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2. APROXIMAÇÕES: DAS CONDIÇÕES DE POBREZA E DESIGUALDADE À EXCLUSÃO FINANCEIRA

2.5 O SISTEMA FINANCEIRO DO BRASIL

O sistema financeiro nacional foi concebido para funcionar por meio de instituições especializadas, com os bancos operando, fundamentalmente, através de operações de curto prazo, tais como capital de giro e descontos, com outras entidades, cuidando de financiamentos, investimentos, poupança e financiamentos imobiliários. O sistema evoluiu na busca de economias de escala e maior racionalização, gerando grandes conglomerados financeiros, os quais, frequentemente, têm bancos como instituições líderes. Esses conglomerados passaram a atender todas as modalidades de crédito e serviços previstos para as diversas instituições singulares.

Segundo o BCB (2010), a partir de 1988, o CMN, dentro de uma expectativa de economia de escala, permitiu aos bancos comerciais, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, sociedades de crédito imobiliário e sociedades de crédito, financiamento e investimento, a possibilidade de se organizarem em uma única instituição financeira, com personalidade jurídica própria, conhecida por banco múltiplo. Posteriormente, a integração econômica mundial, a estabilidade interna, a adesão brasileira às diretrizes internacionais, o processo de privatização e o saneamento das instituições financeiras levaram à elevação da concentração no sistema financeiro brasileiro.

Alguns bancos públicos surgiram com a finalidade de oferecer auxílio financeiro aos mais pobres, especialmente, no intuito de aquisição da casa própria. A Caixa Econômica Federal, por exemplo, exercia o papel de encorajar as famílias de baixa renda a destinar parte de sua renda à poupança, visando principalmente à moradia. No entanto, essa lógica tem perdido espaço para um modo de operação que homogeneíza os bancos a atuarem de forma

semelhante, tendo como fim último a rentabilidade das operações, o que termina por reproduzir a exclusão (SINGER, 2009).

No ínterim da globalização financeira, ocorreram mudanças no direcionamento das ações dos bancos. Os estudos de Dymski (2005) chamam a atenção para o aprofundamento da exclusão financeira, a partir da década de 1970. As mudanças do setor incitaram a constituição de grandes corporações bancárias multinacionais que disputam os clientes de alta renda. Esse movimento é caracterizado pela onda de fusões e aquisições de bancos, especialmente nos países do capitalismo central, que buscavam expandir sua atuação em outros países e continentes.

Esse movimento de fusões, aquisições e incorporações vem favorecendo a padronização global dos serviços e mecanismos de oferta e avaliação de crédito e outros produtos financeiros, o que acaba, também, por padronizar, no nível global, a própria exclusão financeira de pessoas e empreendimentos de diversas regiões do mundo (DYMSKI, 2005).

Antes das mudanças no direcionamento dos bancos, era possível perceber a existência de um maior número de pessoas utilizando serviços financeiros e bancários, através da oferta de bancos regionais. Estes adotavam mecanismos compensatórios, de modo que as taxas bancárias cobradas aos superavitários subsidiavam as menores taxas cobradas aos deficitários, fossem eles indivíduos ou empresas. Com a adoção de acordos internacionais, como o de Basileia, o critério passou a ser o menor risco, o que levou os bancos a não trabalharem com clientes que oferecessem risco à instituição bancária, portanto, ao sistema financeiro nacional (DYMSKI, 2005).

Contudo, a essa reestruturação coube, também, apontar modalidades de serviços financeiros e bancários direcionados a nichos de mercados caracterizados por certa vulnerabilidade social. Constituía-se, assim, em mais uma oportunidade de negócio, que fazia valer a máxima de que “os pobres têm pouco dinheiro, mas eles são muitos”.

É isso que Dymski (2005) quer salientar quando afirma que a parcela da população que, de um lado, é excluída financeiramente, do outro, é financeiramente ativa. Dito de outro modo, a ausência de participação no sistema bancário não impede que essas pessoas possam ter vida financeira, ainda que tais transações sejam, primordialmente, baseadas na utilização de “dinheiro vivo”.

Segundo esse autor, os serviços e produtos financeiros ofertados a clientes vivendo em condições de pobreza passaram, em certa medida, a ser oferecidos indiretamente por conglomerados financeiros por meio de organizações conhecidas como “financeiras”. Contudo, devido ao fato de tais clientes serem classificados como grupo de risco, esses

produtos e serviços são encarecidos por taxas de juros e de administração incompatíveis com sua renda, além de cláusulas vinculantes nos contratos para o caso de inadimplência, o que acaba por instituir uma nova forma de exploração aos mais pobres (DYMSKI, 2005).

Conforme destacado acima, essa modalidade de atuação de grandes bancos em territórios empobrecidos (vistos como nichos de mercado) tem contribuído para o aprofundamento da exclusão financeira e ampliado a desigualdade social, uma vez que a aplicação de taxas elevadas de juros, justificada pela lógica do risco, tem comprometido a renda das famílias e de coletividades inteiras, configurando uma situação de sobre- endividamento das famílias (DYMSKI, 2005).

A contradição está no fato de a aplicação de taxas e juros bancários para as classes sociais com alto poder aquisitivo não comprometer a sua riqueza, pois são proporcionalmente menores, enquanto, com as classes sociais mais pobres, ocorre o inverso, pois as taxas e juros que lhe são cobrados são inversamente proporcionais a dos mais ricos, o que compromete, de maneira significativa, a renda familiar dos menos favorecidos.

Se analisado o que esse fenômeno provoca às coletividades que vivem em territórios mais pobres, observa-se que, por meio dos pagamentos das taxas e juros bancários, volumes consideráveis de recursos são canalizados para operações bancárias em territórios economicamente mais rentáveis, ou seja, ocorre, em certa medida, um fluxo de transações financeiras dos pobres que subsidiam as dos mais ricos. Dessa forma, as consequências desse processo é o empobrecimento e o aprofundamento das desigualdades social e territorial (DYMSKI, 2005).