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vocálicos

2.1.4 Resumo da distribuição dos segmentos

Apresentada a descrição e distribuição dos segmentos consonantais e vocálicos, incluindo os ditongos, que compõem o sistema fonológico do Negarotê, é interessante deixar claro que nem todos os segmentos podem ocupar as mesmas posições na sílaba e que, mesmo os que podem aparecer em diferentes posições, realizam-se de maneiras distintas quando compondo onset, núcleo ou coda silábica.

Os quadros abaixo apresentam, de maneira resumida, os segmentos que podem ocupar cada posição na sílaba e os seus alofones realizados nesta posição. O quadro 11 traz as consoantes, primeiro as que ocupam a posição de onset e os seus alofones e, em seguida, aquelas que ocupam a posição de coda, acompanhadas também pelos seus alofones. O quadro 12, por sua vez, traz um resumo das vogais, com as respectivas alofonias. Dessa forma, é possível visualizar com maior clareza os fenômenos que acontecem em cada posição silábica.

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2.2 A SÍLABA

Nesta seção, apresentaremos a sílaba em Negarotê. Iniciaremos apesentando o molde silábico máximo, os segmentos que podem ocupar cada posição na sílaba e os tipos de sílaba possíveis. Em seguida, discutiremos processos fonológicos que afetam a estrutura silábica e o processo de ressilabificação.

Ao longo dos estudos fonológicos, desde a Escola de Praga, da fonologia Estruturalista americana até os modelos mais recentes, a sílaba sempre foi considerada um importante constituinte fonológico46. Entretanto, o conceito de sílaba ao longo da história tem sido controverso, assim como o de palavra e o de sentença. Segundo Kenstowicz (1994, p.250), a razão pela qual não há unanimidade em torno da sílaba é a ausência de um correlato fonético, uma vez que a sílaba não é um som, “but an abstract unit

of prosodic organization through which a language expresses much of its phonology”.

De acordo com Blevins (1995, p.207), a sílaba é uma unidade fonológica que organiza melodias segmentais em termos de sonoridade. A autora argumenta a favor de se considerar a sílaba como um constituinte fonológico, explicitando quatro características da sílaba que a permitem ser concebida como tal. O primeiro deles,

46 Blevins (1995, p.234), em nota, explica que embora possa ser argumentado que a fonologia gerativa, como desenvolvida por Chomsky e Halle no SPE (1968), não reconhece o papel fundamental da sílaba, isso parece verdadeiro para a teoria, mas não é totalmente válido em termos de execução. Segundo ela,

The use of symbol V, a [+vocalic] segment, in countless phonological rules in SPE, with subsequent recognition that this natural class might be more appropriately referred to as [+syllabic] “which would characterize all segments constituting a syllabic peak” (p.354), can be viewed as acknowledgement of the syllable’s important role in phonological theory. (BLEVINS, 1995, p.234)

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o fato de haver processos e/ou restrições fonológicas que têm a sílaba como seu domínio de aplicação, um domínio que é maior que o segmento e menor que a palavra e contém exatamente um pico de sonoridade. Dentre as propriedades fonológicas que têm a sílaba como domínio, Blevins (1995) destaca o acento e o tom.

Such principles of stress assignment support the existence of syllables in that the candidates for stress assignment that are skipped over are always complete syllables. Furthermore, stress and tone languages fall into two general classes with respect to general assignment algorithms: those in which mappings of stress and tone differ for heavy and light syllables, and those in which such weight is irrelevant. In the first case, the mora, or weight unit, might be viewed as the stress/tone-bearing unit; in the second case, it seems necessary to recognize the syllable as the stress/tone-bearing unit. However, even in languages which show weight-sensitivity to stress assignment, recognition of syllables is necessary. (BLEVINS, 1995, p.208)

O segundo argumento aporta no fato das bordas silábicas, que têm correspondência em todas as línguas com as bordas das palavras e enunciações, serem locais de aplicação de regras fonológicas. Além disso, a sílaba funciona como “alvo” de processos morfológicos e prosódicos, como a afixação, o truncamento e a substituição. Blevins (1995) cita ainda a intuição dos falantes nativos, que reconhecem facilmente o que é a sílaba na sua língua, e alega que se a fonologia é o estudo das representações mentais da estrutura de sons, então a intuição pode ser considerada uma evidência para a teoria. Por estas razões, Blevins aponta que a sílaba, constituinte prosódico, tem uma posição fixa na hierarquia prosódica universal, conforme mostrado na Figura 15.

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Figura 15. Hierarquia Prosódica Universal (BLEVINS, 1995, p.210)

A estrutura interna da sílaba e a relação entre esta estrutura e o peso silábico já foram objeto de estudo de muitos teóricos, conforme listado por Blevins (1995, p.212).

(4) Models of syllable-internal structure

(a) Flat structure (i.e., no subconstituents but the segments themselves) (Anderson 1969; Kahn 1976; Clements and Keyser 1983).

(b) Moraic approaches: σ →C0 µ (µ) C0 (Hyman 1985; McCarthy and Prince 1986; Hayes 1989). (c) Binary branching with Body: →σ →Body Coda; Body Onset Nucleus (McCarthy 1979; Vennemann 1984).

(d) Ternary branching: σ → Onset Nucleus Coda (Hockett 1955; Haugen 1956; Davis 1985).

(e) Binary branching with Rhyme: σ → Onset Rhyme; Rhyme → Nucleus Coda; (traditional Chinese scholars as represented, for instance, in the Song dynasty rhyme tables (dêngyùntú), and discussed at length in Chao 1941 and Karlgren 1954;Pike and Pike 1947; Kurylowicz 1948; Fudge 1969; Halle and Vergnaud 1978; Selkirk 1982).

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Dentre estes, Blevins (1995) e Kenstowicz (1994) trazem evidências a favor do modelo denominado Binary branching with

Rhyme — modelo este que utilizamos na nossa análise — que conta,

obrigatoriamente, com um núcleo, o pico de sonoridade, geralmente uma vogal, que pode ser precedido e/ou sucedido por outros segmentos. Os segmentos que antecedem o núcleo são chamados de

onset, enquanto os que o seguem são chamados de coda. A relação

entre o núcleo e a coda é muito mais estreita do que entre o núcleo e o onset, em consequência disso, a gramática tradicional reconhece um subconstituinte na estrutura silábica, um nó que abarca o núcleo e a coda. (KENSTOWICZ, 1994; BLEVINS, 1995)

Figura 16. Estrutura interna da sílaba CLV:C(BLEVINS, 1995, p.213)

O status especial do núcleo, que o torna o elemento mais importante da sílaba — e o único obrigatório, conforme citado anteriormente — pode ser evidenciado, entre outros fatores, pela sua relação com o tom e o acento. O núcleo silábico é o local preferido para a atribuição do tom e do acento, e a sua perda implica o deslocamento destes elementos.

Fonologia Segmental | 99 Quanto à rima, subconstituinte que domina imediatamente o núcleo e a coda, Blevins (1995, p.214) afirma que a maior evidência para a existência desse modelo é baseada no fenômeno da sensibilidade ao peso silábico. Em línguas sensíveis ao peso silábico, como é o caso do Negarotê, as sílabas são divididas em leves e pesadas, sendo as últimas aquelas que atraem o acento ou permitem dois tons (em oposição a um), e em praticamente todos os casos o peso silábico é definido sem referência à parte que antecede o núcleo da sílaba.

No Negarotê, assim como ocorre nas línguas-irmãs, Latundê (Telles, 2002), Lakondê (Telles, 2002; Braga, 2012) e Mamaindê (Eberhard, 2009), observamos a ocorrência de um grande número de sílabas fechadas, com uma ou duas posições de coda silábica preenchidas, que majoritariamente ocorrem em posição tônica47. Inclusive, são raras as ocorrências de sílabas abertas tônicas. Na superfície, em decorrência de processos fonológicos tais como o apagamento da coda silábica ou a ressilabificação48, observamos uma maior frequência de realização de sílabas abertas, sem a posição de coda ocupada. Estes processos, que atingem principalmente sílabas átonas, podem, eventualmente, atingir também sílabas tônicas. Nestes casos, a vogal nuclear tende a ser alongada, compensando a perda da consoante em coda e, assim, mantendo o peso silábico.

Outra característica comum às línguas do ramo Nambikwára do Norte é a escassez de sílabas sem a posição de onset ocupada. Em Negarotê não é diferente, sendo mais raros os casos de sílabas iniciadas por vogais.

47 Quando há duas sílabas fechadas (pesadas) na mesma raiz, apenas uma delas (a que fica mais à direita) é tônica.

48 Os processos fonológicos serão apresentados e discutidos no capítulo 3

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Quanto ao núcleo, que pode ser simples ou ramificado, temos como único elemento obrigatório da sílaba uma das suas duas posições, que apenas podem ser ocupadas por vogais49.