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CAPÍTULO 3 PROCESSOS ARTÍSTICOS EM COLABORAÇÃO E AS POLÍTICAS

3.4 OUTROS NÓS

O encerramento deste capítulo traz consigo o a finalização da própria tese. E com isso as (in)conclusões e os apontamentos de possíveis desdobramentos para a pesquisa. Ao final de cada capítulo apresentamos os entre nós que tecem considerações preliminares acerca de cada nó da questão. Por este motivo, a fim de não nos tornarmos repetitivos, mas ao mesmo tempo possibilitar ao leitor uma visão mais geral da tese, resumirei os principais conceitos apresentados nos capítulos anteriores por meio do mapa conceitual e, na sequência, tecerei as considerações específicas deste capítulo.

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Figura 33 – Mapa conceitual. Imagem autoral.

Após essa síntese em mapa, encaminho alguns enlaces considerativos sobre a discussão do Capítulo 3. Neste momento da tese, remontamos um breve histórico das políticas públicas ligadas à área da cultura no Brasil e identificamos alguns problemas. Os primeiros relacionam-se com o que RUBIM (2011) reconhece como: ausência do Estado nas políticas públicas de incentivo à cultura, a instabilidade das gestões e a descontinuidade dos projetos, e o autoritarismo por parte dos gestores.

Getúlio Vargas (1930- 1945), quando presidente, inicia uma superação em relação à ausência do Estado e começa a pensar e implementar políticas específicas para área da Cultura e criar instituições para gerir essas demandas. Muitos anos se passaram e a cultura permanece sucateada e sem financiamentos efetivos e duradouros. No Governo de Luis Inacio Lula da Silva (2003-2010), com a nomeação do cantor e compositor Gilberto Gil para

165 Ministro da Cultura no primeiro mandato, tivemos finalmente avanços no sentido de democratizar o acesso ao financiamento e criar mecanismos de atuação da sociedade civil na implementação de políticas para a área. Ou seja, avançamos em termos de superar o autoritarismo até então vigente nos diferentes modos anteriores de governar. Entretanto, a questão da instabilidade nunca foi superada ou amenizada. O histórico que apresentamos revela tanto a instabilidade no cargo de ministro do MINC, quanto a instabilidade da existência do próprio MINC e, ainda, a descontinuidade de projetos anteriores pelas escolhas das novas gestões.

No período com um pouco mais de estabilidade que identificamos nos dois mandatos presidenciais de Lula, com a passagem de Gilberto Gil e Juca Ferreira pelo ministério, tivemos a afirmação dos editais como meio de distribuição do dinheiro público entre os fazedores das Artes. Este mecanismo democratiza em parte o acesso, na medida em que cria condições comuns de participação e impõe à uma comissão de seleção a avaliação e seleção dos projetos premiados/financiados. Por outro lado, por ser escrito num formato em que os termos jurídicos são exacerbados se torna excludente, pois constrange e impossibilita uma parcela da população que não se familiariza com esses rebuscamentos da linguagem.

O processo de “editalização” também cria condições de acompanhamento dos gastos do dinheiro público, por meio das prestações de contas, mediante a aprovação via parecer de um técnico da instituição implicada. Esse mesmo mecanismo que permite conferir o que foi proposto no projeto e o que foi realizado, também cerceia a criação dos artistas, pois a depender do fundo de pagamento do edital, não é permitido comprar uma série de materiais descritos na lei de licitação. E as prestações de contas são muitas vezes rígidas. Então, além da “editalização” vem junto um movimento de burocratização imposto ao fazer artístico.

E como os artistas têm se comportado? Na amostra pesquisada, observa-se que em geral eles se submetem às regras do referido edital. Usam a criatividade e a inventividade para propor projetos naquela forma exigida e subvertem na hora da criação. Todos eles reconhecem que há uma diferença e um caminho a ser trilhado entre o projeto e a criação em si.

Por fim, observam-se os editais de manutenção de grupos artísticos, criados para dar condições de manter os trabalhos dos artistas durante o período de execução do projeto e do edital. Com ele, os artistas teriam estabilidade para desenvolver suas atividades. Entretanto, a centralização de algumas funções e hierarquias, o desgaste com as prestações de contas e

166 as demandas burocráticas, acabam, muitas vezes, provocando instabilidades em todo o coletivo.

Mas, não é possível dizer, pelo menos com os dados pesquisados, que o edital de manutenção seja o causador do fim dos coletivos. Toda coletividade tem uma temporalidade também. Todo encontro se transmuta em memória, aprendizagem e hábitos. O fim dos coletivos não significa o fim da trajetória artística dos envolvidos nos coletivos. Tanto a emergência, quanto a decadência dos coletivos, fazem parte do circuito sistêmico que se expande em rede.

Ao final desta tese pudemos observar uma mudança de posicionamento da questão inicial que era pensar os grupos de artistas com modos de organização menos centralizadores e mais flexíveis, em termos de herarquia e autoria, como estratégias de fulga do bipoder. Constatamos que tais modos organizacionais que preveem cooperação, colaboração, mudanças de lideranças, descentralização do poder, são estratégias do próprio bipoder. Ou seja, trata neste sentido não de uma linha de fulga, mas de um ajustamento dos artistas à realidade atual do capitalismo. A possibilidade de criar linhas de fulga não se revela no como os grupos se organizam, mas no fato dos artistas se encontrarem. Como esses encontros se entrelaçam?

Neste momento, penso nos muitos que estão nessas páginas. Lembro-me das conversas com os amigos, do olhar atento da banca no exame de qualificação, dos colegas que me concederam entrevistas, das conversas com minha orientadora, dos autores e autoras com quem partilhei das ideias em páginas de livros. Enfim, do caminho percorrido e tecido junto.

Ao finalizar este texto, retomo a ideia do encontro. O encontro como ferida aberta, como poder da vida - a biopotência, como pulsão de vida. O encontro que provoca dor, crise, desacomodações. Que faz repensar, sair da caixa e abrir as janelas para a diferença adentrar. Aceitar o dissenso! Militar pelo direito de pensar diferente. Criar condições de estarmos juntos. Não apenas no sentido de coletivos artísticos que vão surgir e acabar, como sempre ocorreu. Falo de nos encontrarmos de maneira aberta ao diálogo, à escuta. Encontros movidos pelo respeito às diferenças e pela busca de condições mais justas e igualitárias para todos. Encontros que gerem movimentos em contramão à distopia, onde possamos alimentar utopias de novos modos de ser. Modos de ser em Dança, em Teatro. Percebo que esta tese não se conclui como um trabalho otimista; pelo contrário, escrevo com os pés no chão, aterrados. Porém, quando levanto a cabeça e me desvio da tela do computador, consigo

167 enxergar outras formas, outros modos de ser, diferentes da página retangular do Word. E é isso, sobre desvios que estou falando. Sobre olhar de outros jeitos. Sobre perceber com todos os sentidos.

E, nas paisagens, encontrar outros olhares. Segurar nas mãos de quem deseja construir JUNTO. E não soltar jamais. RExistir. REsistir. REexistir. Insistir para existir.

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TERCEIRO DESENHO DA PESQUISA

Figura 34 - Terceiro desenho da pesquisa. Imagem autoral (Junho/2018).

A compreensão de que processos artísticos em colaboração são emergências nas redes de relações tecidas por cada pessoa, revela a própria vida como uma grande teia de encontros e trocas. Neste sentido, fazer arte é circunstância do viver. Ao delinear este desenho, já não fazia mais sentido demarcar as fronteiras que configuravam o coletivo. Afinal não integramos apenas um grupo, temos amigos, familiares, colegas de trabalho etc. O terceiro desenho fala sobre esse acentramento do coletivo, ele deixa de ser o núcleo que faz convergir em sua direção as outras relações para além do grupo e se dilui na rede de relações que é o viver.

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174 ANEXO A – Questionários enviados aos artistas dos grupos, núcleos e coletivos

Questionário de Pesquisa

Este instrumento é o início de uma proposta de conversa que será parte fundamental da pesquisa de doutorado de Lucas Valentim Rocha intitulada (provisoriamente) PROCESSOS DE CRIAÇÃO COMPARTILHADA E AS RELAÇÕES DE PODER: POLÍTICAS DA CONVIVÊNCIA que integra o Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia, com a orientação da Profa. Dra. Gilsamara Moura. O trabalho tem como interesse principal analisar como certos artistas cênicos vem respondendo as estruturas e relações de poder em processos de criação colaborativa na atualidade. O cenário da pesquisa delimita uma mostra de artistas brasileiros que integraram grupos, núcleos ou coletivos a partir do final da década de 90. Em algum momento da trajetória desses agrupamentos, eles foram selecionados por um edital de Manutenção de Grupos, quer tenha sido em nível Municipal, Estadual, Federal ou até mesmo por iniciativa de empresas privadas. Outra característica comum entre eles é o fato de hoje não existirem mais em sua configuração de coletividade.

Sua participação é muito importante para a realização desta pesquisa, esperamos poder contar com sua colaboração. E desde já agradecemos as disponibilidade e interesse.

Gilsamara Moura Lucas Valentim Rocha Nome: Daniel Guerra

Grupo: Alvenaria de Teatro

SOBRE O EXERCÍCIO DA COLABORAÇÃO

1. Como você observa, em sua trajetória artística, o desenvolvimento de redes colaborativas? As redes são essenciais para agir de forma mais independente com relação ao vaivém das políticas governamentais de cultura e aos setores de marketing das grandes empresas, a despeito da dificuldade (impossibilidade?) intrínseca de iniciativas coletivas a longo prazo, principalmente quando não tem uma estrutura hierárquica consolidada e harmoniosa e uma relação monetária profissional e enraizada.

2. Você integrou um coletivo de artistas que trabalhou intensamente durante um tempo juntos. Nesta experiência, como você observa as potências e as dificuldades da criação desse ambiente comum?

A maior dificuldade, sem sombra de dúvidas, é o estabelecimento da hierarquia de funções, para o bom funcionamento do coletivo. Se no coletivo reina uma ideologia da colaboração “sem hieraquia”, por exemplo, no início tudo correrá bem, mas com o passar do tempo, emergirá entre todos uma estrutura hierárquica até então reprimida, que delegará a uns muito trabalho, e a outros, pouco. É normal que ao fim dois ou três terminem sustentando a coisa toda nos ombros, sem poder assumir isto como função original e estabelecida, o que impede que os benefícios do trabalho venham e o acolham. A negação da hierarquia (funcional, e não “meritocrática”, bom dizer) dentro de um coletivo é catastrófica. Boa parte dessa catástrofe, é claro, tem origem na ausência do dinheiro como motor de sustento do trabalho.

3. Como se dava a organização do coletivo em termos de gestão, produção e criação de trabalhos artísticos? Como você reflete, atualmente, acerca desse modo de organização? Você reconhece o exercício da autonomia e da colaboração? De que modo?

O Alvenaria passou por muitas transformações. No início o papel do diretor era muito proeminente. Nessa época não existia um pensamento de gestão e produção do coletivo enquanto empresa. Depois os atores começaram a ganhar autonomia e a função do diretor começou a entrar em crise. Isso foi alterado pela mudança estética dos trabalhos, ao mesmo tempo em que alterou estas. Nessa época de dissolução das funções, o território da produção e gestão do coletivo começou a ser aberto e as decisões eram muito mais equânimes. Entretanto, de alguma forma aquela anterior estrutura hierárquica permanecia. Ainda existiam focos de liderança, que eram dubiamente exercidos, e isso provocava os sintomas que citei na primeira questão. Hoje vejo que um coletivo deve se organizar

175 como empresa independente, de capital curto, e deve pensar em estratégias de gestão desde o início. Mas também não acredito muito nisso. Isso seria apenas o modus operandi que funcionaria no mundo de hoje, tal como o vejo. Ao mesmo tempo, acho que a ideia de coletividade como “mudança de mundo” e como “família” são ideias igualmente absurdas. Uma coletividade deve ser erigida por alguma potência/desejo que emerja entre os participantes, e deve durar enquanto estes existirem, e só.

4. Você reconhece uma possível ética e uma estética própria desse encontro em coletivo? Se sim, como você observa isso?

A emergência e a política específica desses encontros coletivos é justo a indiscernibilidade entre ética e estética. Uma altera a outra, e na verdade, uma já é a outra. Isso, á claro, em coletivos honestos com suas próprias fundações.

SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER

5. Partindo do pressuposto de que a escolha de investir na convivência e na colaboração como modo de criar e de atuar artisticamente é também uma tomada de posição e uma resposta a um contexto sócio-político, como você analisa esse contexto no período em que o grupo existia?

O grupo surgiu de três fatores socio-políticos bem delineados: 1) A emergência das políticas de editais e demais mecanismos de fomento à cultura através do novo governo petista. 2) Uma mudança temporária da estrutura curricular na ETUFBA, que passou a ter turmas fixas durante todo o período de curso. Isto fez com que os alunos se encontrassem e conversassem nas suas singularidades com muito mais frequência 3) A ideia - minha, como fundador - de que não haveria como subsistir fazendo teatro (como experimentação de vida, é claro) em Salvador sem essa organização colaborativa.

6. Como se dava a organização das funções no coletivo? Havia trânsito e alternâncias ou as funções eram mais fixas? Como vocês lidavam com a questão das relações de poder e hierarquia? Já respondida mais acima.

7. Em se tratando de criação colaborativa, como vocês pensavam a autoria dos trabalhos? No início era o diretor (eu) quem assinava a direção, mas com o tempo todos assinavam como Alvenaria (criadores). Isso ficou assim, é claro, com a transformação da própria estrutura estética dos trabalhos. E nunca foi fácil.

SOBRE A RELAÇÃO COM AS INSTITUIÇÕES DE FOMENTO

8. Como vocês se relacionavam com os mecanismos de fomento em níveis municipal, estadual, federal e financiamentos de empresas particulares? Essa relação determinava de alguma forma a maneira como vocês se organizavam em coletivo?

Determinava diretamente a existência do Alvenaria e de todos os coletivos da época. Tanto que não é mera coinscidência que tenham se extinguido na mesma época. O único que nasceu neste período e permaneceu foi o VianSatã, que hoje possui uma estrutura espiritual (religiosa) e familiar, e se mantém graças à estas.

9. Uma vez que a lógica dos mecanismos de fomento e financiamento determina normas e