• Nenhum resultado encontrado

4. FINANÇAS SOLIDÁRIAS: ENTRE A COMPLEMENTARIEDADE E A CONSTRUÇÃO DE ALTERNATIVAS

4.3 AS ALTERNATIVAS DAS FINANÇAS SOLIDÁRIAS

4.3.2 MICROFINANÇAS E MICROCRÉDITO

Existem diversas formas de conceituar o microcrédito e as microfinanças, ou seja, desde aquelas que tratam esses conceitos como sinônimos, com sutis diferenças, e aquelas que fazem questão de apontar diferenças relevantes. Coelho (2003; 2006) e outros pesquisadores brasileiros, como Parente (2002) e Alves e Soares (2006), sugerem que as microfinanças dizem respeito à provisão de serviços financeiros voltados para os pobres, lidando com depósitos e empréstimos de pequena monta, independentemente da possível destinação do crédito tomado, e utilizando produtos, processos e gestão diferenciados.

Nesse sentido, o presente trabalho reforça a separação entre o crédito oferecido sem destinação específica – portanto, envolvendo o crédito para consumo – e aquele que se destina a pequenos negócios, formais ou informais, com potencial gerador de trabalho e renda, e que, segundo Soares e Melo Sobrinho (2008), reflete o entendimento de formuladores de políticas dentro do Governo Brasileiro (principalmente Ministério da Fazenda e Ministério do Trabalho e Emprego) e o consenso de especialistas do Banco Mundial.

O termo microfinanças, portanto, refere-se à prestação de serviços financeiros adequados às populações de baixa renda, historicamente excluídas do sistema financeiro tradicional. Nessa linha, entidades ou instituições de microfinanças são entendidas como aquelas pertencentes ao mercado microfinanceiro, especializadas em prestar esse tipo de serviço à população carente, e constituídas na forma de Organizações Não-Governamentais

(ONGs), Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), cooperativas de crédito, Sociedades de Crédito ao Microempreendedor e à Empresa de Pequeno Porte (SCMs), fundos públicos, além de bancos comerciais públicos e privados (principalmente por meio de correspondentes no país e de carteiras especializadas) (SOARES; MELO SOBRINHO, 2008).

De acordo com Barone et al. (2002), as instituições de microfinanças no Brasil só vieram aparecer mais fortemente, como um segmento importante da economia, na segunda metade da década de 90, na ocasião em que o Plano Real promoveu um controle da inflação e estabilizou a economia brasileira.

Kumar (2004) aponta dois aspectos fundamentais que favoreceram o crescimento das microfinanças brasileiras. O primeiro está relacionado às mudanças no marco jurídico e forte atuação do governo na promoção de diversas mudanças legais e regulamentares, tais como os novos formatos institucionais, entre eles: as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs); as Sociedades de Crédito ao Microempreendedor e à Empresas de Pequeno Porte (SCMEPPs); e a criação da Lei nº 11.110, de 25 de abril de 2005, que institui a Política Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), visando a expandir e flexibilizar o acesso a recursos. Antes de 1999, as microfinanças no Brasil eram operadas apenas por Organizações Não-Governamentais (ONGs), sem fins lucrativos, restringindo o seu financiamento através de doações e limitando as práticas de empréstimo e taxas de juros sob a Lei de Usura do Brasil. O outro aspecto se refere a programas de microcrédito de larga escala, tais como o programa CrediAmigo e AgroAmigo, do Banco do Nordeste.

Coelho (2003) entende que o problema das microfinanças, embora tenha surgido como proposta de democratização do sistema financeiro, acabou se limitando a sistemas de pequenos créditos. Abramovay (2003, p.2) complementa sobre essa limitação ao microcrédito, ao afirmar que “o acesso ao crédito raramente se acompanha da possibilidade de uso do conjunto de serviços que o sistema bancário tem a vocação de oferecer”.

No que diz respeito ao microcrédito, Servet (2009) destaca que, no âmbito internacional, sua difusão foi bastante beneficiada pelas cúpulas do microcrédito e por sua reduplicação nos níveis continentais e nacionais, com o apoio do Banco Mundial. O primeiro encontro ocorreu em Washington, em 1997; e 2005 foi declarado ano mundial do microcrédito pela Organização das Nações Unidas. O último encontro ocorreu em 2006 no Canadá, que definiu a meta de atingir 100 milhões de pobres e propôs novos objetivos para as campanhas de mobilização em torno do microcrédito.

O termo microcrédito designa empréstimos de pequeno valor concedidos a grupos de pessoas solidárias, ou a tomadores de empréstimos individuais, por instituições que podem ser organizações não-governamentais, bancos ou programas públicos. O público-alvo manifesto dos programas de microcrédito é constituído de pessoas ou grupos que detenham baixa renda ou sofram discriminações sociais e culturais. Em países onde vastos segmentos da população tenham sofrido um empobrecimento acentuado (por exemplo, Argentina ou Estados da Europa Central e Oriental), o microcrédito destina-se amplamente aos “novos pobres” das camadas instruídas. Nos países “em desenvolvimento”, a maior parte da população encontra-se em situação de exclusão financeira e constitui clientela potencial do microcrédito. Nos países “desenvolvidos”, onde o número de assalariados é dominante, o microcrédito destina-se a uma proporção limitada dos trabalhadores, e o autoemprego não passa de uma solução limitada à questão do desemprego e dos trabalhadores pobres (SERVET, 2009, p. 243).

Servet (2009) complementa que o microcrédito na perspectiva neoliberal constituiu um estímulo ao trabalho via autoemprego e como um meio para superar as políticas de auxílio aos desempregados e às pessoas desfavorecidas. Esses auxílios constituiriam despesas sociais passivas, enquanto o apoio dado sob forma de microempréstimos diz respeito às despesas sociais ativas, sendo mais eficaz ao desenvolvimento econômico local.

Segundo Barone et al. (2002), o microcrédito passou a ser implantado no Brasil nos anos 80, havendo hoje uma gama de modelos e metodologias. Dentre as experiências brasileiras, destacam-se: Programa UNO, Centro de Apoio ao Pequeno Empreendedor (CEAPE), Banco da Mulher, Portosol, Vivacred (Viva Rio), Programa CrediAmigo do Banco do Nordeste (BNB), Crédito Produtivo Popular do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), Caixa Econômica Federal e Banco do Povo (estaduais).

Apesar de não existir consenso acerca da definição de microcrédito, há iniciativas que, ao buscarem estabelecer as melhores práticas de regulação da atividade, fornecem parâmetros para uma definição internacional. Nesse sentido, o guia de princípios da Associação dos Supervisores Bancários das Américas (ASBA) entende microcrédito como crédito de pequena quantia, concedido a pessoas com negócio próprio, de pequena escala, e que será pago, fundamentalmente, com o produto da venda de bens e serviços oriundo desse negócio. Além disso, segundo essa definição, o microcrédito é outorgado com metodologias creditícias de intenso contato com o tomador para avaliar sua vontade e capacidade de pagamento (BCB, 2010).

Dentro do que se pode chamar de movimento microfinanceiro, segundo Muñoz (2007), existem dois enfoques predominantes: o primeiro é denominado de minimalista, e o

segundo de welfarista ou integral. As diferenças principais se referem ao aspecto que priorizam: sustentabilidade financeira, alcance ou impacto.

O primeiro enfoque, representado por atores como o Grupo Consultivo de Assistência aos mais Pobres (CGAP), Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), ACCION Internacional e a Universidade do Estado de Ohio, entre outros, sustenta que a população objetivo das microfinanças são “os mais pobres dos pobres”, preconiza a especialização financeira ofertando todo tipo de serviços financeiros e enfatiza a sustentabilidade financeira; o alcance está dado pela escala. O segundo enfoque, representado pela Cúpula do Microcrédito e M.Yunus (Gramem Bank), prioriza o impacto nos mais pobres, deixando em segundo plano a sustentabilidade financeira e dando ênfase ao alívio da pobreza e à oferta de microcrédito junto com outros serviços não-financeiros (cursos, capacitações, saneamento básico etc.) (MUÑOZ, 2007, p. 46).

O Grameen Bank de Bangladesh está entre as experiências mais conhecidas no mundo, considerado entre as primeiras organizações a operar um tipo de microcrédito que articula outros tipos de serviços conjugados, entre eles o acompanhamento aos tomadores. No entanto, cabe destacar outras iniciativas, tais como a Opportunity International, organização sem fins lucrativos, de origem cristã, que começou a dar pequenos empréstimos na Colômbia, já em 1971, e a organização não-governamental Accion International que ofereceu seus primeiros créditos em 1973, no Brasil. O Grameen Bank atingiu cerca de quatro milhões de tomadores de empréstimos; a experiência indonesiana National Family Planning Coordinating Board alcançou 5,2 milhões de tomadores; o programa da Nabard, na Índia, com 24 milhões de membros organizados em grupos de ajuda mútua, utiliza os serviços de poupança; e o BRI, banco “popular” indonésio, chegou a organizar 28 milhões de poupadores. O entendimento de Servet (2009) é de que, na verdade, a eficácia do microcrédito revela-se limitada, principalmente porque esses créditos são outorgados em curto prazo e a rentabilidade do capital dessas unidades de produção apoiadas é restrita. Dessa forma, a concessão de crédito não é suficiente para que se desenvolva o microempreendedorismo.

França Filho (2013) aponta outra distinção em relação àquela noção de finanças solidárias, distinguindo-a radicalmente das práticas de microcrédito convencionais. Para o autor, a principal diferença, reside no “lugar” que ocupa cada uma dessas práticas no contexto da dinâmica societária. Enquanto o microcrédito convencional representa um nicho mercadológico dentro do sistema financeiro formal, as finanças solidárias ocupam um espaço que não é de mercado (ou de economia de mercado).

solidariedade, o microcrédito deve contribuir para superação da exclusão financeira. Nesse campo, a eficácia das práticas de poupança e seguro, de transferências e de garantia de devolução é, na maioria das vezes, maior, principalmente quando voltada às populações que não têm acesso a serviços financeiros convencionais. Além do microcrédito, outros serviços financeiros mostram-se indispensáveis ao próprio desenvolvimento local. Por esse motivo, as necessidades podem ser definidas pelas próprias populações, buscando-se enfatizar a formação, mas, também, a microsseguridade e a proteção social dos bens e das pessoas, conclui SERVET (2009).