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vocálicos

CAPÍTULO 3: PROCESSOS FONOLÓGICOS

3.1 PROCESSOS DE ASSIMILAÇÃO E DISSIMILAÇÃO DISSIMILAÇÃO

3.1.4 Harmonia vocálica

Chamamos de harmonia vocálica o processo fonológico no qual uma vogal assimila traços da vogal adjacente, tornando-se mais próxima (assimilação parcial) ou igual (assimilação total) a ela. Ou, conforme explica Kenstowicz (1994, p.347): “Vowel harmony is a

phonological state in which the vowels in a given domain share or harmonize for a particular feature.”

O processo de harmonização das vogais foi observado nas línguas-irmãs Latundê (Telles, 2002) e Lakondê (Braga, 2012). Na primeira, a harmonia vocálica acontece preferencialmente dentro da raiz, em raízes dissilábicas. A regra geral para a ocorrência do processo “é a assimilação da elevação do grau de abertura vocálica entre vogais átonas e tônicas, no interior da palavra” (TELLES, 2002, p.134). Dessa forma, vogais tônicas com grau de abertura mais alto que as vogais átonas que as precedem engatilham a harmonia vocálica, que acontece da direita para a esquerda. Ainda de acordo com Telles (2002), no Latundê, esta é uma regra categórica dentro da raiz, porém, entre morfemas, ela acontece de maneira bem mais esporádica.

No Lakondê (Braga, 2012), o processo de harmonia vocálica se dá de maneira muito semelhante ao Latundê, exceto quando se trata da baixa ocorrência de harmonia vocálica entre morfemas. No Lakondê, diferentemente do Latundê, o processo pode ocorrer no

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interior da raiz ou de morfemas classificadores, bem como entre diferentes morfemas — sempre de forma opcional.

No Mamaindê, Eberhard (2009) explicita que a harmonia vocálica propriamente dita não faz parte dos processos de assimilação observados na língua, porém, algo semelhante à harmonia vocálica, mas muito mais limitado, pode ser encontrado.

The only assimilation process documented for Latundê (Telles, 2002:131) is a broad vowel harmony rule within the root morpheme, which is not present in Mamaindê, although there is a very limited vowel assimilation process by which an epenthetic underspecified vowel assimilates to the place features of the final vowel in the root if an /h/ intervenes.

(EBERHARD, 2009, p.223)

Dessa forma, o que haveria, portanto, no Mamaindê, seria um processo de epêntese vocálica em raízes terminadas com /h/, com a inserção de uma vogal da mesma qualidade da vogal nuclear da sílaba da qual /h/ é coda. Neste sentido, portanto, de acordo com Eberhard (2009), aconteceria uma harmonia vocálica. Este processo, no entanto, teria uma função bem específica na língua: evitar a realização de uma coda silábica [+contínua], já que no Mamaindê, codas com o traço [+contínuo], embora existam na subjacência, não são permitidas na superfície66.

66 O mesmo processo de epêntese vocálica com cópia da vogal nuclear acontece em Negarotê, porém, não o trataremos aqui como um caso de harmonia vocálica, mas na seção 3.3.2 Epêntese vocálica. De acordo com Telles (comunicação pessoal), em Latundê e Lakondê, o processo também acontece, de maneira opcional, uma vez que estas línguas (assim como o Negarotê) não têm restrição quanto à realização do traço [+contínuo] em coda silábica.

Processos Fonológicos | 139 Em Negarotê, observamos um processo de harmonia vocálica semelhante ao encontrado em Latundê e Lakondê, engatilhado pela vogal tônica e que atinge a vogal átona precedente. Para isso, é necessário que o grau de abertura da vogal acentuada seja mais alto que o da vogal não-acentuada. A regra se dá de maneira regressiva e acontece tanto no interior do morfema — desde que ele tenha duas sílabas, sendo a segunda acentuada e com vogal mais alta que a anterior — quanto entre morfemas. Vale destacar que o processo é opcional, havendo variação entre as formas harmonizada e não harmonizada. Além disso, a harmonia vocálica não ocorre em todos os morfemas que têm essa configuração67.

A regra da harmonia vocálica pode acontecer de duas formas: através da assimilação do grau de abertura, o que chamamos de assimilação parcial, que resulta no levantamento da vogal da sílaba átona; ou através da assimilação de todo o nó vocálico, resultando numa vogal de qualidade igual àquela que a influencia, o que chamamos de assimilação total.

(355) /jaˈlit-tu/ [jaˈliːthu] ~ [jeˈliːthu] “colar” (356) /ˈniʔ-kaˈnĩn-tu/ [ˈniːʔkeˌnĩːdu] "resina"

67 Enquanto a harmonia vocálica acontece em algumas raízes, outras, com estrutura semelhante — vogal tônica com o grau de abertura maior que a vogal átona, em raiz dissilábica — não permitem que o processo ocorra, mantendo na superfície a sua forma de base. Nos dados analisados, não conseguimos perceber um padrão regular que nos permitisse compreender o que, efetivamente, bloqueia a harmonia vocálica nestas raízes.

140 | Fonologia Negarotê (357) /waˈnũn-tu/

[woˈnũːde] ~ [waˈnũːde] "bom/bonito, está bom"

Figura 39. Regra de harmonia vocálica com assimilação parcial (grau de abertura) em /jaˈlit-tu/ “colar”

Processos Fonológicos | 141 (358) /kaˈmon-keh-tu/

[koˈmoːɡiɾu] ~ [kãˈmoːɡiɾu] “cupim, tipo de.”

(359) /saˈkĩn-ki-tu/

[saˈkĩːɡiɾu] ~ [siˈɡĩːɡiɾu] "arroz"

(360) /kaˈlinʔ-kaˈnĩn-tu/

[ɡiˈliːʔkiˌnĩːdu] ~ [kiˈliːʔkiˌnĩːdu] "fruta, tipo de."

(361) /ˈtein-kaˈloh-tu/

[ˈtejɡŋɡoˌloːɾu] ~ [ˈtejɡŋɡaˌloːɾu] "rede de dormir"68

68 Em Latundê, Telles (2002) explicita que o classificador /-kaˈloh/ ‘superfície plana /unidimensional’ não sofre harmonia vocálica quando precedido por vogal /a/ na sílaba que o antecede. Em Negarotê, percebemos que o mesmo fenômeno ocorre com o classificador /-kaˈloh/ ‘plano, achatado’, que nunca se realiza [koˈloh] ou [ɡoˈloh] quando a vogal da sílaba precendente é /a/. Em outros ambientes, contudo, o morfema tem larga variação, podendo realizar-se numa mesma palavra com ou sem o efeito do processo de harmonia vocálica. Exemplo disso é a palavra ‘rede’ /ˈtein-kaˈloh-tu/, conforme pode ser visto no exemplo (361). Também em palavras mais complexas (formadas por mais morfemas), as duas formas aparecem: [ˈteiɡŋɡoˌloːˌkaidã] ‘a rede rasgou’; [ˈteiɡŋɡaˌloːteˌkaiãnwa] ‘ele rasgou a rede’.

142 | Fonologia Negarotê

3.1.5 Palatalização/ alvéolo-palatalização da