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5. BANCOS COMUNITÁRIOS DE DESENVOLVIMENTO: CONCEITO, CONTEXTO E CARACTERÍSTICAS

5.3 UM ENTENDIMENTO SOBRE O FUNCIONAMENTO E OS TIPOS DE AÇÕES DOS BCDs

5.3.2 MOBILIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO LOCAL COMO UM SERVIÇO

Além de serviços financeiros, os BCDs desenvolvem outras formas de cooperar para o desenvolvimento local, como a capacitação de pessoas para assumirem os processos de organização dos territórios onde atuam os Bancos – uma questão considerada indispensável. Nesse sentido, para além dos serviços financeiros, são realizados esforços abrangentes no intuito de contribuir com a atualização profissional e cidadã das pessoas do próprio território, usuárias dos serviços que se envolvem nas redes locais de economia solidária apoiadas pelos BCDs.

5.3.2.1 CURSOS DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO

Os cursos de capacitações voltados às pessoas do próprio território para atuar na dinâmica dos BCDs visam à autonomia e à emancipação dos envolvidos enquanto princípio da própria economia solidária (CUNHA, 2008). Esses processos de formação e capacitação

profissional, os quais passam a ocorrer nas comunidades por meio da ação do BCD, conta com um conjunto de parcerias institucionais, tomando a forma de assessorias, através de entidades de apoio vinculadas ao movimento de economia solidária (FRANÇA FILHO, 2006). Os temas dessas formações e capacitações compreendem desde aqueles voltados à formação política, participação e cidadania, até aqueles voltados à especialização das atividades desempenhadas. Tais processos utilizam práticas pedagógicas populares que permitem a construção conjunta dos conhecimentos e a aplicação coletiva das práticas, por meio de aulas, seminários, intercâmbios etc.

5.3.2.2 ACOMPANHAMENTO DE EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS SOLIDÁRIOS

O acompanhamento de empreendimentos econômicos solidários pelos BCDs ocorre a partir do vínculo criado com os empreendedores que utilizam as linhas de microcrédito, com a finalidade de produzir ou prestar algum tipo de serviço. O acompanhamento consiste em contribuir com a viabilidade econômica da atividade empreendida, trabalhando questões como utilização do crédito, uso da moeda social, articulação em rede, cálculo dos custos e despesas, educação financeira, entre outros temas que contribuem com o fortalecimento da economia local, visando ao desenvolvimento do território.

França Filho (2013) destaca que esse intento não é tarefa simples. Tal processo implica a formação de consultores populares vinculados aos BCDs que prestem esse tipo de serviço aos usuários do microcrédito, o que requer disponibilidade de recursos para investimento na formação e manutenção de profissionais dessa natureza. Além disso, tal objetivo pressupõe a elaboração de novas tecnologias sociais de gestão que se apliquem, efetivamente, à realidade da economia solidária e dos micro e pequenos negócios de base popular.

5.3.2.3 MOBILIZAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO DA COMUNIDADE

Trata-se da realização de processos formativos para todo e qualquer membro da comunidade que tenha algum tipo de contato com o BCD. Assim, podem ser realizados no momento de um simples atendimento no caixa, numa conversa com os agentes de crédito, na realização de um cadastro e, mesmo, através de uma campanha de comunicação. Esse processo tem a finalidade de fortalecer as relações sociais no território, especialmente entre as iniciativas do BCD e o público usuário, especialmente para o uso de novas metodologias,

como no caso das moedas sociais.

Os BCDs nesse processo de sensibilização buscam envolver a realização de atividades lúdicas de arte e cultura, além da utilização de diferentes meios de comunicação popular, tais como cartilhas, rádios comunitárias, cineclubes etc. Através desses suportes, a comunidade tem acesso a informações e práticas que estimulam uma cultura para vivência na economia solidária. “Os BCDs são também escolas de formação onde se aprende a ser cidadão de forma mais ativa, criando o que se convencionou chamar de capital social, ou seja, gente organizada, opinando e decidindo sobre o futuro da comunidade” (MELO NETO SEGUNDO; MAGALHÃES, 2006).

5.3.2.4 MOBILIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DE FÓRUNS LOCAIS

Os BCDs, no intuito de projetar sua ação sobre o espaço público local, desenvolvem modalidades não institucionalizadas de debate público, como são os casos dos Fóruns Econômicos Locais e/ou dos Fóruns de Desenvolvimento Comunitário. Ambos constituem espaços representativos da capacidade que alguns BCDs alcançaram num processo de interação abrangente com o território. Nesses espaços, discutem-se as condições de vida na comunidade, os seus principais dilemas e os caminhos a serem percorridos na direção do desenvolvimento local. Dessa forma, além de servirem para discutir questões básicas, como o acesso a serviços públicos, tais como educação, saúde e saneamento, esses espaços estimulam discussões a respeito da economia local, decidindo sobre os investimentos em novas atividades econômicas, novos serviços, além de adequações, quando necessárias, à política de crédito do próprio BCD.

“Estes Fóruns podem constituir-se como lócus (espaço) privilegiado de exercício e aprendizado de uma outra cultura política, mais democrática. É assim que podemos afirmar o caráter político-pedagógico da prática dos BCDs ao incentivarem a necessidade de tais espaços” (FRANÇA FILHO, 2013, p. 85).

Cabe apontar, ainda, que os Fóruns constituem espaços em que são exercitadas práticas de discussão pública sobre os problemas que influenciam a vida das pessoas em seus territórios, portanto, constituem um ato de participação política. É justamente essa dimensão política fomentada pelos BCDs que estão na base da sua possibilidade de mudança econômico-social (FRANÇA FILHO, 2013).

Conforme abordado no capítulo anterior, os BCDs estão imbricados em redes de solidariedade que envolvem trocas de natureza diversa, desde aquelas de simples compromisso político-associativo, até as trocas propriamente econômicas. Nelas, participam iniciativas associativas, políticas, culturais, produtivas e ambientais, que são desenvolvidas por empreendimentos individuais e coletivos, em diferentes âmbitos de atuação, como: consumo ético, finanças solidárias, tecnologias livres, comércio justo, grupos culturais, produção agroecológica e serviços locais, entre outros. Além disso, as redes admitem diferentes níveis de articulação com a economia local pré-existente ou já estabelecida (FRANÇA FILHO; CUNHA, 2009).

As redes locais de economia solidária se conectam com outras redes, a exemplo daquelas envolvendo cadeias produtivas e que vão além do seu próprio território. Nesses casos, ao induzir à constituição de circuitos próprios de comercialização e produção, tais redes criam uma nova modalidade de regulação econômica, o que supõe uma outra forma de funcionamento da economia (FRANÇA FILHO; CUNHA, 2009).

5.4 UM ENTENDIMENTO SOBRE A DINÂMICA DE GESTÃO DOS BCDs

Os BCDs são fruto de processos de amadurecimento da mobilização e organização dos territórios. Na base desse processo, se encontra o histórico de lutas, processos de formações, diversas tentativas de organização, êxitos e, também, fracassos. Nesse sentido, a decisão por criar um BCD em um determinado território é de responsabilidade da comunidade, que se torna gestora e proprietária do banco. O tipo de gestão envolvida nesses processos, por isso mesmo, se pretende baseado em relações justas, democráticas e solidárias (MELO NETO; MAGALHÃES, 2006; PASSOS, 2008; SILVA JR., 2007).

De acordo com Melo Neto e Magalhães (2006), a gestão comunitária nos BCDs é vista com o envolvimento de todos os moradores do território, já que “[...] engajar pessoas da própria comunidade nas atividades do BCD não é opcional, é essencial. Os comunitários devem estar em todos os níveis de gestão do banco: da gerência ao caixa, da diretoria da organização gestora ao corpo de associados” (MELO NETO; MAGALHÃES, 2006, p. 27).

Cabe salientar que os BCDs não constituem instancia jurídica própria, devido à inexistência de um marco legal que legitime a sua constituição. Estes são abrigados por entidades civis comunitárias de direito privado com registro no cadastro nacional de pessoa jurídica, sendo elas associações, sindicatos, ONGs. Tais entidades assumem um papel importante na gestão dos BCDs, constituído sua entidade gestora.

A prática da democracia direta (MELO NETO; MAGALHÃES, 2006), como de democracia local (FRANÇA FILHO, 2007), dizem respeito a uma das características fundamentais dos empreendimentos solidários, como forma de democratização dos processos decisórios (FRANÇA FILHO; LAVILLE, 2004). Nesse sentido, os BCDs estimulam o exercício de democracia nos territórios, na medida em que contribuem para a formulação da política de crédito, decidindo sobre valores dos créditos, taxas de juros, prazos de pagamento, finalidade das linhas de crédito etc.

Passos (2008) destaca um efetivo processo de autogestão, na medida em que há interferência de toda a comunidade na gestão do BCD. Assim, compreendendo a força da participação como princípio fundamental dos BCDs em suas diferentes formas, é possível identificar quatro instâncias em sua estrutura de gestão, a saber:

a) Conselho Gestor – formado por representantes de entidades da sociedade civil do território, representação de gestores públicos com atuação na área da economia popular e solidária, lideranças religiosas, representação de produtores e comerciantes locais. Essa instância reúne-se ordinariamente para avaliar e atualizar as ações estratégicas do BCD;

b) Entidade Gestora – organização da sociedade civil mais diretamente responsável pela gestão do banco, podendo ser uma organização/associação/OSCIP especialmente criada para este fim, uma associação de moradores, um sindicato de trabalhadores rurais ou urbanos, uma ONG, dentre outros. Essa entidade tem como atribuição abrigar e responder juridicamente pelo BCD, além de firmar convênios com instituições públicas e privadas;

c) Comitê de Avaliação de Crédito – constituído por um mínimo de cinco membros, geralmente os agentes/gerente de crédito, representante da entidade gestora, representante do conselho gestor e representante da comunidade. Esses membros têm a função de apreciar e avaliar as solicitações de crédito dos moradores, tendo por base as informações apresentadas pelo agente de crédito comunitário. Essas informações são recolhidas pelo agente de crédito durante o cadastro, pré-analise e a visita técnica ou consulta à vizinhança.

d) Agentes de Crédito/Agentes de Desenvolvimento – são responsáveis pela parte operacional do banco, como receber as solicitações de crédito, preencher as planilhas financeiras, realizar cobranças aos inadimplentes, acompanhar os tomadores e as trocas de moeda social.

Contudo, embora possam apresentar uma estrutura organizacional bem definida, não se percebe nos BCDs uma hierarquização dos cargos, mas, sim, uma organização destes a partir das funções e responsabilidades que cada cargo representa (MELO NETO; MAGALHÃES, 2006). É nesse sentido que esses autores afirmam que os BCDs

desempenham um importante papel na formação de lideranças locais, que passam atuar diretamente na gestão de uma organização que visa o desenvolvimento comunitário.

5.5 DA HIBRIDAÇÃO DE RECURSOS À UTILIDADE SOCIAL: UM ENTENDIMENTO