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6. O BANCO COMUNITÁRIO DE MATARANDIBA: GÊNESE E DESENVOLVIMENTO

6.1 OS CONTORNOS DA COMUNIDADE DE MATARANDIBA – VERA CRUZ/BA

Matarandiba é uma comunidade tradicional de pescadores e marisqueiras, com menos de 1000 (mil) habitantes, cuja população vive da renda gerada pela atividade da pesca artesanal e do extrativismo das suas áreas de manguezais, localizada na contracosta da Ilha de Itaparica, município de Vera Cruz/BA, pertencente à Região Metropolitana de Salvador. Embora faça parte do município de Vera Cruz, Matarandiba é uma ilha separada por um pequeno braço de mar.

Figura 07 – Mapa da Ilha de Matarandiba na Ilha de Itaparica

O município de Vera Cruz ocupa a maior parte do território da Ilha de Itaparica, 87%, sendo o distrito de Mar Grande a sua sede política e econômica (IBGE, 2010). O município possui 37.567 habitantes, dos quais apenas 16.536 fazem parte da PEA (População Economicamente Ativa) e 25,3% tem carteira profissional assinada, considerando que a maior parte dos postos de trabalho formal, 1.647, é ofertada pela Administração Pública, e 1.085 postos pelo setor de serviços (IBGE, 2010).

O município de Vera Cruz apresentou 7.415 famílias registradas no Cadastro Único em 2011, sendo 98,1% (7.274) famílias com renda per capita mensal de até ½ salário mínimo (SM). Essa quantidade de famílias representa, considerando-se quatro membros por família, 77,5% da população total do município. Nesse contexto, no ano de 2011, 6.033 famílias ou 82,9% das famílias com renda abaixo de ½ SM, constantes do Cadastro Único, foram beneficiadas pelo Programa Bolsa Família (PBF) (IBGE, 2010; Dados SUAS/MDS, 2011).

Mesmo estando, apenas, a cerca de uma hora de Salvador, a capital baiana (via ferry boat), o município de Vera Cruz apresenta dados bastante discrepantes. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Vera Cruz é de 0,704, menor que o de Salvador (0,805), no mesmo período (PNUD, 2000). O índice Gini de Vera Cruz é de 0,5787, menor que o de Salvador (0,6449), no mesmo período (IBGE, 2010), o que significa um maior nível de desigualdade em um município muito próximo à capital.

Matarandiba, como tantas outras comunidades do município de Vera Cruz, se insere nesse contexto apresentado, acumulando um conjunto de déficits no plano educacional, econômico, político e social, que a torna um desses territórios claramente marcados pela presença de índices significativos de pobreza.

De acordo com os relatórios do Projeto Ecosmar (2008), não existem muitos relatos escritos que ajudam a contar a origem da comunidade. Segundo relatos orais de moradores, constantes no Projeto Ecosmar (2008), Matarandiba era uma pequena vila de trabalhadores rurais e pescadores, cujas habitações eram bastante simples, sem acesso a serviços de água encanada e energia elétrica. Naquele período, o principal meio de transporte eram embarcações (os navios João das Botas e Visconde de Cairu), que levavam mercadorias e transportavam pessoa para as cidades de Salvador, Nazaré e Jaguaripe.

Outro aspecto que se deve destacar diz respeito ao número de festividades e manifestações culturais, entre populares e religiosas, que ocorriam em Matarandiba, tais como: Zé de Vale, Sambas de Roda, Aruê, Festa de Iemanjá, Terno das Flores, Festa de São Gonçalo, Boi Janeiro, Festa do padroeiro Santo Amaro, Lavagem do Cruzeiro e a Lavagem da Fonte (PROJETO ECOSMAR, 2008).

Esse modo de vida começou a ser alterado a partir da segunda metade da década de 70, quando a indústria química descobriu grandes jazidas de sal-gema no subsolo do município de Vera Cruz. No ano de 1977, a The Dow Chemical Company (Dow) – companhia do ramo da indústria química, uma multinacional com sede nos Estados Unidos (EUA), deu início à exploração do mineral, instalando sua unidade de mineração nas imediações da comunidade de Matarandiba. A empresa Dow adquiriu o direito de lavra subterrânea do minério e comprou cerca de 90% das terras da Ilha de Matarandiba.

Alguns fatos marcaram a chegada da Dow na comunidade, a saber:

- Compra das terras que eram utilizadas pelos moradores para diversas atividades de subsistência (caça, agricultura, extrativismo etc.);

- Proibição de acesso e uso das áreas que foram adquiridas pela Dow, o que ocasionou uma limitação para construção de novas residências e para a atividade agrícola;

- Construção de uma guarita na entrada da comunidade, às margens da BA-001, que identificava os moradores na saída e entrada;

- Uso de crachá de identificação dos moradores expedido pela Dow – utilizado até o final da década de 80;

- Aterramento de um canal de mar, cerca de 300 metros, que separava a ilha de Matarandiba da Ilha de Itaparica – os impactos ambientais desse aterro nunca foram medidos; Muito embora diversas consequências tenham sido apontadas pelos moradores, a chegada da Dow trouxe melhorias de infraestrutura, tais como transporte, que passou a ser terrestre, apoio às escolas locais e aos serviços de saúde, e acesso à energia elétrica e água encanada (PROJETO ECOSMAR, 2008).

Atualmente, as condições de infraestrutura de Matarandiba revelaram, no ano da pesquisa (2008), que 86,7% dos moradores possuem água encanada e 99,2%, energia elétrica em suas residências; já os serviços de comunicação e transporte são precários. Apenas 31,6% das residências possuíam telefone fixo, enquanto 50% têm, ao menos, um aparelho celular, havendo poucos telefones públicos para uso dos moradores (PROJETO ECOSMAR, 2008).

No que diz respeito aos serviços de transporte, a situação, também, se mostra precária, uma vez que a oferta é realizada por apenas um micro-ônibus, que faz o deslocamento três vezes ao dia para saídas e chegadas.

Os serviços de educação são oferecidos por duas escolas públicas – a Escola Hilton Rodrigues e a Escola Juvenal Galvão –, com turmas de 2ª a 5ª serie. A continuação dos estudos é realizada fora da comunidade, no centro do município, o que se reflete no nível educacional da população de Matarandiba, em que apenas14% da população têm 2º grau

completo (PROJETO ECOSMAR, 2008).

Os serviços de saúde são oferecidos por um posto municipal na comunidade que conta, diariamente, com uma auxiliar de enfermagem e, uma vez por semana, um médico, enquanto os atendimentos de maior complexidade são realizados na sede do município ou em Salvador. Matarandiba contava, ainda, com um posto de atendimento odontológico financiado pela Dow e operado pelo Serviço Social da Indústria (SESI), mas teve suas atividades encerradas em 2013.

Como Matarandiba está localizada numa área de turismo e este ocorre, principalmente, durante os meses de dezembro a março, a ocupação em postos de trabalho, nesse período, é vinculada a serviços domésticos, guias, além de biscates e comércios temporários, como forma de complementação da renda familiar. Uma vez que a renda per capita mensal de sua população é de R$ 167,75, 37,5% das pessoas recorrem a fontes de renda alternativas e programas sociais do governo (PROJETO ECOSMAR, 2008).

Embora se trate de uma comunidade de pescadores e marisqueiras, nota-se que apenas 15% das famílias dependem exclusivamente dessa atividade, apesar de a atividade ser praticada por um público maior como forma de complementação da renda (PROJETO ECOSMAR, 2008).

A atividade econômica é pouco desenvolvida; no caso da atividade comercial, esta é feita basicamente por mercadinhos, caixeiros e bodegas. Diante dessa realidade, 52,2% dos moradores realizam todas ou a maior parte das suas compras fora da comunidade, principalmente, devido aos altos preços (50,7%), à falta de produtos necessários (32,4%) e à ausência de meios de pagamento, como cartão de crédito (PROJETO ECOSMAR, 2008). A produção se restringe ao extrativismo do mar e do mangue, além de alguns cultivos agrícolas e produção doméstica. Os serviços se limitam à hospedagem, aos salões de beleza, ao transporte e a serviços de lazer e entretenimento, como locação filmes, acesso a internet e jogos (PROJETO ECOSMAR, 2008).