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DA HIBRIDAÇÃO DE RECURSOS À UTILIDADE SOCIAL: UM ENTENDIMENTO SOBRE SUSTENTABILIDADE NOS BCDs

5. BANCOS COMUNITÁRIOS DE DESENVOLVIMENTO: CONCEITO, CONTEXTO E CARACTERÍSTICAS

5.5 DA HIBRIDAÇÃO DE RECURSOS À UTILIDADE SOCIAL: UM ENTENDIMENTO SOBRE SUSTENTABILIDADE NOS BCDs

As estratégias, por meio das quais os BCDs buscam solucionar a sustentabilidade e sua continuidade no tempo, se expressam na fertilidade de uso dos recursos materializados em suas ações cotidianas. Nesse sentido, nos permitimos fazer o seguinte questionamento: Como fazem os BCDs para resolver sua relação com a captação de recursos, sem que isso afete seus princípios de funcionamento?

Os BCDs têm desenvolvido uma série de estratégias para enfrentar a problemática da mobilização de recursos com vistas ao seu financiamento. Trata-se de mecanismos que mobilizam distintas fontes de financiamento de forma individual e/ou combinada, através de várias estratégias de captação. Nesse sentido, a origem dos recursos operados pelos BCDs é de fontes públicas e privadas, por meio de mecanismos como: editais públicos, operação de linhas de créditos de instituições financeiras públicas, doações de empresas privadas, captação a partir de atividades comunitárias (bingos, rifas, festas etc.), cotas de membros da associação, além de inúmeras outras práticas que constituem inovações que fazem a sustentabilidade dos BCDs.

França Filho(2013) discutem um conjunto de conceitos que permite compreender as diferentes formas utilizadas pelos BCDs para mobilizar recursos, quais sejam: constituição de fundos de crédito, hibridação de recursos, economia plural, serviços mercantis não- concorrenciais, mais valia social e utilidade social.

a) Constituição de Fundos de crédito, diz respeito aos recursos financeiros utilizados nas linhas de microcrédito do próprio BCD e como lastro da moeda social. Sua formação é oriunda de múltiplas fontes, designando diferentes lógicas econômicas, entre formas de contraprestação mercantil de serviços oriundos das taxas de juros e administração, aplicadas a certas operações financeiras, referindo-se a uma economia de troca ou uma economia mercantil, de um lado; e as diferentes formas de transferência direta de recursos (sem contraprestação financeira) oriundos de outras instituições públicas ou privadas, caracterizando um tipo de economia de subvenção ou economia não mercantil, de outro lado (FRANÇA FILHO, 2013).

diferentes fontes de recursos, configurando uma imbricação de distintas lógicas de operação econômica como fundamento da sustentabilidade. Neste sentido, os BCDs empregam, simultaneamente: a) práticas de uma lógica mercantil, quando os recursos originam-se de pagamento de serviços prestados; b) uma lógica não mercantil, quando os recursos originam- se de fontes públicas (governamentais ou não governamentais), através de transferência direta, característica de uma forma de subsidiariedade econômica; e c) uma lógica não monetária, quando os recursos não são financeiros e baseiam-se em diferentes mecanismos de solidariedade, como cooperação, ajuda mútua e distintas formas de doação voluntária (FRANÇA FILHO, 2013).

c) Economia Plural diz respeito às implicações na prática diária dos BCDs, de modo que sua operação, embora reconheça e participe da lógica mercantil, não ocupa a centralidade na dinâmica de funcionamento do BCD. A lógica do BCD é aquela que admite uma diversidade de princípios do comportamento econômico, operando na regulação de um determinado território, por meio dos serviços financeiros e não financeiros. Nesse sentido, não é apenas o mecanismo da troca mercantil que possui legitimidade para regular a oferta de bens e serviços. Para além desse mecanismo, são fundamentais a redistribuição e as variadas formas de solidariedade como princípios econômicos legítimos para satisfação das necessidades (FRANÇA FILHO, 2013).

d) Serviços Mercantis não Concorrenciais refere-se a uma lógica econômica não mercantil e não monetária, em que a competição, enquanto forma de desenvolvimento, não faz sentido e parece não se encontrar presente na prática dos BCDs, em razão da natureza redistributiva e solidária de suas ações. Uma vez que se organiza uma iniciativa de BCD em determinado território, o tipo de serviço realizado se vincula a uma demanda não atendida por outro tipo de instituição, bem como se trata do atendimento a um público que não encontra sua necessidade satisfeita por outro tipo de organização. Mesmo considerando que os BCDs participem de economias mercantis, suas prestações mercantis têm vocação a não serem concorrenciais, pelo fato de não ser possível sua realização por outro tipo de instituição que possa competir com os serviços de um BCD. Ou seja, apenas esse tipo de Banco encontra-se em condições, em razão da experiência adquirida e do seu enraizamento territorial, de realizar prestações mercantis enquanto atividade de finanças solidárias (FRANÇA FILHO, 2013).

Para França Filho (2013), serviços mercantis não concorrenciais dizem respeito a um tipo de serviço que é realizado em contra pagamento (por isso, a ideia de mercantil, ou seja, um serviço que se comercializa). Contudo, quando se trata de um serviço que só é realizado por um tipo de organização, com metodologia específica em que os critérios são

prioritariamente sociais, em razão de características envolvidas, pode considerá-lo não concorrenciais.

e) Mais-Valia Social diz respeito aos benefícios diretos e indiretos advindos da atuação de um BCD, em que se priorizam a geração de trabalho e a circulação da renda no próprio território. Na avaliação de tais benefícios, destaca-se a dimensão qualitativa de sua prática, como a contribuição para a formação e qualificação das pessoas, bem como para o fortalecimento do tecido social local, através de uma atualização de padrões de sociabilidade baseados na disseminação de valores como confiança, cooperação, reciprocidade e solidariedade. Dito de outro modo, ao invés dos BCDs acumularem capital financeiro, acumulam capital social (FRANÇA FILHO, 2013).

f) Utilidade Social – muito embora se busque o fortalecimento institucional dos BCDs, o principal saldo a ser mensurado e/ou percebido refere-se ao conjunto de pessoas e atividades que podem ser dinamizadas, sob diversas formas, num território. Importa esse resultado, ainda que ao final de um período o BCD não contabilize qualquer acúmulo de capital financeiro. Nesse sentido, o imperativo que impulsiona as ações de um BCD é a solidariedade e a cooperação para o desenvolvimento local; é essa condição que ratifica a utilidade social de um BCD, o que não quer dizer que viabilidade econômica não seja um objetivo a ser alcançado. No então, os BCDs se diferem das atividades econômicas no fato de sua existência e/ou continuidade não se justificar caso não se registre uma acumulação sobre o capital investido. Dito de outro modo, se um empreendimento não tem viabilidade econômica financeira não faz sentido a sua manutenção. Nesse sentido, a prática dos BCDs se aproxima daquela dos serviços públicos essenciais, que dada a sua relevância socioeconômica, pode ser mantido por meio de políticas públicas.

Assim, trabalhou-se com cinco dimensões que permitiram compreender o que vem a ser um BCD, como parte integrante das experiências de finanças solidárias. Importa agora apresentar, no capítulo seguinte, a experiência do Banco Comunitário de Desenvolvimento Ilhamar.

6. O BANCO COMUNITÁRIO DE MATARANDIBA: GÊNESE E