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Em abril de 1957, após o fracasso em Suez, o governo inglês decidiu lançar uma nova versão de White Paper, que recomendava uma radical redução de efetivos nas forças armadas e o término do serviço militar obrigatório, contrabalançando essas reduções nas organizações militares pelo programa de desenvolvimento de armas termonucleares (NAVIAS, 1989). O então ministro da defesa Ducan Sandys, responsável pela elaboração do documento, havia recebido carta branca, do primeiro ministro, para fazer

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o necessário visando atingir as metas da reforma econômica, impondo autoridade sobre as forças armadas, o que não foi necessário por ter sido obtida a reforma por meio de negociação e pressão hábil do ministro de defesa (NAVIAS, 1991).

Entretanto, somente após vinte e nove anos da primeira publicação inglesa, o Canadá, passaria a, periodicamente, publicar sua política de defesa (BLAND, 1997). Este documento foi inovador, pois estabelecia a necessidade de manter o foco na segurança coletiva por meio de alianças e participações em operações de paz, além de definir um comando unificado das tropas com maior mobilidade, promovendo a unificação das forças militares, que de fato ocorreu a partir da aprovação do projeto de lei canadense C-90.

O Canadá como membro da OTAN, tinha responsabilidade com a defesa dentro da aliança e para isso teria que apresentar sua contrapartida em favor dessa. Mas o White

Paper de 1994 foi o primeiro após 1964 a considerar as demandas domésticas no

Canadá como mais relevantes do que as definidas pela aliança, e ainda promoveu um descolamento da política externa dos EUA, tornando-se mais independente. O fim da guerra fria representou para o Canadá um marco significante quanto à mudança de abordagem na sua política de defesa (SOKOLSKY, 1995)

A Austrália foi outra ex-colônia inglesa que também implementou o documento de defesa durante a Guerra Fria e com o Defence White Paper , de 1972, apresentou o conceito da necessidade de autonomia para exercer o controle de seu território e mares adjacentes, como consequência da retirada das forças britânicas e americanas no início do anos de 1970. Além disso, a Austrália ressentia-se de capacidade defensiva por ter enviado tropas para o Sudeste Asiático, dentre os quais, o envio de cerca de oito mil militares para lutarem no Vietnã ao lado dos americanos. Não demorou muito para o governo australiano apresentar uma nova versão de Defence White Paper em 1976 com o mesmo sentimento do anterior, porém com mais força para impor um ambicioso programa de reequipamento que iria assegurar uma capacidade de defesa autônoma para os australianos (YOUNG, 1989).

Segundo Lim (2005) o Defence White Paper australiano de 1976 firmava o conceito de autossuficiência de defesa pelo repúdio às políticas de defesa anteriores que apoiaram compromissos militares americanos e britânicos no sudeste asiático, recrudescendo uma abordagem neoisolacionista, que teve origem após as terríveis baixas sofridas durante a Primeira Guerra Mundial e que também produziu uma oposição ao que se chamou de “guerras de outros povos” (tradução deste autor), sugerindo a construção de uma

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política que se baseava na concentração de forças na defesa no continente, ao contrário do envio de tropas para o exterior para compor forças com outro país. A sociedade australiana não mais estava interessada em guerras sem que fossem para proteger seu território.

No continente asiático, de 1945 a 1971, a sociedade japonesa foi beneficiada pela ordem internacional, estando quase inteiramente protegida pelos americanos das ameaças externas. A manutenção da liderança americana no mundo capitalista começou a afetar a sua própria capacidade econômica, e, assim, foi necessário lançar um movimento de reestruturação da economia global, a conhecida doutrina Guam6, promovendo desdobramentos para o Japão, que passaria a ter de garantir, com seus meios próprios, sua soberania e independência (CHAPMAN et al. 2012).

Então, a redução gradual de tropas americanas na Ásia e a existência da ameaça comunista, contribuíram para o Japão emitir seu primeiro Defence White Paper, que teve por base a manutenção da paz com EUA, URSS e China. No entanto, não tardou muito para o documento receber duras críticas da sociedade japonesa e da comunidade internacional, por estar enfatizando a renovação, a modernização, e o aumento de gastos com pesquisa e desenvolvimento militar, tudo centrado na notícia de uma provável remilitarização do Japão. (CHAPMAN et al. 2012).

No continente africano esse conceito foi bem assimilado pela África do Sul, que, desde 1977, percebeu sua relevância regional e sua importância para a obtenção de um continente politicamente estabilizado, em um momento que era degradado pela eclosão de variados conflitos de ordem política e social, promovidos pela Guerra Fria, e, com isso, vislumbrou-se a necessidade de organizar as forças de defesa da África do Sul e um complexo industrial de defesa por meio da publicação do seu Defence White Paper. Os Estados Unidos adotaram a ideia, mas empregando nomenclatura diferente a partir de 1987 publicaram o National Security Strategy; o National Defense Strategy; e o

National Military Strategy, dispondo de informações similares às dos demais Defense White Paper publicados.

Retornando para o continente europeu, verificou-se a França, em 1972, emitindo o seu primeiro Livre Blanc Sur La Défense Nationale reavaliando as ameaças e riscos e

6 Doutrina editada pelo presidente Nixon em 1969 que declarava que cada nação aliada aos Estados

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definindo os princípios, prioridades, estruturas e recursos que iriam garantir a segurança da França.

O documento de defesa francês estimulava a participação de todos da sociedade francesa na defesa interna e nos interesses externos. Ainda que buscasse neutralidade, não se alinhando com nenhuma das grandes potências, deixou nas entrelinhas o possível adversário no leste europeu. Embora não tenha nomeado possível adversário considerou o emprego de forças convencionais contra a ameaça soviética, além da possibilidade de emprego de tropas fora do território francês e de outras "missões complementares", nomeadamente as realizadas pela polícia e pelos elementos da proteção civil (FRANCE, 1972).

O Livre Blanc Sur La Défense Nationale considerou a dissuasão nuclear para evitar o conflito armado com as forças de Varsóvia, em caso de guerra convencional, em primeiro lugar as forças armadas deveriam garantir a segurança do país e de seus habitantes para depois participar da defesa de toda Europa (FRANCE, 1973).

De uma análise parcial, dessas amostras de documentos de defesa no período da Guerra Fria, pode-se constatar que sua elaboração, na época considerada, foi estimulada tanto por fatores externos quanto domésticos, pois enquanto a política desses Estados nutriam interesses por neutralidade e redução de despesas, a possibilidade de conflito com a ex- URSS inibia essas intenções e produzia reflexos na política de defesa.

O clima de hostilidade e de ameaça entre Estados Unidos e a extinta União Soviética sem dúvida afetou os países capitalistas, aliados dos americanos. Nesse contexto histórico surgiu a Estratégia da Dissuasão Nuclear, retirando o controle da formulação da estratégia de defesa das mãos dos militares e transferindo para os civis.

A Estratégia da Dissuasão Nuclear foi o principal instrumento de garantia contra uma possível invasão soviética na Europa, ou seja, foi a estratégia para evitar a guerra e todas as demais consequências e efeitos destrutivos percebidos na Segunda Grande Guerra. Os países capitalistas não estavam interessados em outro conflito militar, mas precisavam demonstrar seu poder militar ao bloco soviético para manter “Status Quo” e consequentemente assegurar a continuidade do comércio internacional.

Por outro lado, os Estados capitalistas perceberam que suas estruturas de defesa vinham onerando os cofres públicos, ou em campanhas militares com resultados negativos, ou por gestão ineficiente das organizações militares. Então as elites políticas civis decidirem criar um compromisso junto com os militares para promover uma

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modernização da Defesa, tirando proveito do conceito britânico de elaborar política de defesa, ou seja, efetividade com eficiência.

Mapa nº 2 - Evolução da difusão do libro branco de 1935 a 1991

Fonte: dados retirados das publicações de defesa de cada país considerado

Mapa nº 3 - Divisão do mundo durante o período da Guerra Fria

Fonte: Wilson Center, Cold War International History Project, disponível em <https://www.wilsoncenter.org> acesso em 15 Jul 2014

■ 1935 ■ de 1964 a 1975 ■ de 1976 a 1985 ■ de 1986 a 1991 ■ Comunistas ■ Capitalistas ■ Não alinhados

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A necessidade por reforma e a contenção da ameaça soviética foram as principais preocupações que os políticos tiveram ao assumirem o controle da política de defesa de seus países durante o período da Guerra Fria.

Assim, por meio de comparação entre os painéis anteriores, pode-se constatar que a difusão do livro branco de defesa durante o período da Guerra Fria contribuiu para instrumentalizar a estratégia dos países alinhados à ideologia capitalista, com vistas a conter o avanço soviético e assegurar o comércio internacional, além de contribuir para o inicio de um processo de redução de efetivos militares nas forças armadas e substituição por componentes com melhor tecnologia agregada, pelo menos para os países membros da OTAN.

Para Hew Strachan (2013), o ingresso da participação civil na elaboração da estratégia de defesa nacional foi o legado deixado pela Guerra Fria, para impedir a guerra e manter a paz, para retirar o homem da frente de batalha e substituí-lo por tecnologia. Certamente as autoridades políticas civis desses países foram beneficiadas pelas boas relações que nutriam com os militares. A tendência iria ser difundida ainda mais após a queda da União Soviética, suscitando nos livros brancos de defesa a possibilidade de virem a ser um dos instrumentos de propagação dessa ideia.