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Regime previsto na Lei Federal n.º 10.833/2003

PARTE II COFINS INCIDENTE SOBRE A RECEITA BRUTA

1.3 Histórico das alterações legislativas

1.3.3 Regime previsto na Lei Federal n.º 10.833/2003

Com a promulgação da Lei Federal n.º 10.833, de 29 de dezembro de 2003, que resultou da conversão da Medida Provisória n.º 135, de 30 de outubro de 2003, o regime jurídico da Cofins sofreu nova modificação. Foi instituída a disciplina legal da Cofins não-

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Segundo tem entendido o Supremo Tribunal Federal: a “alegação de ofensa indireta à Constituição não dá margem ao cabimento do recurso extraordinário.” (AgRgAg n.º 210550-7/MG. 1.ª T. Rel. Min. Moreira Alves. DJU 26/6/1998, p. 5). “Não cabe ver ofensa, por via reflexa, a normas constitucionais, aos fins do recurso extraordinário. 3. Se, para dar pela vulneração de regra constitucional, mister se faz, por primeiro, verificar da negativa de vigência de norma infraconstitucional, esta última é o que conta, para os efeitos do art. 102, III, a, da Lei Maior. 4. Falta de prequestionamento do dispositivo constitucional tido como violado. 5. Agravo regimental desprovido.” (AgRgAg n.º 26090-4/RJ. 2.ª T. Rel. Min. Néri da Silveira. DJU 4/8/2000, p. 18. No mesmo sentido: AgRgAg n.º 23744-3/SC. 2.ª T. Rel. Min. Néri da Silveira. DJU 24/9/1999, p. 32; ADinMc 1372/RJ, Rel. Min. Celso de Mello. DJU 17/11/1995; ADinMc 1347/DF. Rel. Min. Celso de Mello. DJU 1.º/12/1995.

cumulativa, nos termos do art. 195, § 12, da Constituição Federal275. Esta, no entanto, ficou restrita aos contribuintes não submetidos à cobrança na forma da legislação anterior, definidos expressamente pela legislação (art. 10). Em razão disso, ao lado da Cofins não- cumulativa, tem-se uma Cofins cumulativa, uma Cofins de incidência monofásica e, desde 29 de janeiro de 2004, com a edição da Medida Provisória n.º 164, uma Cofins incidente sobre a importação de bens ou serviços, atualmente regida pela Lei Federal n.º 10.865, de 30 de abril de 2004.

O quadro em análise novamente traz à colação o problema da possibilidade de instituição de tributo através de medida provisória, que, como se viu, é inconstitucional, mesmo depois da Emenda Constitucional n.º 32/2001, por incompatibilidade com o princípio da estrita legalidade tributária. Ademais, ainda que assim não fosse, há um segundo fator a ser considerado. No caso específico da Cofins não-cumulativa, a Medida Provisória n.º 135/2003, ao instituir um tributo previsto em dispositivo constitucional alterado pela Emenda n.° 20, de 1998 (art. 195, I, “b”), violou o art. 246 da Lei Maior, que veda a sua edição na regulamentação de artigo com redação modificada entre 1.º de janeiro de 1995 e 11 de setembro de 2001. Portanto, não há dúvidas acerca da inconstitucionalidade deste ato normativo276.

Resta saber, no entanto, se este vício alcança a Lei Federal n.º 10.833/2003, hipótese na qual toda a nova sistemática da Cofins não-cumulativa seria inconstitucional.

Entre nós, a doutrina majoritária entende que a inconstitucionalidade da medida provisória contamina a respectiva lei de conversão. Esta, por outro lado, não poderia ser considerada uma lei ordinária autônoma, por absoluta incompatibilidade entre o

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“§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19/12/2003).”

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Cf., a respeito: LIMA, Maria Ednalva de. PIS e Cofins - Base de cálculo: exclusão dos valores transferidos para outras pessoas jurídicas. Revista Dialética de Direito Tributário n.º 75, p. 146 e ss.; MELO, José Eduardo Soares de. As contribuições sociais e o descabimento de medida provisória para regular emenda constitucional, em face do art. 246 da CF. Revista Dialética de Direito Tributário n. 44, p. 93 e ss.; NETTO, Domingos Franciulli. Cofins..., op. cit., p. 88.

procedimento de aprovação e o procedimento legislativo ordinário277. Apesar disso, admite-se a possibilidade de apresentação de emendas parlamentares ao projeto de conversão, em posição claramente contraditória. De fato, não há como acolher sem questionamentos a opinião de respeitáveis autores que, de um lado, para justificar o cabimento de emendas, sustentam que se deve “[...] considerar as leis de conversão como decorrentes de um procedimento normal de atuação legislativa”. De outro, porém, considerando que “a lei de conversão decorre de procedimento anômalo”, entendem que desafiaria “pronto juízo de censura” a “[...] falsa idéia segundo a qual, convertida em lei ordinária, estará suprido eventual vício maculador da medida provisória”278.

Na verdade, há duas situações que precisam ser claramente diferenciadas. A primeira consiste em saber se a inconstitucionalidade da medida provisória, pela conversão em lei, pode ser sanada pelo Congresso Nacional. A segunda diz respeito ao problema da extensão da inconstitucionalidade da medida provisória à respectiva lei de conversão. No primeiro caso, o entendimento majoritário não reclama qualquer reparo. O vício inicial, com efeito, jamais poderá ser convalidado pela lei de conversão, uma vez que o Congresso não pode suprir a ausência de pressupostos constitucionais autorizadores (relevância e urgência) nem tampouco ignorar as hipóteses em que a Lei Maior veda a edição deste ato normativo (art. 62, § 1.º, e art. 246). Admitir a convalidação do vício equivale a conferir ao Congresso a autoridade para afastar retroativamente a aplicabilidade das limitações

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CLÈVE, Medidas..., op. cit., p. 133; ATALIBA, Geraldo. O decreto-lei na Constituição de 1967. São Paulo: RT, 1967, p. 30; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Perfil constitucional das medidas provisórias.

Revista de Direito Público n. 95, p. 32; GRECO, Marco Aurélio. Medidas Provisórias. São Paulo: RT, 1991,

p. 46; TROIANELLI, Gabriel Lacerda. A inconstitucionalidade da criação da Cofins não-cumulativa por medida provisória decorrente da falta de urgência. In: PEIXOTO; FISCHER (Coord.). PIS-Cofins..., op. cit., p. 346; FISCHER, op. cit., p. 114.

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CLÈVE, Medidas..., op. cit., p. 129 e 134. O autor, em última análise, entende que “p...] o procedimento de conversão não se confunde com o ordinário de produção legislativa. A lei de conversão não pode, por isso, ser considerada um modo normal de manifestação do Congresso Nacional. Deste fato emergem importantes conseqüências jurídicas, inclusive a permanência, na lei decorrente, do vício maculador presente na medida provisória que lhe deu origem.” (Ibid., p. 133).

materiais e formais à edição de medidas provisórias previstas em texto normativo de hierarquia superior à lei de conversão.

A impossibilidade de convalidação, porém, não implica necessariamente a inconstitucionalidade da lei de conversão. Esta resulta da manifestação de uma vontade política autônoma, traduzida na confirmação expressa do conteúdo da medida provisória pelo órgão competente para legislar sem as vedações previstas no arts. 62, § 1.°, e 246, da Constituição. Além disso, a objeção da incompatibilidade entre os procedimentos não pode mais ser invocada após a Emenda Constitucional n.° 32/2001. Com a promulgação desta, o procedimento de conversão, embora ainda apresente algumas particularidades (art. 62, § 9.º), aproximou-se bastante do procedimento legislativo ordinário.

Os projetos, com efeito, passaram a demandar expressamente a sanção ou o veto do Presidente da República (art. 62, § 12). A deliberação não é mais unicameral, conforme previsto na Resolução n.° 1-1989-CN, devendo ser apreciados em sessões separadas das Casas do Congresso Nacional, com início na Câmara dos Deputados (art. 62, § 8.º), a exemplo dos projetos de lei de iniciativa do Poder Executivo (art. 64). A única particularidade diz respeito às medidas provisórias versando sobre matéria reservada à lei complementar. Em tal hipótese, a lei de conversão, por estar sujeita ao quorum de maioria simples, seria incompatível com o art. 69 da Lei Maior, que, como se sabe, submete as leis complementares a um quorum qualificado de maioria absoluta.

Portanto, deve ser revisto o entendimento majoritário. Nada justifica aplicar à lei convertida pressupostos autorizadores (relevância e urgência) e hipóteses de vedação (art. 62, § 1.º, e art. 246) que se dirigem especificamente à medida provisória. A aprovação do projeto de lei de conversão representa a assunção da anterior intenção legislativa pelo órgão legitimado279. Não se pode simplesmente desconsiderar a decisão positiva

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O mesmo entendimento tem sido acolhido no direito comparado. O Tribunal Constitucional de Portugal – assentado em pressupostos jurídico-positivo distintos, mas perfeitamente aplicáveis ao direito brasileiro

confirmatória do Congresso Nacional. A extensão da inconstitucionalidade da medida provisória à respectiva lei de conversão somente seria possível diante de uma relação de interdependência entre os atos normativos. Esta, porém, não ocorre, porquanto a lei convertida não retira seu fundamento de validade da medida provisória da qual resultou, mas diretamente do texto constitucional. Além disso, a declaração de inconstitucionalidade de ambos também viola o princípio da conservação dos atos normativos, pelo qual estes não deverão ser declarados inconstitucionais quando, observados seus fins, puderem ser interpretados conforme a Constituição280.

O entendimento aqui exposto, rejeitado ao tempo do texto constitucional de 1967281, passou a ser acolhido pelo Supremo Tribunal Federal após a Constituição Federal de 1988, quando afastou, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 1.417- 0/DF, tese sustentada pelo Ministro Marco Aurélio de que “[...] o vício inicial contamina a

lei de conversão, mesmo porque sabemos que há uma diferença substancial entre a aprovação de uma lei via tramitação de projeto, no sistema bicameral, e a aprovação de medida provisória para a conversão no sistema unicameral”282.

porque se mostra muito menos rígido (cabe à Assembléia da República apenas a recusa formal de ratificação ou a ratificação com emendas, através de um procedimento legislativo específico iniciado com a apresentação de propostas de alteração ao decreto-lei) – tem entendido que: “[...] sempre será necessário ressalvar, pelo menos, a hipótese de a lei de alterações reproduzir as normas organicamente inconstitucionais do decreto-lei submetido à sua apreciação. Em tal caso, é inegável que a Assembleia da República assume ou adopta tais normas como suas ao mantê-las inalteradas de forma expressa e inequívoca. E, assim sendo, tais normas não podem mais ser arguidas de organicamente inconstitucionais, até porque se verifica, quanto a elas, uma novação da respectiva fonte. [...] Assim sendo, não se vê como se possa sustentar que seja possível continuar a invocar a inconstitucionalidade orgânica de uma tal norma depois da entrada em vigor da lei de alteração. Essa tese só poderia, com efeito, assentar em argumentos de puro formalismo jurídico, inteiramente artificial e completamente desligado da razão de ser da atribuição constitucional de uma reserva de competência legislativa ao Parlamento: é que, por essa via, se iria contrariar frontalmente a vontade política desse mesmo Parlamento, já inequivocamente manifestada.” (Acórdão n.° 563/2003. Processo n.° 578/98. Plenário. Rel. Conselheiro Bravo Serra. Diário da República -I Série - A n.° 122, de 25 de Maio de 2004, p. 3295 e ss.).

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CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1991, p. 229-230. 281

RE 62739/SP. Rel. Min. ALIOMAR BALEEIRO. DJU 20/12/1967. 282

ADIn 1.417-0/DF. Rel. Min. Octavio Gallotti. DJU 23/3/2001. Grifamos. Prevaleceu entendimento do Ministro Nelson Jobim, no seguinte sentido: “Na técnica legislativa do Congresso Nacional, na hipótese de uma aprovação do texto da medida provisória sem a conversão em lei, ela não é uma lei de conversão e é promulgada pelo Presidente do Congresso Nacional e não pelo Presidente da República. Como não se pode suprimir o direito de emenda do Parlamentar, havendo emendas oferecidas à medida provisória é que virtualmente se faz um projeto de lei de conversão, que tem que ter a sanção do Presidente da República,

Por fim, deve-se ter presente que, assim como na conversão parcial, a lei de conversão confirmatória da medida provisória editada sem a observância dos pressupostos autorizadores ou em hipóteses vedadas pelo texto constitucional somente produz efeitos ex

nunc. Afasta-se o reconhecimento de efeitos retroativos, diante da impossibilidade de

convalidação do vício inicial pelo Congresso Nacional.

Portanto, o vício formal da Medida Provisória n.º 135/2003, que tornou indevido o pagamento da Cofins não-cumulativa durante o período em que esteve vigente, não alcança a Lei Federal n.º 10.833/2003. Esta subsiste como ato normativo autônomo, sem vinculação obrigatória com o primeiro, produzindo efeitos a partir de sua promulgação, respeitada a regra da anterioridade nonagesimal (art. 195, § 6.º).

2 CRITÉRIO MATERIAL