• Nenhum resultado encontrado

vocálicos

CAPÍTULO 3: PROCESSOS FONOLÓGICOS

3.2 PROCESSOS DE FORTALECIMENTO

3.2.1 Fortalecimento dos glides

Na língua Negarotê, os glides /j/ e /w/ ocupam apenas a posição de onset silábico, conforme visto na seção 2.1.2.2.5 Glides. Um argumento em favor da interpretação de que, nesta língua, não existe ditongo crescente — uma vez que consideramos como ditongo apenas sequências de vogais tautonucleares70 — é o processo de fortalecimento dos glides.

Este processo tem como base a escala de sonoridade: “The

sonority hierarchy is an inverse restatement of the strenght hierarchy” (Katamba, 1989, p.104). Dessa forma, dizemos que um

segmento é fortalecido à medida que se aproxima mais do grau de sonoridade 0. Abaixo, é possível ver a escala de sonoridade, de acordo com Clements (1990). Na imagem, O = obstruintes; N = nasais; L = líquidas; G = glides e V = vogais.

Processos Fonológicos | 149

Figura 45. Escala de sonoridade (Clements, 1990, p. 12, adaptado)

A distinção entre glides e vogais, conforme pode ser vista, reside no fato das vogais serem silábicas, diferentemente dos glides. O conceito de “silábico”, entretanto, não é definido em termos de parâmetros físicos, mas, sim, de acordo com cada língua: “’syllabic’

segments are those which attract the properties of the syllabic nucleus in any particular language, while “nonsyllabic” segments are those which do not.” (CLEMENTS, 1990, p.12) Em Negarotê,

os segmentos [+vocoide] que antecedem a vogal nuclear não compartilham com ela das propriedades de núcleo silábico — por exemplo, uma sílaba aberta formada por /ja/ não constitui uma sílaba pesada, elegível ao acento, como uma sílaba formada por /ai/.

Outra característica dos glides em Negarotê é a suscetibilidade ao processo de fortalecimento, no qual os segmentos /w/ e /j/ em onset silábico são realizados foneticamente como /ʋ/ e /ʒ/, respectivamente. A regra é opcional e apenas não se aplica diante das vogais /i/ e /u/.

(375) /ˈjoh-tu/

[ˈʒoːɾu] ~ [ˈjoːɾu] “abelha manduguari”

150 | Fonologia Negarotê (376) /waˈlutni-ˈeu-tãn/

[ʋaˈlutniˌeːɾã] ~ [waˈlutniˌeːɾã] “está relampejando (eu vi)” (377) /awaˈlun-tu/ [aʋaˈludndu] “faísca” (378) /jaˈtan-tu/ [ʒaˈdadndu] "veado"

O processo de fortalecimento dos glides foi também observado na língua Latundê (Telles, 2002). Nesta língua, os glides podem aparecer no onset ou na coda silábica, formando ditongos crescentes e decrescentes com a vogal nuclear. Apesar da diferença de interpretação quanto aos ditongos, o contexto em que os glides se fortalecem nas duas línguas, bem como os segmentos nos quais resultam este processo são os mesmos.

3.2.2 Pré-oralização da nasal em coda

Outra regra opcional que acontece no domínio da sílaba é a pré-oralização da nasal em coda silábica. Este processo ocorre em sílabas cujo núcleo, formado por vogal oral, é seguido de consoante nasal. Assim como acontece com o ponto de articulação das coronais em coda silábica, o ponto de articulação da nasal pré-oralizada é determinado pela assimilação do ponto de articulação da(s) vogal(is) que a antecede(m).

Processos Fonológicos | 151 Segmentos de contorno, como são chamados aqueles que apresentam uma fase oral e uma fase nasal, podem ser encontrados em diversas línguas do mundo, especialmente na América do Sul, África e Austrália (WETZELS, 2008). A origem destes sons, entretanto, pode ter diferentes motivações de acordo com a língua. Tomando como perspectiva funcional o aumento do contraste fonológico, é possível afirmar que em línguas que distinguem na subjacência oclusivas não-soantes sonoras e surdas (/b/ vs. /p/), a pré-nasalização das sonoras ([mbV]) pode ser interpretada como uma forma de acentuar este contraste. De maneira semelhante, em línguas que apresentam contraste entre vogais orais e nasais, a oralização das consoantes nasais ([mbV, Vbm]) pode ser compreendida como uma maneira de evitar espraiamento do traço nasal da consoante nasal para as vogais orais.

In the literature, one finds two different explanations for the occurrence of contour stops that are based on this concept [i.e. enhancement; G. Braga]. One seeks to explain the nasal phase of the contour as an enhancement of an underlying contrast between voiced and voiceless non-sonorant stops. The other one focuses on the oral phase of what are taken to be underlyingly nasal consonants, explaining its emergence as an enhancement strategy to maintain a neat oral/nasal contrast for vowels. (WETZELS, 2008, p. 252)

Uma vez que é difícil manter a articulação oral de uma vogal no contexto de uma consoante nasal (EBERHARD, 2009, p.260), a realização de um segmento oclusivo bloqueando a passagem da nasalidade consegue ser bastante efetiva. Isto é o que ocorre na língua Negarotê — e nas demais línguas do ramo Nambikwára do Norte — cuja distinção entre vogal oral e nasal precisa ser preservada a fim de manter o caráter contrastivo destes segmentos.

152 | Fonologia Negarotê

A regra da pré-oralização acontece posterior à regra da assimilação/dissimilação do ponto de articulação da coronal em coda71, a qual está sujeita a nasal coronal /n/. Após ter o ponto de articulação definido pela vogal ou pelo ditongo que a antecede, a nasal é pré-oralizada, como uma forma de evitar a nasalização regressiva. É importante ressaltar, entretanto, que a regra se aplica apenas a sílabas acentuadas, o que já é esperado, uma vez que em sílabas átonas não há contraste entre vogais orais e nasais.

Sobre as nasais pré-oralizadas no Mamaindê, Eberhard (2009, p.255) afirma que embora, à primeira vista, elas pareçam resultado de um processo de epêntese consonantal, isso não é confirmado quando se analisa os dados com mais cautela. Ao invés disso, ele defende que, na verdade, a pré-oralização decorre da assimilação parcial do traço oral da vogal para a consoante nasal, e explica que “The only phonetic difference between a pure nasal

consonant and a pre-oralized nasal consonant is one of timing; in the latter the opening of the velic is delayed until after the tongue has assumed its place of articulation for the nasal”.

Em Negarotê, assim como em Mamaindê, percebemos que, foneticamente, o que diferencia a nasal pura da pré-oralizada é também, e apenas, o atraso na abertura do velo. Além disso, dois outros argumentos suportam a hipótese de do espraiamento do traço oral: primeiro, por haver variação entre nasal pura e nasal pré-oralizada em um bom número de palavras; segundo, e principal argumento, a pré-oralização ocorre sistematicamente e apenas seguindo vogal oral. Não encontramos nos dados da língua sequer um caso de pré-oralização seguindo vogal nasal.

71 A regra de assimilação/dissimilação do C-Place das consoantes coronais em coda é discutida em 3.2.1 Ponto de articulação das coronais em coda.

Processos Fonológicos | 153

3.3 PROCESSOS QUE ATINGEM O