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Receitas não-pecuniárias

PARTE II COFINS INCIDENTE SOBRE A RECEITA BRUTA

2.2 Determinação do conteúdo jurídico de “receita”

2.2.3 Receitas não-pecuniárias

O patrimônio compreende todas as relações jurídicas de conteúdo econômico titularizadas pelo sujeito de direito321. Por isso, qualquer bem ou direito susceptível de apreciação pecuniária que represente alteração do patrimônio líquido constitui receita. Esta não resulta apenas do ingresso de soma em dinheiro, como ensina José Artur Lima Gonçalvez, ao ressaltar que o aumento patrimonial, material ou imaterial, formador da renda resulta de qualquer espécie de direitos ou bens susceptíveis de apreciação pecuniária:

Para que haja renda, deve haver um acréscimo patrimonial – aqui entendido como incremento (material ou imaterial, representado por qualquer espécie de direitos ou bens, de qualquer natureza – o que importa é o valor em moeda do objeto desses direitos) – ao conjunto líquido de direitos de um dado sujeito322.

Assim, a receita, embora geralmente o seja, nem sempre constitui uma entrada de caixa, o que se dá apenas nos casos em que se tem ingresso patrimonial em dinheiro. Ao contrário do faturamento – que sempre decorre da venda de mercadorias, prestação de serviços ou ambos –, a receita pode resultar de qualquer ato ou fato jurídico que represente alteração positiva do patrimônio líquido, pouco importando se apresenta ligação ou não com as finalidades estatutárias323.

Desse modo, em princípio, fica sem importância a classificação das receitas em operacionais ou não-operacionais, conforme se mostrem fundamentais ao negócio,

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Para Orlando Gomes (Introdução ao estudo do direito civil. 13. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 210), o patrimônio compreende “todas as relações jurídicas de conteúdo econômico das quais participe a pessoa ativa ou passivamente”. No mesmo sentido coloca-se o entendimento de Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria geral do direito civil. 3 ed. Coimbra: Limitada, 1994, p. 352), que o define como “o conjunto de relações jurídicas ativas e passivas (direitos e obrigações) avaliáveis em dinheiro de que uma pessoa é titular”; e Silvio Rodrigues (Direito civil: parte geral. 27 ed. São Paulo: Saraiva, v. I, 1997, p. 114), que remete à definição de Clóvis Beviláqua, de patrimônio como “complexo das relações jurídicas de uma pessoa que tiverem valor econômico”.

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GONÇALVES, op. cit., p. 180. 323

As reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda, no entanto, são excluídas da base de cálculo da Cofins pelo § 3.º, V, “b”, da Lei Federal 10.833/2003, como será oportunamente analisado.

resultando ou não das atividades principais ou acessórias que constituem objeto da pessoa jurídica. Todas estão sujeitas à incidência da Cofins, muito embora seja certo que o § 3.º, II e V, “b”, da Lei Federal 10.833/2003 exclua da base de cálculo do tributo as receitas não operacionais, decorrentes da venda de ativo permanente e as reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda324.

Debate-se, por outro lado, acerca da natureza do incremento patrimonial decorrente da redução de despesas. Entende Marco Aurelio Greco que estes não constituem receita, porque, “[...] ao atribuir competência para alcançar as receitas, a CF/88, automaticamente, exclui do campo da tributação as “despesas” (= feição negativa) (em sentido lato, abrangendo custos, dívidas etc.) realizadas pela pessoa jurídica. Assim, o universo das receitas se opõe ao universo das despesas e este último não foi qualificado pela norma constitucional”325. O tema também tem sido objeto de reflexão de Ricardo Mariz de Oliveira, que, no entanto, considera inviável o esforço de “[...] sustentar que as reduções de obrigações sem pagamento não sejam receitas, porque na verdade elas reúnem todas as características pelas quais se pode identificar uma receita”:

Seria possível excluir essas reduções de passivos do elenco das receitas se se pudesse afirmar que o direito somente reconhece como receitas as provindas de atividades da pessoa jurídica na exploração de seu objeto empresarial. [...] Todavia, além de não se encontrar qualquer definição legal que conduza a um tal estreitamento do conceito de receita, pelo contrário sabemos que, para fins de direito societário e imposto de renda, as receitas da pessoa jurídica são operacionais - as decorrentes da exploração do seu objeto social, e outras assim definidas por lei - e não operacionais, que se constituem por todas as demais326.

De fato, se receita constitui acréscimo do patrimônio líquido, não há dúvidas de que podem ser assim considerados os atos extintivos de dívidas que não impliquem a assunção de outra obrigação ou a perda de um direito de crédito, dinheiro ou outro bem susceptível

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O tema será oportunamente analisado por ocasião do estudo da base de cálculo da exação. 325

GRECO, op. cit., p. 130. 326

de apreciação pecuniária de igual ou superior valor. É o caso da remissão, ato jurídico que extingue uma dívida sem qualquer contrapartida, gerando inequívoco incremento patrimonial (art. 385). A objeção segundo a qual o texto constitucional, ao atribuir competência para alcançar as receitas, exclui do campo da tributação as despesas em sentido amplo somente seria correta caso a incidência recaísse sobre a dívida. Não é, entretanto, o que ocorre, na medida em que o fato tributado consiste na alteração positiva do patrimônio líquido resultante do perdão ou do desconto.

Contudo, é preciso diferenciar a extinção de dívida sem pagamento da simples redução de despesas ou custos327. Em tal hipótese, não se tem receita, porque o ato ou fato que gera a redução – isoladamente considerado – não implica qualquer aumento do patrimônio líquido. Este decorre do confronto entre a receita do produto vendido e o custo de sua produção. Há, na verdade, um aumento da rentabilidade das operações, que não se confunde com o aumento da receita bruta. Esta continua rigorosamente a mesma, razão pela qual não há que falar em incidência da Cofins sobre ganhos decorrentes de melhorias das condições de produção, emprego de uma tecnologia mais avançada ou terceirização da mão-de-obra.

Ricardo Mariz de Oliveira sustenta, ainda, que haveria receita na dação em pagamento, na medida em que esta modalidade extintiva caracterizaria “hipótese de venda da coisa dada em pagamento”. Assim, “[...] como decorrência, há receita para o devedor, que verdadeiramente vende algo para quitar sua obrigação”328. Todavia, não há como acolher tal entendimento.

A dação em pagamento constitui exceção à regra segundo a qual o credor de coisa certa não pode ser compelido a receber outra, mesmo que de maior valor – aliud pro alio

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Registre-se que, segundo ensinam Fábio Junqueira de Carvalho e Maria Inês Murgel, “custo é o montante financeiro aplicado para a aquisição, produção e venda de bens e serviços. A despesa, por sua vez, é todo valor gasto para a aplicação em bens materiais ou mesmo a utilização ou consumo de bens e serviços no processo de produção de receitas.” (IRPJ..., op. cit., p. 155).

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invito creditore solvi non potest –, prevista no art. 313 do Código Civil. Trata-se de

modalidade extintiva na qual o devedor oferece prestação diversa da originariamente pactuada como pagamento da obrigação, e o credor, consentindo, dá por quitada a dívida. Após a determinação do preço, as relações entre as partes são regidas pelas regras do contrato de compra e venda, no caso de bem móvel (art. 357), ou da cessão de direito, na hipótese de títulos de crédito (art. 358).

Tais elementos, contudo, não permitem considerar o valor total do bem dado em pagamento como receita do devedor. A dação não é um contrato de compra e venda ou de cessão de direitos. A intenção das partes – fundamental na interpretação do sentido exato dos contratos – sempre foi a de quitar a dívida através de uma prestação alternativa329. O Código Civil apenas determinou a aplicação de parte dos enunciados prescritivos da compra e venda (e da cessão de direitos) a algumas das relações jurídicas decorrentes da dação em pagamento (arts. 357 e 358). Porém, isso não autoriza a equiparação dos institutos, como se fossem realidades jurídicas idênticas, inclusive porque a especificação do preço não é elemento essencial à dação. A legislação civil faz o mesmo em relação ao contrato de troca ou permuta (art. 533), que é regida parcialmente pelas regras da compra e venda. Porém, jamais se sustentou que seriam contratos idênticos. No caso da dação a equiparação seria ainda mais despropositada, porquanto esta sequer é disciplinada como contrato (fonte de obrigações), mas sim modalidade de adimplemento (extinção de obrigações).

Em razão disso, a dação somente representará receita para o devedor quando o valor do bem ou título dado em pagamento for inferior à dívida originária, porque apenas

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Segundo ressalta Silvio Rodrigues, “[...] como ato jurídico que é, o contrato tem por mola propulsora a vontade das partes, de maneira que, para descobrir o exato sentido de uma disposição contratual, faz-se mister, em primeiro lugar, verificar qual a intenção comum dos contratantes. Esta é, teoricamente, a finalidade da exegese. Daí a regra básica, consagrada pela generalidade dos Códigos, entre os quais o nosso, cujo art. 112 dispõe: [...] Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas

consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.” (Direito civil: dos contratos e das declarações

em tal hipótese haverá aumento do patrimônio líquido do solvens. Por outro lado, no que diz respeito ao credor, quando o valor da prestação for superior ao originariamente convencionado, a diferença constituirá receita; mas apenas esta, uma vez que, sendo igual o valor ou não havendo fixação de preço, tem-se apenas um ato jurídico de extinção do crédito já contabilizado pelo regime de competência330.

Na novação, por outro lado, a identificação da ocorrência de incremento patrimonial torna-se ainda mais complexa. Dá-se novação pela constituição de uma nova obrigação em substituição a uma antiga, que fica, a partir de então, extinta na forma da legislação civil (art. 360). Pode ser de natureza objetiva ou real, quando há alteração do objeto originário; subjetiva, na hipótese de mudança nos sujeitos ativo ou passivo da relação jurídica. Esta última, por sua vez, ocorre quando o devedor, com o consentimento do credor, indica terceira pessoa para saldar sua dívida (delegação) ou quando esta assume o débito, sem a ciência do devedor, mas com a aquiescência do credor (expromissão)331.

Tratando-se de novação objetiva, quando o valor da obrigação constituída for superior ao da substituída, não há incremento ao patrimônio líquido do devedor originário, porque o mesmo ato que extingue gera uma nova obrigação pendente de cumprimento, o que também ocorre na novação subjetiva ativa, apesar da alteração do credor. Apenas na hipótese de novação subjetiva passiva com desoneração total do devedor originário, haveria receita, uma vez que o devedor passa a ser outro.

Tampouco haverá incremento patrimonial na compensação (art. 368) e na confusão (art. 381), porque em ambas a extinção de dívida decorre da perda de um direito de crédito de valor equivalente. Assim, nenhuma destas modalidades extintivas altera o patrimônio líquido do devedor.

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O regime de competência será oportunamente analisado. 331

Nota-se, portanto, que receita apresenta um conteúdo jurídico que em nada e por nada se aproxima do previsto no art. 1.º, § 1.º, da Lei Federal n.° 10.833/2003. Antes de simples entrada de caixa, como decorre de preceitos constitucionais (art. 212, § 1.º) e de direito privado (Lei Federal n.º 6.404/1976, art. 187, I, II, IV e § 1º, “a”), a receita constitui um ingresso de soma em dinheiro ou qualquer outro bem ou direito susceptível de apreciação pecuniária decorrente de ato, fato ou negócio jurídico apto a gerar alteração positiva do patrimônio líquido da pessoa jurídica que a aufere, sem reservas, condicionamentos ou correspondências no passivo. Trata-se de incremento patrimonial isoladamente considerado, inconfundível com o conceito de renda, que constitui um acréscimo relativo, pressupondo a periodicidade e a comparação com um estado patrimonial anterior, deduzidos os prejuízos anteriores, despesas e custos.