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Hipóteses de retenção na fonte

Capítulo II CONSEQÜÊNCIA TRIBUTÁRIA

2.2 Hipóteses de retenção na fonte

A retenção na fonte, dentro da proposta teórica que se acolhe neste estudo, constitui uma técnica de tributação que decorre da coexistência de duas normas de conduta inconfundíveis: a norma jurídica tributária, que estabelece em seu conseqüente a obrigação de o contribuinte dar quantia certa em dinheiro ao Estado a título de tributo, que é representado pelo substituto tributário (mero agente arrecadador) ou permitir que este retenha certa importância; e a norma jurídica administrativo-fiscal, que determina em seu conseqüente o dever (do substituto tributário) de reter e recolher ao Estado quantia certa em dinheiro.

Daí resulta que a relação jurídica tributária, na verdade, se instaura entre o

contribuinte-substituído (sujeito passivo do tributo) e o Estado (sujeito ativo), extinguindo-

se por ocasião da retenção por parte do substituto tributário (representando o sujeito ativo da obrigação tributária), quando, então, surge para este último, no contexto da relação administrativo-fiscal, a obrigação de dar (recolher) o valor retido ao Estado388. É por essa razão que, como destaca Geraldo Ataliba:

[...] nos casos em que se institui “responsabilidade” ou “substituição”:

a) a obrigação é estruturada tendo em consideração as características objetivas do fato imponível implementado pelo contribuinte. O responsável, na verdade, não realiza o fato relevante para determinar o surgimento da obrigação – tão só é posto, pela lei, no dever de prover o recolhimento de tributo decorrente de fato provocado ou produzido por outrem;

b) os elementos subjetivos que eventualmente concorram na realização do fato, ou não formação da obrigação, são estabelecidos em consideração à pessoa do contribuinte (e não à pessoa do responsável ou substituto). Assim, v.g., os casos

388

Nesse sentido: QUEIROZ, Luís César Souza de. Sujeição passiva tributária. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 194 e ss. Para Paulo de Barros Carvalho: “É tradicional, entre nós, uma forma de substituição denominada retenção na fonte, em que uma terceira pessoa, vinculada ao acontecimento do fato jurídico tributário, deve reter parcela de importância paga a outrem, para subseqüente recolhimento aos cofres públicos.” (Sujeição..., op. cit., p. 256). Em sentido contrário: CASTRO, Alexandre Barros. Sujeição..., op.

cit., p. 370; SCHOUERI, Luís Eduardo; POÇAS, Fernando Augusto Ferrante. Natureza jurídica da retenção

na fonte da contribuição previdenciária e seus aspectos constitucionais. Revista da Associação Brasileira de

Direito Tributário v. 03, p. 86; XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. 5. ed. Rio de

de isenções ou imunidades subjetivas, gradações pessoas do imposto de renda na fonte etc.;

c) a carga do tributo não pode – e não deve – ser suportada pelo terceiro responsável. Por isso é rigorosamente imperioso que lhe seja objetivamente assegurado o direito de haver (percepção) ou descontar (retenção), do contribuinte, o quantum do tributo que deverá pagar por conta daquele389.

A primeira hipótese de tributação na fonte encontra-se disciplinada nos arts. 30, 31 e 32 da Lei Federal n.° 10.833/2003. Tais dispositivos atribuem às pessoas jurídicas não optantes do SIMPLES (inclusive as previstas no art. 30, § 1.º, I, II, III) e aos condomínios edilícios390 o dever de reter e recolher à União Federal (sujeito ativo da relação jurídica tributária), por ocasião do pagamento, a Cofins eventualmente devida na prestação por pessoas jurídicas de direito privado dos serviços definidos no caput do art. 30, que estabelece o seguinte:

Art. 30. Os pagamentos efetuados pelas pessoas jurídicas a outras pessoas jurídicas de direito privado, pela prestação de serviços de limpeza, conservação, manutenção, segurança, vigilância, transporte de valores e locação de mão-de- obra, pela prestação de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, bem como pela remuneração de serviços profissionais, estão sujeitos a retenção na fonte da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, da Cofins e da contribuição para o PIS/PASEP. (Vide Medida Provisória n.º 232, 2004).

Mais uma vez, causa espécie a técnica legislativa empregada. Profissional, segundo entende a doutrina de direito comercial, é uma atividade exercida com habitualidade e permanência, vale dizer, em caráter não improvisado ou acidental391. Portanto, quando se refere à remuneração de serviços profissionais, o legislador torna meramente

389

ATALIBA, Hipótese…, op. cit., p. 82 (o autor se reporta a estudo publicado na Revista de Direito

Tributário 34/216).

390

“Art. 30. [...] § 1.º O disposto neste artigo aplica-se inclusive aos pagamentos efetuados por: I - associações, inclusive entidades sindicais, federações, confederações, centrais sindicais e serviços sociais autônomos; II - sociedades simples, inclusive sociedades cooperativas; III - fundações de direito privado; ou IV - condomínios edilícios. [...] § 2.º Não estão obrigadas a efetuar a retenção a que se refere o caput as pessoas jurídicas optantes pelo SIMPLES.”

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A habitualidade não se refere às relações jurídicas entre o prestador e o tomador do serviço (entre estes a prestação pode ser episódica), mas à atividade como um todo. Cfr.: REQUIÃO, Rubens. Curso de direito

comercial. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2003, p. 49; MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 22. ed. Rio de

exemplificativa a lista dos serviços descritos no caput do art. 30, porque a expressão empregada é tão genérica que acaba compreendendo todas as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços392.

A Instrução Normativa n.º 459/2004, da Secretaria da Receita Federal, aliás, encaminha-se nesse sentido, quando estabelece que devem ser entendidos como serviços

profissionais os definidos no art. 647 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto

Federal n.º 3000/1999), ou seja: administração de bens ou negócios em geral (exceto consórcios ou fundos mútuos para aquisição de bens); advocacia; análise clínica laboratorial; análises técnicas; arquitetura; assessoria e consultoria técnica (exceto o serviço de assistência técnica prestado a terceiros e concernente a ramo de indústria ou comércio explorado pelo prestador do serviço); assistência social; auditoria; avaliação e perícia; biologia e biomedicina; cálculo em geral; consultoria; contabilidade; desenho técnico; economia; elaboração de projetos; engenharia (exceto construção de estradas, pontes, prédios e obras assemelhadas); ensino e treinamento; estatística; fisioterapia; fonoaudiologia; geologia; leilão; medicina (exceto a prestada por ambulatório, banco de sangue, casa de saúde, casa de recuperação ou repouso sob orientação médica, hospital e pronto-socorro); nutricionismo e dietética; odontologia; organização de feiras de amostras, congressos, seminários, simpósios e congêneres; pesquisa em geral; planejamento; programação; prótese; psicologia e psicanálise; química; radiologia e radioterapia; relações públicas; serviço de despachante; terapêutica ocupacional; tradução ou interpretação comercial; urbanismo; e veterinária.

O tributo, por sua vez, é calculado mediante aplicação de alíquota específica de 3% sobre o valor do pagamento, sendo dispensada a retenção (art. 31) nos casos de isenção (§

392

A habitualidade, cumpre ressaltar, não se refere às relações estabelecidas entre o prestador e o tomador, mas apenas no exercício das atividades compreendidas no objeto social.

2.º), pagamentos iguais ou inferiores a R$ 5.000,00 (§ 3.º)393, ou efetuados a empresas estrangeiras de transportes de valores, pessoas jurídicas optantes do SIMPLES, empresas nacionais nos serviços de transporte internacional de valores, e estaleiros navais brasileiros nos serviços de conservação, modernização, conservação e reparo de embarcações pré- registradas ou registradas (art. 32)394.

A segunda modalidade de tributação na fonte, regulada pelo art. 34 da Lei Federal n.° 10.833/2003, determina a aplicação das hipóteses de retenção previstas no art. 64 da Lei Federal n.° 9.430/1996 às empresas públicas e sociedades de economia mista federais, bem como as demais entidades nas quais a União Federal detenha, nas condições previstas no inciso III, a maioria do capital social com direito a voto. Desse modo, assim como os órgãos, autarquias e fundações da administração pública federal, as entidades em questão devem reter a Cofins incidente sobre o pagamento a pessoas jurídicas pelo fornecimento de bens ou prestação de serviços, salvo aquisições de gasolina, gás natural, óleo diesel, gás

393

“Art. 31. O valor da CSLL, da Cofins e da contribuição para o PIS/PASEP, de que trata o art. 30, será determinado mediante a aplicação, sobre o montante a ser pago, do percentual de 4,65% (quatro inteiros e sessenta e cinco centésimos por cento), correspondente à soma das alíquotas de 1% (um por cento), 3% (três por cento) e 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento), respectivamente.

§ 1.º As alíquotas de 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 3% (três por cento) aplicam-se inclusive na hipótese de a prestadora do serviço enquadrar-se no regime de não-cumulatividade na cobrança da contribuição para o PIS/PASEP e da Cofins.

§ 2.º No caso de pessoa jurídica beneficiária de isenção, na forma da legislação específica, de uma ou mais das contribuições de que trata este artigo, a retenção dar-se-á mediante a aplicação da alíquota específica correspondente às contribuições não alcançadas pela isenção.

§ 3.º É dispensada a retenção para pagamentos de valor igual ou inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais). (Incluído pela Lei n.º 10.925, de 2004) (Vide Lei n.º 10.925, de 2004)

§ 4.º Ocorrendo mais de um pagamento no mesmo mês à mesma pessoa jurídica, deverá ser efetuada a soma de todos os valores pagos no mês para efeito de cálculo do limite de retenção previsto no § 3.º deste artigo, compensando-se o valor retido anteriormente. (Incluído pela Lei n.º 10.925, de 2004) (Vide Lei n.º 10.925, de 2004).”

394

“Art. 32. A retenção de que trata o art. 30 não será exigida na hipótese de pagamentos efetuados a: I - cooperativas, relativamente à CSLL; (Redação dada pela Lei n.º 10.865, de 2004)

II - empresas estrangeiras de transporte de valores; (Redação dada pela Lei n.º 10.865, de 2004) (Vide Medida Provisória n.º 232, 2004)

III - pessoas jurídicas optantes pelo SIMPLES.

Parágrafo único. A retenção da Cofins e da contribuição para o PIS/PASEP não será exigida, cabendo, somente, a retenção da CSLL nos pagamentos:

I - a título de transporte internacional de valores efetuados por empresa nacional; (Redação dada pela Lei n.º 10.865, de 2004)

II - aos estaleiros navais brasileiros nas atividades de conservação, modernização, conversão e reparo de embarcações pré-registradas ou registradas no Registro Especial Brasileiro – REB, instituído pela Lei no 9.432, de 8 de janeiro de 1997.”

liquefeito de petróleo, querosene de aviação e demais derivados de petróleo e gás natural395.

A diferença entre ambas está no fato de que a hipótese do art. 34 é mais abrangente, porque também compreende o fornecimento de bens396, ao passo que a primeira aplica-se apenas aos contratos de prestação de serviços. Em relação à alíquota, embora a Lei Federal n.º 9.430/1996 (art. 64, § 7.º) determine a aplicação da normalmente incidente para cada operação397, o art. 2.º, § 4.º e § 5.º, da Instrução Normativa n.° 480/2004, estabeleceu a aplicação de alíquota de 3% para qualquer espécie de pagamento.

A sistemática de tributação na fonte prevista na Lei Federal n.° 10.833/2003, se adequadamente interpretada, em princípio, não ofende o texto constitucional nem representa violação ao disposto no art. 128 do Código Tributário Nacional. Os substitutos tributários eleitos nos arts. 30 e 34, que retêm e recolhem o tributo em nome da União (sujeito ativo da obrigação tributária), apresentam uma proximidade inequívoca com o fato jurídico tributário da Cofins, porquanto constituem a “fonte pagadora” do ingresso em dinheiro gerador da receita.

Todavia, deve-se ter presente que a relação jurídica tributária é estabelecida entre o contribuinte-substituído e o Estado, representado pelo substituto tributário (agente arrecadador). Portanto, a retenção sempre se mostra indevida nos casos de imunidade,

395

“Art. 34. Ficam obrigadas a efetuar as retenções na fonte do imposto de renda, da CSLL, da Cofins e da contribuição para o PIS/PASEP, a que se refere o art. 64 da Lei n.° 9.430, de 27 de dezembro de 1996, as seguintes entidades da administração pública federal:

I - empresas públicas;

II - sociedades de economia mista; e

III - demais entidades em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto, e que dela recebam recursos do Tesouro Nacional e estejam obrigadas a registrar sua execução orçamentária e financeira na modalidade total no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI.

Parágrafo único. A retenção a que se refere o caput não se aplica na hipótese de pagamentos relativos à aquisição de gasolina, gás natural, óleo diesel, gás liquefeito de petróleo, querosene de aviação e demais derivados de petróleo e gás natural. (Incluído pela Lei n.º 10.865, de 2004).”

396

“Art. 64. [...] § 7.º O valor da contribuição para a seguridade social - Cofins, a ser retido, será determinado mediante a aplicação da alíquota respectiva sobre o montante a ser pago.”

397

“Art. 36. Os valores retidos na forma dos arts. 30, 33 e 34 serão considerados como antecipação do que for devido pelo contribuinte que sofreu a retenção, em relação ao imposto de renda e às respectivas contribuições.”

isenção e nos pagamentos a quem não seja contribuinte do tributo, e não apenas nas hipóteses previstas na Lei Federal n.° 10.833/2003.