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simplificação do ditongo

4.1.1 O acento nas línguas Nambikwára

O estudo do acento nas línguas indígenas brasileiras ainda é recente, especialmente devido ao pouco conhecimento que ainda se tem sobre estas línguas. De acordo com Wetzels e Meira (2010), apenas cerca de 50% das línguas faladas hoje no Brasil foram ou estão sendo descritas e, dentro deste número, são raros os estudos que incluem uma descrição sistemática do acento.

Considerando as línguas indígenas brasileiras que, até então, contam com estudos sobre o acento, é possível dizer que encontramos uma rica diversidade de padrões, que vão desde sistemas genuinamente acentuais (o padrão mais recorrente), sistemas mistos — em que há evidência para a existência de um sistema acentual em paralelo a um sistema tonal — a sistemas genuinamente tonais (mais raros nas línguas sul-americanas). Em artigo sobre os sistemas de acento nas línguas sul-americanas, Wetzels & Meira (2010, p.318) propõem uma tipologia dos sistemas prosódicos, tomando como base a classificação proposta por

Fonologia Suprassegmental | 173 Beckman (1986) e acrescentando uma categoria de sistema misto, no qual é evidenciado a coexistência do acento e do tom.

Quadro 13. Classificação dos sistemas prosódicos por Wetzels & Meira (2010, p. 318)

Ainda de acordo com os teóricos, a maior parte das línguas sul-americanas estudadas têm sistemas prosódicos acentuais

(stress-accent systems) insensíveis ao peso silábico, enquanto aquelas

sensíveis ao grau de sonoridade da vogal nuclear (sonority-driven), como o Umutina (Tronco Macro-Jê), são raríssimas. Entretanto, há também um número considerável de línguas com sistemas mistos, o que é o caso da maior parte das línguas da família Nambikwára.

Dentre as línguas já conhecidas da família Nambikwára, encontramos apenas uma língua acentual, o Sabanê (Araújo, 2004); as demais, possuem sistemas mistos, nos quais, ainda que de maneira mais ou menos restrita a depender da língua, o tom lexical coexiste com o acento: Mamaindê (Kingston 1976; Eberhard, 2009), Latundê/Lakondê (Telles, 2002) e Kithãulhu (Kroeker 2001; Lowe 1999). Além disso, os sistemas acentuais, em todas as línguas da família, podem ser classificados como weight-driven, seguindo a tipologia de Wetzels & Meira (2010, p.318) apresentada no Quadro 13. Ou seja, nestas línguas, o peso silábico é crucial na determinação

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do acento, que pode ser previsível ou lexicalizado78. O domínio do acento é o morfema, isso faz com que uma mesma palavra prosódica possa apresentar mais de um morfema acentuado — um acento primário (mais proeminente) na raiz e acentos secundários (menos proeminentes) nos afixos79.

No Mamaindê, o acento envolve a morfologia, a posição e a estrutura da sílaba (Eberhard, 1995, 2009). Os correlatos fonéticos do acento são a duração, a qualidade vocálica e a amplitude. O padrão acentual dentro da raiz das categorias lexicais (verbo, nome, adjetvo) é previsível: o primeiro parâmetro utilizado para a atribuição do acento é o peso silábico — uma vez que o sistema acentual “conta moras”, uma sílaba bimoraica na raiz sempre será o local do acento primário. A despeito disso, na ausência de sílaba pesada — que no Mamaindê é qualquer sílaba com material tautosilábico depois da vogal nuclear — ou na presença de mais de uma sílaba pesada, o acento recai na sílaba mais à direita. Fora da raiz, o acento não segue este mesmo padrão. Apenas as classes de morfemas que ficam próximas à raiz podem receber o acento secundário (afixos auxiliares e classificadores nominais). Nos afixos, o acento é lexical (não previsível) e o peso silábico não é crucial na determinação da sua ocorrência. Nestes, nem sempre sílabas pesadas têm acento, embora nos afixos lexicalmente acentuados que têm sílaba pesada, o acento sempre recaia sobre ela.

Já o Latundê, embora Telles (2002) tenha considerado como

78 É importante fazer a distinção entre o uso da palavra lexical nos níveis fonológico e morfológico. Para a Fonologia, chama-se lexical o traço que está na subjacência da língua; já para a Morfologia, o termo lexical refere-se às classes abertas de palavras. Neste caso, referimo-nos ao termo relacionado à Fonologia.

79 Exceto o Sabanê, classificada como aglutinante, as línguas da família Nambikwára são polissintéticas: as palavras podem ser constituídas por vários morfemas além da raiz, sendo alguns deles com semântica lexical (cf. seção 4.3.1.1

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pitch-accent80, em trabalho mais recente da mesma pesquisadora, é sinalizado como apresentando um sistema acentual misto, com sistema tonal de dois tons (BRAGA & TELLES, 2014, p.65). De acordo com Telles (2013), o sistema prosódico desta língua apresenta tom e acento lexicais. O peso silábico também tem um papel fundamental e o correlato fonético do acento é a duração (o alongamento vocálico). Como o acento é lexical, palavras podem apresentar um, dois (sendo um principal e um secundário) ou nenhum acento. Isto é, as raízes e morfemas podem ser acentuados ou não fonologicamente. Nas raízes acentuadas, a sílaba pesada é o local do acento. Quando não há sílaba fonológica pesada, a sílaba leve que recebe o acento tem a vogal alongada na superfície, o que confere peso à sílaba na sua realização fonética.

Diferente do Mamaindê, não há um padrão com relação à posição da sílaba acentuada quando uma raiz de palavra Latundê é formada por mais de uma sílaba pesada. De acordo com Telles (2002, p.117), em raízes dissilábicas com ambas as sílabas pesadas, “o acento recai imprevisivelmente em qualquer uma das sílabas. A sílaba pesada não acentuada subjacentemente poderá apresentar acento fonético”.

Um pouco mais distante, do ponto de vista tipológico, do Negarotê e das línguas do ramo do Norte, as línguas Kithãulhu e Sabanê, também apresentam como característica do seu sistema acentual a sensibilidade ao peso silábico. De acordo com Araújo (2004), todas as raízes do Sabanê são acentuadas e, havendo sílaba pesada na raiz, será nela que o acento recairá. Na ausência de sílaba

80 O termo pitch-accent foi utilizado por Telles (2002) para a definição do padrão acentual do Latudê naquele estudo, por isso optamos por mantê-lo aqui. Por

pitch-accent, a autora define: “[...] o acento se realiza foneticamente como tom (pitch)

alto; sílabas não acentuadas têm tom (pitch) baixo. Sílabas acentuadas não-CV (CVCou CVCC) podem apresentar contornos de tipo invariante, crescentes ou decrescentes.”

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pesada, o acento recai na penúltima sílaba leve, que tem sempre a vogal alongada quando realizada foneticamente. Quando há mais de uma sílaba pesada na mesma raiz, o acento é atribuído àquela mais à direita.

Kroeker (2001) não apresenta um padrão acentual para o Kithãulhu, entretanto, também deixa explícito que a sílaba acentuada é sempre alongada foneticamente. Segundo o pesquisador, “A raiz recebe sempre o acento principal. [...] A sílaba acentuada é sempre mais comprida. Sendo aberta a sílaba, a vogal é mais comprida. Sendo fechada a sílaba, a última consoante é mais comprida.” (KROEKER, 2001, p.111)

Na língua Negarotê, como veremos mais adiante, o sistema prosódico da palavra, assim como ocorre nas línguas do mesmo ramo, é misto: coexistindo o acento não-previsível dos afixos com o previsível das raízes nominais e verbais e ainda o tom lexical. O peso silábico é o principal parâmetro para a atribuição do acento, seguido da posição da sílaba na palavra. Todas as raízes da língua são acentuadas, recebendo o acento principal (mais proeminente). Os morfemas que são afixados à raiz podem ou não ser acentuados (acento lexical). Nesta língua, as raízes são predominantemente monossilábicas e dissilábicas, estas tendem a ser acentuadas mais à direita.

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