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O problema das receitas de terceiros

Capítulo II CONSEQÜÊNCIA TRIBUTÁRIA

3.3 O problema das receitas de terceiros

A Lei Federal n.º 9.718, de 27 de novembro de 1998, resultante da conversão da Medida Provisória n.º 1.724/1998, nos termos do § 2.º, do art. 3.º, permitia a exclusão da base de cálculo da Cofins dos valores que, computados como receita, tenham sido transferidos a outras pessoas jurídicas, observadas as normas regulamentares do Poder Executivo. Referido dispositivo, após ter sido revogado pela Medida Provisória n.º 2.158- 35/2001, passou a ser invocado pelas autoridades fazendárias como fundamento para a incidência do tributo sobre receitas de terceiros. Entendimento que, com a promulgação da Lei Federal n.° 10.833/2003, acabou praticamente se consolidando, uma vez que esta, em seu art. 1.º, § 1.º, estabeleceu que a Cofins incide sobre a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia413.

O dispositivo em questão, porém, não autoriza interpretação dessa natureza. Existe uma grande diferença entre a incidência sobre receitas da pessoa jurídica decorrentes de vendas de bens e serviços em operações em conta alheia e a incidência sobre receita de terceiros. Esta compreende o valor total da operação, ao passo que a primeira corresponde

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SALLES, Roberto. Não-incidência das contribuições sociais do PIS e da Cofins sobre valores recebidos a título de juros sobre o capital próprio. Revista Dialética de Direito Tributário n.º 111, p. 111 e ss.; SOUZA, André Ricardo Passos de. O PIS/Cofins..., op. cit., p. 31.

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Sobre o tema à luz da Lei Federal n.º 9.718/1998 e Medida Provisória n.º 1.724/1998 , cf. o estudo de MARIA EDNALVA DE LIMA (PIS e Cofins..., op. cit., p. 144-153).

apenas à receita própria, ou seja, a comissão ou outra modalidade de remuneração recebida pela intermediação do negócio.

Nesse sentido, ensina José Bulhões Pedreira, ao ressaltar que “[...] nas vendas por conta de terceiros o preço de venda pertence ao comitente ou mandante: a receita da pessoa jurídica é a comissão (ou outra modalidade de remuneração) recebida pela prestação do serviço de intermediação”414.

Na verdade, a Lei Federal n.° 10.833/2003 (art. 1.º, § 1.º), ao estabelecer que a Cofins incide sobre a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta alheia, refere-se ao incremento patrimonial decorrente da comissão ou outra modalidade de remuneração recebida pela intermediação do negócio. Em momento algum autorizou a incidência sobre a receita de terceiros, inclusive porque, se assim fosse, o dispositivo seria inconstitucional. Afinal, a receita de terceiros, no momento em que ingressa no caixa da pessoa jurídica intermediária, representa um simples movimento de fundo, sem qualquer repercussão patrimonial. Assim, interpretar o art. 1.º, § 1.º, da Lei Federal n.° 10.833/2003, de modo a compreender receita de terceiros equivale a lhe atribuir sentido incompatível com os arts. 212, § 1.º, da Constituição Federal e 187, I, II, IV e § 1º, “a”, da Lei Federal n.º 6.404/1976, que vedam a incidência sobre simples entradas de caixa.

É interessante notar que, em alguns casos, a própria autoridade fazendária reconhece a exclusão das receitas de terceiros da incidência da Cofins, como no Ato Declaratório n.° 07/2000, referente aos valores recebidos por empresas concessionárias ou permissionárias vinculados a fundo de compensação de tarifas:

I – os valores recebidos por empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público de transporte urbano de passageiros, subordinadas ao sistema de compensação tarifária, que devam ser repassadas a outras empresas do mesmo ramo, por meio de Fundo de Compensação criado ou aprovado pelo poder

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público Concedente ou Permissionário, não integram a receita bruta, para os fins da legislação tributária federal;

II – os valores auferidos, a título de repasse, de fundo de compensação tarifária integram a receita bruta, devendo ser considerados na determinação da base de cálculo dos impostos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal.

Deve ser aplicado à Cofins, portanto, o mesmo entendimento firmado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que – em julgados relativos ao ISS – tem afastado a incidência do tributo sobre receita de terceiros, com base na distinção entre entrada e receita:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN. EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS DE AGENCIAMENTO DE MÃO-DE-OBRA TEMPORÁRIA.

1. A empresa que agencia mão-de-obra temporária age como intermediária entre o contratante da mão-de-obra e o terceiro que é colocado no mercado de trabalho 2. A intermediação implica o preço do serviço que é a comissão, base de cálculo do fato gerador consistente nessas "intermediações".

3. O implemento do tributo em face da remuneração efetivamente percebida conspira em prol dos princípios da legalidade, justiça tributária e capacidade contributiva.

4. O ISS incide, apenas, sobre a taxa de agenciamento, que é o preço do serviço pago ao agenciador, sua comissão e sua receita, excluídas as importâncias voltadas para o pagamento dos salários e encargos sociais dos trabalhadores. Distinção de valores pertencentes a terceiros (os empregados) e despesas, que pressupõem o reembolso.

Distinção necessária entre receita e entrada para fins financeiro-tributários. Precedentes do E STJ acerca da distinção.

5. A equalização, para fins de tributação, entre o preço do serviço e a comissão induz a uma exação excessiva, lindeira à vedação ao confisco415.

No caso das empresas de publicidade e propaganda, a exclusão da receita de terceiros repassada a empresas de rádio, televisão, jornais e revistas, encontra-se prevista expressamente no art. 13 da Lei Federal n.º 10.925/2004416. Trata-se, no entanto, de

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STJ. 1.ª T. RESP 411580/SP. Rel. Min. Luiz Fux. DJU 16/12/2002, p. 253. Conferir, no mesmo sentido, os inúmeros precedentes citados por Aires F. Barreto (ISS..., op. cit., p. 329 e ss.).

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“Art. 13. O disposto no parágrafo único do art. 53 da Lei n.º 7.450, de 23 de dezembro de 1985, aplica-se na determinação da base de cálculo da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS das agências de publicidade e propaganda, sendo vedado o aproveitamento do crédito em relação às parcelas excluídas.” Por outro lado, de acordo com o art. 53, parágrafo único, da Lei 7.450: “No caso do inciso II deste artigo [serviços de propaganda e publicidade], excluem-se da base de cálculo as importâncias pagas diretamente ou

preceito puramente didático, porque, mesmo antes de sua promulgação, a Cofins não poderia incidir sobre tais receitas, na medida em que representam meros ingressos de caixa, sem qualquer repercussão no patrimônio das agências de publicidade.