• Nenhum resultado encontrado

Há rota de saída? Uma pesquisa sobre a Coopan, no Rio Grande do Sul.

AGRONEGÓCIO.

6.5 Há rota de saída? Uma pesquisa sobre a Coopan, no Rio Grande do Sul.

Atualmente, até mesmo as experiências coletivas de produção agropecuária, onde a gestão do trabalho e o desempenho das atividades possuem um caráter horizontal (com rodízio de funções na produção, na gestão e direção dos negócios, etc.), inseridas nesse ambiente competitivo e estimuladas pelas leis do mercado, submetem-se, invariavelmente, às exigências do capital que opera no campo.

Assumindo como objetivo último a produção de valores de troca, via de regra, essas experiências convertem sua produção em “produção para a comercialização”. Mesmo quando é destinada ao chamado mercado institucional, por meio dos programas de aquisição de alimentos que visam a atender equipamentos públicos como escolas, presídios, hospitais etc., é a lógica imposta pelo capital que impera sobre a organização coletiva da produção.

189 A pesquisa realizada por Caio Chiarrello junto a Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), no assentamento Capela, na região Sul do país (CHIARRELLO e EID, 2012), demonstra que o uso e a gestão coletiva dos meios de produção e da terra, apesar de se aproximarem de uma sociabilidade alternativa àquela imposta pela ordem do capital, não garantem o que poderíamos chamar de uma verdadeira autonomia dos trabalhadores associados sobre o processo da produção e da distribuição das mercadorias.

A busca por resultados no mercado – seja ele institucional ou não -, que no limite orienta a produção, impõe uma lógica que contradiz, em todos os momentos do processo de trabalho e da gestão da produção, a tentativa de constituição de uma sociabilidade fundada em um cotidiano autodeterminado.

A cooperativa agroindustrial estudada envolvia diretamente 30 famílias e 59 cooperados e, indiretamente, outras 95 pessoas, em linhas de produção agroindustrial nas áreas de suínos, arroz orgânico e leite, além da produção, em menor escala, de mel, peixe, aipim, feijão e horta para o consumo das famílias associadas. Em média, a jornada de trabalho era de 10 horas por dia em todos os setores da produção. E, dependendo da época do ano, chegava a 14 horas diárias.

Segundo Chiarrello e Eid (2012, p. 12): “todas as atividades possuem uma carga de trabalho intensa com atividades com maior incidência de carga física e outras com maior incidência de carga psíquica”. Segundo os autores, a cooperativa esforçava-se permanentemente para reduzir a carga de trabalho, através de investimentos em tecnologia, rodízio de tarefas, gestão coletiva da força de trabalho, como se fosse possível obter aumento da produtividade do trabalho sem aumentar a exploração dos trabalhadores, através da elevação da composição orgânica do capital, simultaneamente a coletivização das tarefas do trabalho.

Além disso, era comum a contratação de trabalho externo, de diaristas, trabalhadores de outros assentamentos ou cidades vizinhas, para atividades que demandavam mão de obra excedente, além do assalariamento de trabalhadores na loja mantida pela cooperativa para comercialização de parte da produção (CHIARRELLO, EID, 2012, p. 13), mostrando que, mesmo essas experiências mais significativas do ponto de vista da constituição de formas coletivas de produção não estão livres da lógica do trabalho abstrato e do produtivismo exigido em escala crescente pelo mercado – ou pelo mercado institucional.

190 Conforme esta experiência indica, as formas de organização para a produção que, aparentemente afiguram como autônomas e independentes, não eliminam necessariamente o comando do capital sobre o processo de produção e de distribuição, justamente na medida em que este “...continua prescrevendo a natureza do trabalho e a quantidade a ser produzida...” (ALVES, TAVARES, 2006, p. 436).

O capital também não exige, necessariamente, a figura do patrão. A ausência do vínculo empregatício, da figura visível do capitalista, ou da forma salário por tempo de trabalho, não convertem, automaticamente, os trabalhadores associados em produtores diretos e independentes, de modo que, nesse caso, a autonomia dos trabalhadores é constituída muito mais no plano da vontade política que por meio das relações objetivas e materiais que, ao contrário, tendem a negar aquilo que os trabalhadores buscam constituir na esfera política.

Nesse sentido, “os membros de uma cooperativa de trabalho ou de qualquer associação de trabalhadores, apesar de sua condição de ‘proprietários’, são obrigatoriamente submetidos a critérios de avaliação do tempo de trabalho como qualquer trabalhador assalariado...” (ALVES, TAVARES, 2006, p. 437). Sob a hegemonia da lei do valor e do trabalho abstrato:

Os pequenos negócios só sobrevivem se estiverem submetidos à exploração dos grandes, que são movidos a agir dessa forma porque assim determina a lei do valor. Qualquer tentativa de superação dessa ordem que não elimine o mercado esbarra nas suas próprias determinações. O propósito de caminhar para o socialismo por meio de práticas que negam a propriedade privada, como a pequena empresa, que consubstancia o idealismo de Proudhon e embala os sonhos de alguns trabalhadores, é demasiado simplista porque esbarra numa totalidade rígida e objetiva que só pode ser modificada se rompida na sua base (ALVES, TAVARES, 2006, p. 443).

De acordo com Rosemeire Scopinho, apesar das distintas trajetórias organizativas - além das dificuldades cotidianas de desenvolvimento das cooperativas de trabalhadores autogestionárias - essas experiências, em todos os casos, convivem com “...a contraditória relação [não resolvida] entre eficiência econômica e democracia política...” (SCOPINHO, 2010b, p. 29; Cf. SCOPINHO, 2007).

Nada disto quer dizer que estas experiências não sejam importantes do ponto de vista político e mesmo do ponto de vista produtivo, sobretudo no que toca à elevação e melhoria das condições de vida dos trabalhadores nelas envolvidas. Porém, na perspectiva da constituição de uma sociabilidade verdadeiramente alternativa à sociabilidade imposta pela

191 relação-capital, indicam que não há rota de saída através do adensamento da relação com o mercado, nem mesmo com o assim chamado mercado institucional, quando a hegemonia no campo é do capital; tampouco pela via da integração produtiva, hoje a porta aberta pelo complexo do agronegócio para as unidades familiares de produção agropecuária.

Diz Scopinho (2010b, p. 29-30. Grifos meus).

Os estudos que eu venho realizando desde 1996 sobre as diferentes modalidades de cooperação e de cooperativas que se constituem nos assentamentos rurais apontam que há consenso entre os trabalhadores assentados de que, apesar das dificuldades econômicas, houve melhoria das condições de vida (renda, habitação, saúde e educação), o que contribui para generalizar a crença na cooperação como forma de enfrentar problemas e aumentar a disposição para cooperar, principalmente entre os jovens. Porém, esses mesmos estudos também evidenciam que entre os assentados são nítidas as divergências quanto a concepção de organização e de cooperação, que há um grande distanciamento entre organização pensada e a real, que a rigidez e a complexidade das estruturas organizacionais tornam o funcionamento burocrático e moroso, que os entraves na comunicação dificultam os processos decisórios e centraliza poderes. Se não é possível desconsiderar o potencial dessas experiências na solução de problemas relacionados ao êxodo rural e à miséria que atinge esses trabalhadores, os quais declaram haver melhorias reais em relação à condição e ao modo de vida anterior, também não se podem visualizar transformações

significativas nos problemas estruturais do mercado de trabalho rural e na atual dinâmica econômica da pequena agricultura familiar brasileira.

Na prática, permanecem as dificuldades econômicas, porque crescem as inúmeras barreiras impostas pelo mercado e persiste a crônica insuficiência das políticas públicas de créditos, subsídios, assistência técnica e comercialização, entre outras, para a pequena produção agropecuária.

É certo que estas experiências de cooperação entre trabalhadores carecem ser melhor estudadas, no entanto, diante do processo em curso de universalização do trabalho social abstrato, das formas contemporâneas de proletarização, precarização estrutural do trabalho e degradação intensa dos recursos naturais e ecológicos disponíveis, potencializado pela expansão do agronegócio e do neodesenvolvimentismo, as condições de reprodução social no campo ficam cada vez mais circunscritas as possibilidades que os sujeitos sociais encontram de se realizar sob o férreo controle do capital. Nestas condições, todas as formas de produção no campo destinadas ao mercado estão prescritas pela lógica e pela dinâmica do capital, deixando pouquíssimas chances – para não dizer nenhuma – para a construção de relação sociais (e relações sociais de produção) baseadas na autodeterminação dos sujeitos que as experienciam.

192 Com isto, a luta pela terra, hoje profundamente afetada pelo controle do campo exercido pelo capital transnacional, se converte apenas no prelúdio bastante breve da luta pelo controle efetivo sobre a reprodução social, de tal modo que, a construção de relações sociais (de produção) autênticas passa, necessariamente, pela superação desta forma de controle sociometabólico exercida pelo capital.

Diante disso, cabe-nos indagar: qual a atualidade histórica da luta pela terra e pela reforma agrária quando a realidade social parece tender para a negação de todas as experiências até hoje constituídas pelo movimento do trabalho, no sentido de sua liberação do inflexível controle do capital? Ou, dito de outra maneira, quais as condições e os desafios da reforma agrária perante o atual padrão de desenvolvimento do agronegócio que tende a anular até mesmo as experiências mais significativas de constituição de uma sociabilidade alternativa?

No próximo e último capítulo discutirei o significado histórico da reforma agrária hoje à luz dos problemas agrários identificados até o momento, procurando indicar algumas condições e desafios para a luta pela terra e pela reforma agrária.

193 7. A ATUALIDADE HISTÓRICA DA REFORMA AGRÁRIA.

7.1 A questão agrária hoje.

Como vimos até aqui, as novas condições de reprodução capitalista pós-ditadura civil- militar e o movimento interno das classes sociais no Brasil e suas correspondentes forças políticas no interior do Estado produziram um novo conjunto de problemas no campo. O padrão de expansão do agronegócio, principalmente no quadro do novo desenvolvimentismo petista, a um só tempo desmantelou a reforma agrária como “caminho do progresso para a paz social” - conforme queria Jango – e impulsionou um espetacular desenvolvimento das forças produtivas com caráter marcadamente destrutivo.

Depois de mais de uma década de expansão e consolidação do agronegócio, a velha polêmica (dos anos de 1950) que relacionava a questão agrária brasileira ao desenvolvimento do capitalismo nacional foi, definitivamente, sufocada pela própria dinâmica do capitalismo brasileiro. Em parte, porque o capital encontrou uma via de acesso – que a ditadura civil- militar de 1964 consolidou - que não exigiu a eliminação do latifúndio para seu desenvolvimento. Evidentemente, este processo foi marcado por contradições próprias de uma combinação, ou aliança, entre capital e grande propriedade de terra, que redunda, hoje, em uma poderosa força política atuante no campo. Por outra parte, a própria ideia de “desenvolvimento nacional” foi posta em xeque pelos processos sócio-econômicos que redefiniram o padrão global da acumulação, abrindo caminho para o que veio a ser, mais tarde, a transnacionalização do capital e a hegemonia de sua forma financeira - ainda quando o Brasil completou a aliança entre latifúndio e capital vis-à-vis à industrialização desigual do campo.

Assim é que o debate sobre a eliminação dos supostos restos feudais da formação histórico-social brasileira; a função do campo (ou mais propriamente do setor primário) na evolução “truncada” da economia nacional; a dualidade constituída pelo “Brasil moderno” e pelo “Brasil atrasado” e até mesmo a discussão sobre o papel do latifúndio na manutenção da dependência econômica brasileira (Cf. DELGADO, 2001), tudo isto, foi afetado decisivamente pelas novas condições de reprodução do capital e pelo desenvolvimento do capitalismo brasileiro e pelas modificações daí decorrente na morfologia das classes sociais em confronto.