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Quanto à coerência dos documentos com a postura efetiva de defesa

Outro aspecto que tem sido questionado pelos pesquisadores dos assuntos de defesa é quanto à linha de coerência desses documentos, ou melhor, se a postura efetiva de defesa do país é congruente com o que foi declarado pelos livros brancos ou outros documentos de defesa. Bruneau, Trinkunas e Pion-Berlin são categóricos ao afirmarem que os documentos produzidos e publicados por países latinos americanos não são recebidos e tão pouco relevantes para a postura de defesa desses Estados.

Nesta fase da pesquisa, é possível estimar o posicionamento doutrinário dessa amostra de 71 documentos de defesa, no entanto é necessário obter uma amostra de dados que representem a postura efetiva de defesa atual desses países para proceder a uma comparação, e confirmar ou não o posicionamento de Bruneau (2012).

Entretanto, levantou-se que a rede PwC publicou a Global Defense Perspectives que apresenta um mapeamento empírico das prioridades dadas pelo setor de defesa e a postura de segurança adotada por 60 países em diferentes regiões geográficas do planeta. Na verdade, para desenvolver essa perspectiva global de defesa foram analisadas as tendências recentes de gastos com defesa, grandes investimentos, prioridades estruturais e estratégias, além dos desafios que impactam nos países.

A publicação apresentou seis categorias distintas que correspondem aos níveis de prioridade da defesa e da postura de segurança de acordo com a análise dos dados empíricos levantados pelos pesquisadores da rede PwC.

A primeira categoria é a Global Power Projectors que corresponde aos países que estão muito empenhados nos esforços de segurança em todo o mundo, usando a capacidade militar para influenciar a segurança global, somado ao significativo orçamento de defesa. A segunda categoria é a Constrained Force Projectors que corresponde aos países que também estão muito empenhados nos esforços de segurança pelo mundo, entretanto estão buscando maneiras de reduzir custos para aumentar a eficiência por consequência de restrições orçamentárias significativas. A terceira categoria é a

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Coalition Partners que corresponde aos países que também estão envolvidos nos

esforços de defesa pelo mundo, com a ressalva de terem orçamentos de defesa mais modestos, sendo a maioria da categoria formada por Estados aliados pela OTAN. A quarta categoria a Robust Self-Defenders que corresponde aos Estados que estão focados nos esforços de segurança em sua região geográfica adjacente, com significativo orçamento de defesa. A quinta categoria é a Threat-Focused Self-Defender que corresponde aos Estados que se envolvem em esforços para manter a segurança em sua área geográfica imediata, com o foco do orçamento para preparação contra uma ameaça específica proveniente de uma única nação. A sexta e última categoria é a

Territorial Security Seekers, que corresponde ao número de nações com esforço de

segurança na própria área geográfica, são caracterizadas por terem modestas organizações de defesa focadas na preparação contra os desafios de segurança interna e externa regional.

Nesse capítulo, as seis categorias foram usadas para exprimir a postura empírica de defesa dos Estados que também declararam uma política de defesa por meio de livros brancos ou demais documentos de defesa. Entretanto, da amostra de 60 países investigados pela rede PwC, somente 41 apresentaram pelo menos uma 1º versão de documento de defesa a ser conhecido conforme a tabela a seguir:

É interessante recordar que o Wordscore entregou somente duas categorias, a ATIVA e a PASSIVA. Entretanto as categorias levantadas pela Global Defense Perspectives estão associadas nessas duas, ou melhor, as categorias 1,2 e 3 devem ser correlacionar com ATIVAS e as categorias 4,5 e 6 devem se correlacionar com PASSIVAS.

Nesta etapa do trabalho, se procurou evidências para corroborar ou não com tese da falta de coerência dos documentos com a postura efetiva de defesa dos Estados. Portanto, decidiu-se por optar, mais uma vez, pelo uso das ferramentas estatísticas. Considera-se, portanto, a variável contínua independente Declaração, com valores calculados pelo Wordscore e a variável dependente Postura Efetiva com seis categorias.

Considerando possíveis violações dos pressupostos básicos necessários para a aplicação de um teste paramétrico, optou-se pelo uso de teste não paramétrico, mais especificamente o teste de Kruskal-Wallis para investigar se os seis grupos possuem médias diferentes entre si, pois seriam esperadas maiores médias em que se apresenta mais ATIVO e menores médias por aqueles se optam por abordagens mais PASSIVA.

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O teste revelou que a Declaração não afeta a postura empírica dos Estados com respeito à segurança e defesa (H(3) = 2,482, p > 0,05. As médias das seis categoria não são significativamente diferentes e, portanto, se apresentam indícios para afirmar que os livros brancos e outros documentos de defesa não são coerentes com a postura de defesa efetiva dos Estados.

Tabela nº 12 – Relação de países conforme postura efetiva e a declarada de defesa

Postura efetiva Países Declarada (cálc. Wordscore)

Global Power Projectors Rússia EUA ATIVA ATIVA

Constrained Force Projectors

Austrália ATIVA China PASSIVA França ATIVA Inglaterra ATIVA Coalition Partners Canadá PASSIVA Alemanha ATIVA Itália ATIVA Holanda ATIVA Espanha ATIVA Suécia PASSIVA

Robust Self-Defenders Singapura Colômbia ATIVA ATIVA

Ucrânia PASSIVA Threat-Focused Self-Defender Chile PASSIVA Croácia ATIVA Estônia ATIVA Grécia PASSIVA Índia ATIVA Malásia ATIVA Portugal PASSIVA Polônia ATIVA

Coréia do Sul PASSIVA

Turquia PASSIVA

Vietnã PASSIVA

Territorial Security Seekers

Argentina PASSIVA Áustria ATIVA Bélgica ATIVA Brasil PASSIVA Dinamarca ATIVA Finlândia ATIVA Indonésia ATIVA Japão PASSIVA Latívia ATIVA Lituânia ATIVA México PASSIVA

Nova Zelândia ATIVA

Noruega PASSIVA

Filipinas PASSIVA

África do Sul PASSIVA

Suíça PASSIVA

Fonte: dados obtidos do cálculo de frequência de palavras dos documentos de defesa feito pelo Wordscore e da publicação Global Defense Perspectives da rede PwC de 2015.

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Fazendo uma análise nos dados brutos é possível compreender esses resultados. Não será possível concordar com Bruneau (2012), pois as declarações de defesa dos países da América Latina estão coerentes com a postura efetiva atual de cada país, considerando que da categoria quatro a seis cada Estado apresenta uma condição efetiva mais PASSIVA.

Se os documentos de países da América Latina são congruentes com a postura de defesa efetiva, o mesmo não pode ser afirmado para sete países membros da OTAN (Croácia, Estônia, Polônia, Bélgica, Dinamarca, Latívia e Lituânia) e três países parceiros da OTAN (Áustria, Finlândia e Nova Zelândia), por declararem uma abordagem mais ATIVA para a defesa, mas terem adotado uma postura de defesa efetiva mais PASSIVA. Esses dez Estados deveriam, efetivamente, pelo menos, se apresentarem no grupo dos Coalition Partners, para ficar compatível com o declarado nos seus documentos de defesa. No entanto, é provável que o orçamento destinado para as suas organizações de defesa não sejam suficientes para tanto. Como já foi abordado anteriormente, projetar poder ou se apresentar mais ativo não é tarefa simples do imaginário, é preciso imensa quantidade de recursos para garantir e manter operações militares fora do território dos Estados, que cada vez mais se deparam com muitas demandas econômicas e sociais para resolverem.

Outro detalhe é que dentre estes dez países pelo menos cinco adotaram uma série de reformas para se ajustarem ao modelo OTAN, com vistas a serem admitidos como membros, inclusive apresentar seus documentos de defesa sobre os constrangimentos da Aliança. Portanto, é de se considerar que países de menor expressão econômica, que possuem vínculos com a OTAN, não necessariamente precisando ser membro, podem estar tendo dificuldades para cumprir o que foi declarado em suas publicações de defesa, provavelmente por força de acanhados orçamentos.

Por outro lado, potências econômicas tais como: EUA, Rússia, França, Inglaterra, e Alemanha vêm mantendo coerência entre o que é declarado nas publicações de defesa e como, efetivamente, a estrutura de defesa tem se modelado, podendo ser outra evidência que o campo econômico pode estar impactando no processo de implementação da política de defesa.

Mas, também não é possível generalizar que o poder econômico esteja impactando na coerência entre postura de defesa efetiva e declarada, considerando que a China se declarou mais cautelosa, e, no entanto, sua postura efetiva é mais robusta do que teria

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sido considerado na sua publicação de defesa. O mesmo poderia ser ponderado a respeito do Canadá, se não fosse a coerção empreendida pela OTAN.

O que pode ficar mais evidente desta análise é que posturas efetivas mais ativas poderão estar associadas ao poder econômico dos países, ao passo que Estados mais pobres, ainda que se declarem ativos, serão constrangidos pelos parcos orçamentos de defesa. Mas isso não é tudo, Estados mais poderosos que se declararam mais passivos e se apresentaram efetivamente mais ativos também estão incoerentes, tendo como exemplo o Canadá e a China. Mas, pode-se justificar essa condição pela ótica estruturalista, ou melhor, países com organizações militares robustas tenderão a ter uma postura efetiva mais ativa ainda que deseje se tornar mais passivo, terá sua a estrutura organizacional impactando na implementação das decisões políticas com vistas a preservar seu Status Quo e reduzir as incertezas. Outro entendimento, mais pessimista, seria o da visão do realismo ofensivo, que sugere que os Estados serão cautelosos e evitarão revelar suas verdadeiras intenções relacionadas ao poder militar que possuem.

No entanto, de acordo com o ponto de vista neoclássico, cabe considerar dois fatores que influenciam na coerência entre o escrito e o efetivado. O primeiro é o poder econômico, considerando que uma postura ativa envolve orçamentos mais volumosos, e nos casos foram observados indícios que Estados com menor expressão econômica terão dificuldades para efetivar uma postura ativa, ainda que declare no documento essa intenção. A segunda se refere à grandeza das estruturas de defesa e sua vocação para a redução de incertezas e bloqueio de processos de mudanças. Organizações de defesa mais fortes impedirão ou serão obstáculos a processos de redução. Posen (1984) argumenta, justamente, que os militares irão optar por doutrinas ofensivas, visando preservar o tamanho organizacional e reduzir as incertezas promovidas por uma abordagem defensiva, ou melhor, por uma postura mais passiva.