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HIERARQUIA SITUACIONAL: trânsitos de funções e fluidez nas lideranças

CAPÍTULO 2 PROCESSOS ARTÍSTICOS EM COLABORAÇÃO E RELAÇÕES DE

2.2 HIERARQUIA SITUACIONAL: trânsitos de funções e fluidez nas lideranças

Ao começarmos esta discussão, é preciso dizer que o termo hierarquia situacional trata de uma proposta que venho desenvolvendo principalmente no campo dos processos criativos e pedagógicos em Dança. Trata de reconhecer nos processos artísticos colaborativos, duas questões: a possibilidade dos integrantes de um coletivo circularem por diferentes funções e responderem, em cada caso, por demandas específicas que confluem com a função desenvolvida; e a fluidez de lideranças que ocorrem, por exemplo, quando estamos discutindo ou investigando determinado aspecto da criação e há alternâncias de lideranças em termos de proposição e de encaminhamentos. Sendo assim, é necessário fazer uma distinção da perspectiva de Liderança Situacional62 que emerge no campo empresarial, proposta que está mais atrelada a uma perspectiva mercadológica e de produtividade.

Retomemos nossa questão com algumas das características mais proeminentes das novas estruturas de coletividades artísticas e que, de certa maneira, delimitam nosso olhar acerca dos processos colaborativos na Dança e no Teatro e que dizem respeito ao modo como esses artistas articulam-se em funções e delimitam lugares de responsabilidades em relação à construção desse ambiente comum.

É preciso refletir sobre o fato de que os artistas que se autodominaram integrantes de um grupo apresentam estruturas mais rígidas, ou pelo menos, mais estáveis. No caso do Dimenti, como já vem sendo relatado, havia um diretor de criação e uma diretora de produção que mantinham suas posições/funções em relação ao grupo e delimitavam o que seria desenvolvido, não de forma arbitrária e sem conversa, mas, via de regra, eram essas figuras as responsáveis pela escrita de projetos, direção de cenas e gestão financeira. Já no caso do Alvenaria, houve uma transição de um momento onde o diretor tinha um papel mais determinante, mas que foi se diluindo na medida em que os demais integrantes desenvolviam autonomia para propor ideias e se fazerem presentes na produção dos projetos.

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Termo proposto pelos norteamericanos Paul Hersey e Kenneth Blanchard em seu livro Psicologia para Administradores: A Teoria e as Técnicas da Liderança Situacional. Trata de uma teoria sobre a liderança que sugere que o mais importante é adaptar o estilo de liderança de cada um à situação em causa. Ou seja, um bom líder não se utiliza apenas de um estilo de liderança, deve moldar sua maneira de liderar de acordo com cada contexto.

112 É extremamente relevante reforçarmos que todo discurso é carregado de uma ideologia. Logo, a palavra proferida ou escrita tem poder. Queremos dizer com isso que a escolha de nomear grupo, núcleo ou coletivo revela perspectivas ideológicas de como os integrantes compreendem o encontro entre eles. Não é à toa que os dois grupos observados nesta pesquisa mantinham relações mais centralizadas, como aponta Lia Lordelo, ex- integrante do Dimenti:

Meu grupo passou por várias etapas de organização da produção e gestão, à medida que as necessidades e anseios se complexificavam, e também ao passo que os mecanismos de financiamento da cultura no Estado se desenvolviam. Sempre trabalhamos com uma estrutura minimamente colaborativa – em especial no que tangia às tarefas de produção mais simples, logística de viagem, revezamento de tarefas na desmontagem e montagem, arrumação de cenários etc. No meio de sua vida útil, passamos a colaborar mais na produção, por um apelo e reflexão que passavam pela diretora de produção e diretor artístico; mas as diferenças no grau de dedicação geraram diferentes modelos de mensuração do trabalho e, consequentemente, remuneração dentro do grupo. Dentro de todo o espírito colaborativo, as funções e direção de produção e criação sempre estiveram resguardadas, bem como as responsabilidades que vinham com tais funções (Lia Lordelo, 2018).

Apesar disso, Jorge Alencar (2018) enfatiza que em sua perspectiva “O fato de haver pessoas assumindo cargos de direção - de produção e artística - demarcava instâncias hierárquicas. No entanto, tais funções eram exercidas com responsabilidade e fora de qualquer enquadramento autoritário e de dominação”. No entanto, quando observamos a fala de Fábio Osório sobre esta questão, podemos perceber que sim, haviam espaços de discussão, mas também havia uma assinatura forte e um poder de decisão que cabia sempre a Jorge:

Jorge sempre dirigiu, era quem assinava as criações, embora ele de fato tem uma assinatura muito forte do tipo de criação dele, da forma que ele organiza a composição da cena, a gente tinha muita abertura pra propor, pra modificar, pra questionar, pra tudo isso, a gente colaborava. Sempre foi tudo muito colaborativo, mas a assinatura no final das contas era e sempre foi de Jorge. Jorge que dirigiu os trabalhos, a gente dá pitaco, a gente comenta, a gente interfere, a gente questiona, a gente... pode até discordar em algum momento, mas a assinatura era sempre de Jorge. [...] E em produção, sempre foi Ellen, fazendo a direção de produção, eu como essa segunda pessoa e, durante um tempo, teve a figura de Daniel Moura, que ficou com essa produção executiva, uma pessoa que chegou mais perto de Ellen (Fábio Osório, 2018).

113 Esta divergência de pensamento é realmente um problema que enfrentamos, frequentemente, quando lidamos com processos colaborativos. Muitas vezes, por mais que haja o esforço de quem está como mediador do processo, de tornar as relações mais flexíveis e horizontalizadas, escorregamos quando esquecemos que, ainda assim, a hierarquia e o poder se revelam nas práticas colaborativas. Pois, os corpos/ as pessoas já são materialidades bipolíticas. Seus hábitos, desejos e decisões são realidades constituídas bipoliticamente. Se há funções distintas, por mais que ocorram discussões coletivas sobre os vários aspectos da criação (luz, cenário, propostas de investigação, produção etc.), ainda assim, o poder de decisão é de quem ocupa determinadas funções. A pergunta é: em que medida, de fato, as escolhas são compartilhadas e como se dão as decisões específicas de cada função? Será que agrupamentos com características mais fluidas são estratégias mais eficazes de sobrevivência em um contexto biopolítico? Ou não?

Quando observamos o percurso dos grupos Alvenaria e Dimenti e as transformações que ocorreram nestes percursos, observamos que o primeiro, antes de terminar, reconheceu a necessidade de promover um ambiente mais democrático nas proposições que envolviam o grupo; o segundo passou por um processo de se desfazer enquanto grupo e se reorganizar, com outros integrantes, enquanto uma plataforma mais ampla de criação e produção que leva o mesmo nome, mas sem a definição de grupo. Será que estas transformações revelam, de certo modo, a tendência a se enquadrar em um novo modelo? Os modos de organização mais maleáveis, com hierarquias situacionais e alternâncias de lideranças, são contradispositivos ou são ajustamentos ao biopoder?

No Grupo Alvenaria, esta crise entre subverter e se submeter às lógicas do poder é bem evidente. A diluição do papel do diretor centrado na figura de Daniel Guerra foi sentida e é reconhecida pelos demais integrantes. No entanto, ele continuava assinando as obras como diretor, o que gerava conflitos não superados, no sentido de que eles colocaram em crise a forma clássica que prevê um diretor e um grupo de intérpretes. Mas, apesar de terem chegado a lugares importantes nessa crise, eles não deixaram de manter a estrutura nas fichas técnicas. Na montagem do espetáculo Fogueira63, que foi proposto por uma das

integrantes, houve a primeira crise em relação ao papel de Daniel Guerra. Naquele momento, havia um desejo das mulheres do grupo em falarem sobre suas questões e, a

63 Espetáculo criado pelas 04 mulheres do grupo. Era um ritual cênico todo improvisado que acontecia em roda

e Daniel Guerra ficava entre o público e a cena, tocando alguns instrumentos e mantendo uma pulsação sonora. É uma ressignificação daquele fogo que condenava o feminino à mudez, transformando-o agora num aliado para a purificação que se dá através da expressividade do corpo e da voz.

114 direção de um homem, pareceu não satisfazer os anseios delas. Essa crise perdurou ainda no trabalho seguinte como relata Raiça Bomfim. Nos primeiros trabalhos do grupo, Daniel tinha uma mão mais forte de diretor; a ideia era dele e a posição era mais definida entre quem dirigia e quem encenava. Nos trabalhos seguintes, na medida em que o grupo foi ganhando autonomia para falar, propor e questionar as coisas, foram se modificando. Entretanto, Daniel era e continua sendo, por formação e atuação artística, diretor e não performer ou ator. Assim sendo, qual seria o lugar dele senão fosse dirigindo o grupo? Essa era uma questão que todos se perguntavam. Ele reflete, da seguinte forma, sobre este momento: “Eu percebi que ficar de „fora‟ do espetáculo não condizia com o que a realidade necessitava em Fogueira, por exemplo, que foi a primeira vez que eu realmente estava em cena, ficava tocando uma coisa vestido de Ekedi. Ekedi das meninas, né? Porque eram quatro mulheres” (Daniel Guerra, 2018);

[...] eu comecei a ficar um pouco perdido inclusive em termos metodológicos, em termos de como tomar decisões, como se faz para o espetáculo se formatar desta maneira para que todos tenham seu poder de criação, legítimo e igual, então eu comecei a ver o que um diretor poderia fazer nessa conjuntura. Então eu deixei de ser aquele que vai formatar tudo no final, pra ser um provocador. Pra ser alguém que servia de conexão entre as vontades e os acontecimentos (Daniel Guerra, 2018).

Ele conta ainda, que escreveu um texto na época refletindo sobre a máscara do diretor. Ele reconhece que, nos primeiros trabalhos, ele usou a máscara de diretor. Em Fogueira ele era uma ekedi64 das mulheres na cena; em Butô de bêbado não tem dono65, ele assumia o papel de garçom que ficava no bar, de óculos escuros, vendo tudo. Uma sátira ao próprio papel de diretor.

Por outro lado, os núcleos e coletivos traziam, como principal característica, o fato de haver uma diversidade de proposições e propositores. Nos projetos desenvolvidos, os integrantes podiam ocupar diferentes funções; nem sempre os projetos envolviam todos participantes; havia abertura para parcerias artísticas com outros artistas que não faziam parte do coletivo; os integrantes eram corresponsáveis pelas criações e pela manutenção da

64 Palavra originária do movimento da diáspora africana e das religiões afrobrasileiras. É um cargo muito

importante das mulheres no candomblé: “zeladora dos orixás”. Nos rituais é a pessoa responsável por cuidar dos santos incorporados. Nas entrevistas, em anexo, podemos perceber que o próprio Daniel Guerra se refere ao seu papel no trabalho Fogueira como ekedi das mulheres. Entretanto, gostaria de frisar que no contexto do candomblé, o equivalente à ekedi para os homens seria ogã.

65 A obra foi criada para ser apresentada dentro de um bar. Nela personagens se misturam com os clientes do

115 coletividade; cada artista decidia o projeto que desejava propor, como desejava participar e se desejava desenvolver este projeto dentro do coletivo. O conjunto dessas características delimita o que aqui estamos chamando de hierarquia situacional.

A hierarquia situacional se configura sempre de maneira contextual, o que implica dizer que é transitória, pois tem a ver com a função que cada integrante desenvolve em um determinado projeto. Há uma descentralização do poder em dois aspectos: as funções são móveis, logo mudam também as relações de poder; em processos colaborativos há uma ênfase no exercício da democracia, o que implica em escuta e diálogo e não em decisões arbitrárias. Vejamos o que nos fala Jorge Oliveira sobre como esta questão se dava no Núcleo VAGAPARA:

Como tínhamos a liberdade de transitar entre as propostas, assim como podíamos agregar qualquer outro artista que não necessariamente integrava o núcleo, as funções se alternavam a depender da demanda acordada de cada projeto envolvido. A relação de poder e hierarquia assim como tudo no processo estavam sempre em negociação (Jorge Oliveira, 2018).

A flexibilidade, recorrente nesse modo de organização, longe de ser uma tarefa simples e harmônica, pode gerar problemas como, por exemplo, a distribuição do trabalho em níveis desiguais e comprometimentos distintos com as questões que envolvem o coletivo. Tal problemática é bastante familiar entre os artistas e faz parte do cotidiano dos que trabalham em colaboração, como podemos observar na entrevista de Gustavo Bitencourt. Ele relata que poucos projetos do Couve-flor envolveram todos os integrantes. Quando tinham todos os integrantes no projeto, eles assumiam funções e atividades distintas. Um dava oficina, outros mostravam um vídeo, alguns queriam fazer uma performance etc. Então, nessa distribuição, no início, eles assumiam a ideia de que eram todos artistas-produtores. A ideia era pensar a produção como parte da criação artística. Só que na prática isso nem sempre foi possível, porque no coletivo tinham Ricardo Marinelli e Cândida Monte que gostavam de produzir, mas os outros não. Então, para os que não gostavam acabava se tornando uma atividade pesada e maçante.

Ainda sobre o Couve-flor, Princesa Ricardo Marinelli descreve algumas mudanças de entendimentos nos acordos do coletivo que orientavam a distribuição de trabalhos. Ele relata que, no início, as funções eram distribuídas a partir das zonas de interesses e competências. No entanto, este acordo que fixa o especialista que responde por cada demanda, gera

116 desequilíbrio. E então, começam a gerar problemas que são de ordem relacional, econômica e ética:

Quando o volume de trabalho começou a ficar grande, quando a gente começou a ter bastante coisa para administrar, aí a gente teve que reestabelecer essas estratégias de quem é que faz o que. A gente testou diversas configurações. [...] Isso coletivamente não é fácil fazer, você começar a de fato olhar para cada um dos trabalhos que estão sendo executados, estabelecer um valor para cada um desses trabalhos, e aí negociar quem vai fazer o que, é sempre muito delicado e não adianta a gente querer dizer que não, quanto mais dinheiro a gente tem envolvido mais delicado vai ficando. Porque aí tem um monte de outras coisas que começam a ficar, começam a aparecer. Mas, eu diria assim, essa coisa da distribuição das funções só passou a ser uma questão pra gente quando não dava mais. Quando sei lá, quando tinha muita coisa para uma pessoa fazer e muita pouca coisa para outra pessoa fazer. Foi bem isso (Ricardo Marinelli, 2018).

A fala acima revela como se deu os acordos em temporalidades distintas do percurso do Couve-flor, no que se refere à realização dos projetos. No entanto, quando se estabelece um coletivo existem algumas questões que são de uma ordem mais ampla e que se referem à própria existência do coletivo para além dos projetos específicos. No caso do Couve-flor, havia ainda um diferencial em relação aos demais entrevistados que era o fato deles terem mantido, durante alguns anos, uma casa sede que se chamava Cafofo. Quando questionada sobre como eles lidavam com a manutenção da casa e o caixa coletivo, por exemplo, Princesa Ricardo responde da seguinte maneira:

Tinha lá uma sala no Cafofo um arquivo onde a gente ia colocando, sei lá, chegava conta de luz, bota ali naquele negócio. A ideia era de que qualquer um poderia fazer tudo. Eu poderia tomar a iniciativa de ir lá, no dia 10 e pagar todas as contas. [...] Só que começou a ficar claro que ou eram sempre as mesmas pessoas que estavam fazendo. Ou se as pessoas não faziam a conta ficava lá, né? A gente só percebia quando a luz cortava. Aí a gente decidiu pagar um de nós. Alguém que estava precisando de grana, que não estava em um momento massa, ia ter ali uma graninha pra essa pessoa cuidar dessas burocracias mínimas de manutenção do espaço. Daí funcionou durante algum tempo, mas aí chegou uma hora também que a gente percebeu que não era saudável pra ninguém. [...] Se essa pessoa era Michele, começou a rolar assim, umas cobranças do tipo: a faxineira não veio essa semana. Aí era culpa da Michele, sabe assim? Começou a centralizar em um de nós e não era nenhum pouco saudável para a nossa relação nos projetos, na vida. Aí a gente falou: bom, então vamos contratar uma pessoa. Aí nos últimos três anos de Cafofo a gente teve uma pessoa, que na verdade era a pessoa [...] a gente podia ficar um pouco mais tranquilos pra conversar com ela sobre a faxineira não veio essa semana, porque daí não era um de nós (Ricardo Marinelli, 2018).

117 A estratégia dos integrantes do Couve-flor para lidar com a dificuldade de gerir um espaço comum remete a uma ideia bastante recorrente no capitalismo contemporâneo: a terceirização de serviços. Isso também era percebido no VAGAPARA quando contratávamos um produtor ou um contador para cuidar da gestão financeira de algum determinado projeto. A ilusão de que todos farão tudo e de que haverá em uma organização mais des-hierarquizada onde ninguém delega funções e, ao mesmo tempo equilibrada em termos de distribuição de trabalho, também é assunto do TeiaMUV:

Mas de um modo geral a figura de Milianie era muito importante, ela não só teve a ideia de juntar nós cinco como era a mais ativa em termos de produção. Normalmente, no início, eu e Mili escrevíamos os projetos, criávamos os argumentos e elaborávamos as estratégias de ação, mas todo material sempre passava por todas, que ao seu modo modificava e contribuía com a proposta (Isaura Tupiniquim, 2018).

Isaura Tupiniquim fala também que, em geral, todas as decisões do coletivo perpassavam por todas as integrantes. O fato de estarem comprometidas com todas as instâncias de representação e de escolhas do coletivo revela que, apesar de haver distribuição de funções a serem desenvolvidas, todas as integrantes do TeiaMUV eram corresponsáveis pelas decisões do coletivo e opinavam acerca de todo o material. Este aspecto observado na fala de Isaura e que ecoa em muitos outros encontros de artistas e pesquisadores de arte, tem ressonância na questão da crise que se instaura entre representação e projetos democráticos a partir do final do século XX. Observemos porquê.

É muito frequente aceitarmos de maneira pouco questionável o fato de que na democracia votamos em políticos que nos representam nas instâncias de decisão e de poder. No entanto, esta correspondência pode significar um perigo para a implementação de um Estado democrático, pois “estabelece um governo no qual o povo é evocado como titular nominal da soberania, mas está ausente dos espaços de efetivo exercício do poder” (MIGUEL, 2017, p. 41). Sendo assim, é preciso reconhecer, como afirma HARDT e NEGRI (2014), que a representação não é um veículo da democracia, mas um obstáculo para sua efetivação. O que vivemos atualmente no Brasil é uma grande descrença nos políticos e pessoas afirmando não se sentirem representadas e nem ouvidas nas instâncias do poder público.

118 Vivemos, na Dança e no Teatro aqui no Brasil, um momento em que boa parte dos artistas não se contenta em ficar somente executando coreografias ou peças criadas por outros coreógrafos/diretores. Eles desejam imprimir suas próprias questões, elaborando com seus trabalhos artísticos jeitos de expressarem poeticamente suas inquietações em relação a um contexto social. Não desejam mais serem representados por outra pessoa, nem terem suas vozes silenciadas por alguém que fala por eles. E aqui está uma chave importante para compreendermos a frequente diluição da figura fixa do diretor do grupo e a busca por ambientes mais democráticos onde todos possam se colocar, exercer a autonomia e se fazerem presentes nas decisões, em contramão ao representado que:

atua na sociedade destituído de inteligência e manipulado pela imbecilidade ensurdecedora do circo midiático, sofrendo a opacidade da informação como ausência de virtude e registrando apenas a transparência cínica do poder da riqueza, tornada mais vulgar pela falta de responsabilidade (HARDT e NEGRI, 2014 p. 42).

Entretanto, estamos em meio a um período de transição paradigmática onde o capitalismo e o neoliberalismo parecem estar à beira de desmoronar, pois já não há perspectivas de avanços democráticos diante das desigualdades econômicas impostas pelo biocapitalismo. Por outro lado, não temos em vista nenhuma outra solução que se apresente com condições reais de superar o modelo capitalista que vivemos. HARDT e NEGRI (2014)