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Implicações no controle de constitucionalidade

PARTE I PRESSUPOSTOS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDO

4.1 Regime jurídico do veículo introdutor

4.1.4 Implicações no controle de constitucionalidade

Articulando ligações entre preceitos da Constituição Federal e as demais espécies legislativas, a lei complementar exerce uma importante função intercalar no ordenamento jurídico brasileiro102. Apesar disso, também está sujeita ao controle formal e material de constitucionalidade.Não lhe é dado alterar o texto constitucional. A Constituição é a norma primária de produção. Resulta do exercício de um poder constituinte originário, imune a qualquer outro parâmetro normativo. Por isso, não pode ter seus dispositivos ignorados pela lei complementar. Qualquer incompatibilidade entre a lei complementar e o texto da constituição implica a invalidade da primeira.

Sendo certo que a lei complementar pode servir de objeto ao juízo de inconstitucionalidade, importante questão a ser considerada está na possibilidade de essa espécie legislativa servir de parâmetro para a declaração de inconstitucionalidade de outros atos normativos.

Para a doutrina que nega existência de hierarquia entre as leis complementar e ordinária, a incompatibilidade entre esta e aquela se resolve pela inconstitucionalidade formal da primeira, por violação ao princípio da reserva legal qualificada e, em última análise, do quorum constitucional de maioria absoluta de aprovação. Esta mesma solução se aplica àquelas leis complementares que não fundamentam a validade de outros atos normativos, como é o caso da reserva de lei complementar para a instituição de empréstimos compulsórios (CF, art. 148, I e II) ou instituição de contribuição para a seguridade social que represente nova fonte de custeio (CF, art. 195, § 4.°). Caso tais

101

Curso…, op. cit., p. 206-207. 102

exações sejam instituídas por lei ordinária, os veículos introdutores das regras matrizes dos referidos tributos serão considerados formalmente inconstitucionais103.

Porém, em relação às leis complementares que fundamentam a validade de outros atos normativos (que, a partir desse momento, se passa a designar leis complementares

intercalares), a solução é outra. Como se trata de uma lei complementar que, por

determinação constitucional, estabelece os requisitos para a disciplina normativa de uma dada matéria, caso a lei subordinada viole alguns desses condicionamentos, também haverá inconstitucionalidade. Será, porém, uma inconstitucionalidade indireta, conhecida como inconstitucionalidade mediata ou reflexa.

A conseqüência dessa diferenciação é importantíssima, pois, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, somente no primeiro caso seria possível o controle concentrado da constitucionalidade, isto é, o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade ou constitucionalidade. Ao mesmo tempo, em relação à jurisdição constitucional concreta, os recursos cabíveis seriam distintos: no caso de leis complementares que não fundamentam a validade de outros atos normativos, caberia a interposição de recurso extraordinário, ao Supremo Tribunal Federal, por violação ao

quorum qualificado de aprovação; na hipótese de violação de uma lei complementar

intercalar seria o caso de recurso especial, ao Superior Tribunal de Justiça, com fundamento no art. 104, III, da Constituição Federal104.

103

No julgamento da ADI 1.103/DF, o STF entendeu que “[...] o § 4.° do art. 195 da Constituição Federal prevê que a lei complementar pode instituir outras fontes de receita para a seguridade social; desta forma, quando a Lei n.° 8.870/94 serve-se de outras fontes, criando contribuição nova, além das expressamente previstas, é ela inconstitucional, porque é lei ordinária, insuscetível de veicular tal matéria” (T. Pleno. Rel. Min. Néri da Silveira. Rel. Acórd. Min. Maurício Correa. DJU 25/4/1997, p. 15.197).

104

Segundo tem entendido o Supremo Tribunal Federal: a “[...] alegação de ofensa indireta à Constituição não dá margem ao cabimento do recurso extraordinário.” (AgRgAg n.º 210550-7/MG. 1.ª Turma do STF. Rel. Min. Moreira Alves. DJU 26/6/1998, p. 5). “Não cabe ver ofensa, por via reflexa, a normas constitucionais, aos fins do recurso extraordinário. 3. Se, para dar pela vulneração de regra constitucional, mister se faz, por primeiro, verificar da negativa de vigência de norma infraconstitucional, esta última é o que conta, para os efeitos do art. 102, III, a, da Lei Maior. 4. Falta de prequestionamento do dispositivo constitucional tido como violado. 5. Agravo regimental desprovido.” (AgRgAg n.º 26090-4/RJ. 2.ª Turma do STF. Rel. Min. Néri da Silveira. DJU 4/8/2000, p. 18. No mesmo sentido: AgRgAg n.º 23744-3/SC. 2.ª Turma do STF. Rel. Min. Néri da Silveira. DJU 24/9/1999, p. 32).

É bem verdade, como esclarece Gilmar Ferreira Mendes, que o Supremo Tribunal Federal, ao tempo da Constituição de 1967, já admitiu a existência de inconstitucionalidade nos casos de colisão entre normas de direito estadual e leis complementares105. Porém, em decisões mais recentes, aquela Corte não tem conhecido ações diretas de inconstitucionalidade fundadas na contrariedade a dispositivos de lei complementar intercalar106.

Ao mesmo tempo, também não tem conhecido recursos extraordinários fundados em violação a leis complementares intercalares, sob o fundamento de que estas não teriam hierarquia constitucional107. Ao apreciar recurso extraordinário fundado na violação do Decreto-Lei n.° 406/68 (com eficácia de lei complementar), o Supremo Tribunal Federal entendeu que a alegação seria “[...] insuscetível de ser apreciada senão por via da interpretação da legislação infraconstitucional, procedimento inviável em sede de recurso extraordinária, onde não têm guarida alegações de ofensa reflexa e indireta à Constituição Federal”108.

105

MENDES, op. cit., p. 183. REP 1.142. Rel. Min. Carlos Madeira, DJU 1.º/7/1988. 106

No julgamento da ADI 1.585-1, o Pretório Excelso decidiu no seguinte sentido: “Despesas de pessoal: limite de fixação delegada pela Constituição à lei complementar (CF, art. 169), o que reduz sua eventual superação à questão de ilegalidade e só mediata ou reflexamente de inconstitucionalidade, a cuja verificação não se presta a ação direta [...]”.ADIMC 1.585/DF. T. Pleno. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJU 3/4/1998, p. 1. Em seu voto, o Relator entendeu que “[...] a superação dos limites de despesas de pessoal fixados na lei complementar já configuraria questão de inconstitucionalidade reflexa ou mediata, por violação da norma infraconstitucional interposta – a cuja solução não se presta a ação direta [...]” (fls. 51).

107

AgReg n.° 90.741. 1.a Turma. Rel. Min. Néri da Silveira. DJU 6/4/1984: “Não empresta nível constitucional a matéria decidida o fato de estar baseada em preceito de lei complementar. A lei complementar situa-se no plano da legislação ordinária, não assumindo hierarquia constitucional”.

108

AgReg n.° 195.681 / PR. 1.a Turma. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJU 19/9/1997. O grande problema é que, ultimamente, o Superior Tribunal de Justiça tem considerado o conflito entre lei complementar e ordinária matéria constitucional, sujeita, portanto, a recurso extraordinário (e não recurso especial): “1. CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE LEI COMPLEMENTAR E LEI ORDINÁRIA. A lei ordinária que dispõe a respeito de matéria reservada à lei complementar usurpa competência fixada na Constituição Federal, incidindo no vício de inconstitucionalidade; o Código Tributário Nacional, na parte em que dispõe sobre normas gerais, embora lei ordinária, cumpre função de lei complementar, conforme iterativos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal. 2. [...] a questão daí resultante é, evidentemente, de nível constitucional, não se expondo a recurso especial. Embargos de divergência acolhidos” (EResp 129.925/RS. Primeira Seção. Rel. Min. Ari Pargendler. DJU 15/5/2000, p. 115). No mesmo sentido, o Resp 183.178/RN. 1a Turma. Rel. Francisco Peçanha Martins. DJU 5/4/1999, p. 117.