9 2 4 - 6 2 - - 2 9 8 - 17

Outros oficiais 10 3 2 15 5 2 4 11 2 - - 2 17 5 6 28

Praças 14 1 5 20 8 3 2 13 1 - - 1 23 4 7 34

Mista 3 - 3 6 8 - - 8 1 - - 1 12 - 3 15

TOTAL 32 8 10 50 23 9 6 38 6 - - 6 61 17 16 94 Ag = agitação; Pr = Protesto; Rev = revolta.

Agitação inclui conspirações e casos de motim. Uma greve de cadetes em 1934 foi classificada como protesto de oficiais.

Quadro organizado por Lucia Lahmeyer Lobo

Quadro 3 – Movimentos militares.

Fonte: Informações compiladas dos diversos periódicos já citados na introdução, no subtópico “Quanto às fontes”.

Observa-se, no quadro acima, a acentuada queda no registro de manifestações por parte dos militares. De 30 a 34, quando se iniciaram as reformas de José Pessoa, aparece um total de 50 agitações. O número cai para 38 no período seguinte (1935 a 1939), chegando a apenas 6 no final de 1945.

Após este período, as revoltas militares não desapareceram na verdade, mas se manifestaram de maneira diferente, foram organizadas e aplicadas de cima para baixo69. O exemplo mais clássico dessa nova fase é a intervenção de 64, que muito Segundo o mesmo autor, mesmo depois da revolução havia indícios de fragmentação da Força. Para conter essa demanda, diferentes decretos foram baixados, tais como: (1) a proibição de participação de militares na política partidária; (2) reforma da grade curricular, nas escolas militares; e (3) passagem, de imediato, para reserva de militares considerados ameaçadores à nova proposta. Outras medidas do comando foram tomadas neste período para conter as revoltas, e estas não são percebidas por Carvalho, como: A introdução do Regulamento Disciplinar do Exército (RDE) - Dec n.º 2.543, de 24 de março de 1938, e do Regulamento de Instrução e Serviços Gerais (RISG) n.º 603, de 26 de julho de 1940.

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Um exemplo dessa nova forma de revolta é o famoso Manifesto dos Coronéis, ocorrido em fevereiro de 54, em forma de memorial, assinado por 42 coronéis e 39 tenentes-coronéis. O documento foi dirigido ao Ministro da Guerra e reclamava a falta de equipamentos modernos, baixos salários e alertava para o perigo das infiltrações do comunismo no país. O Manifesto obedecia à hierarquia, era sigiloso, e de conteúdo reservado, mas a oposição tratou de espalhar seu conteúdo pela imprensa.

embora mereça algumas ressalvas, foi arquitetada e colocada em prática por oficiais que se encontravam nos postos mais altos da instituição. Aparentemente, a tropa estava sob controle. Uma das características da ação militar de 64, que a fez parecer legítima para a Força, foi o seu acontecimento ter à frente oficiais da alta cúpula da instituição, ao contrário da maioria dos movimentos das décadas de 20 e 30, onde era constate a atuação de tenentes e capitães.