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História da arte como «ponto de encontro fundamental »

Globalizações, Passado e Presente

2. História da arte como «ponto de encontro fundamental »

«Sempre que a arte acontece, a saber, quando há um princípio, produz-se na história um choque (Stoss), a história começa ou recomeça de novo. História não quer dizer o desenrolar de quaisquer factos no tempo, por mais importantes que sejam. História é o despertar de um povo para a sua tarefa, como inserção no que lhe está dado.» (HEIDEGGER, 2009: 62).

A perspetiva globalizante da História da Arte revela-se, quanto a nós, como particularmente pertinente num debate desta natu- reza. Ao promover uma discussão interdisciplinar e uma análi- se integrada da obra de arte, esta disciplina traduz-se como um «ponto de encontro fundamental» (SERRÃO, 2009: 1). Assiste-se atualmente a uma renovação de metodologias e tecnologias da perceção e a «novas consciências éticas na correlação de tarefas» (SERRÃO, 2012: 7). Estas conquistas da globalização – revestidas de uma visão amadurecida do património – promovem o auto-

conhecimento dos patrimónios regionais e o reforço dos olhares micro-artísticos (SERRÃO, 2012: 4).

Se é certo que podemos ler as obras de arte – neste caso especí- fico, as obras de arquitetura – como testemunhos de memória e identidade (JORGE, 2013), é importante termos em mente a sua condição de historicidade (OLIVEIRA, 2004: 18). Fernando Távo- ra chama-nos a atenção para a forma como devemos olhar para o passado: «a história vale na medida em que pode resolver os problemas do presente e na medida em que se torna um auxiliar e não uma obsessão» (TÁVORA, 1992: 103).

Do passado podemos retirar importantes lições. Uma visão his- tórica do processo de globalização permitir-nos-á estabelecer importantes paralelismos com o mundo contemporâneo. «Aí [no pretérito] descobrimos mecanismos com objetivos idênti- cos destinados à apreensão do mundo, à multiplicação do conhe- cimento em rede, para afirmação de interesses pretensamente superiores, fossem militares, económicos e mercantis, ou valores religiosos» (SERRÃO, 2012: 9).

A leitura do passado e da história deverá ser encarada como facto mental, conceptual e não como representação mimética da passa- gem do tempo. O exame desse fenómeno (bem estudado por Claude- -Gilbert) permite-nos encontrar «em singular cotejo com a realidade global do novo milénio, (…) idênticos pressupostos de acção entre a realidade dos séculos XV-XVI e a do dealbar do XXI no uso e confi- guração de uma dimensão estética» (SERRÃO, 2012: 9).

Este é um dos fundamentos que nos permite tomar este método de conhecimento como imprescindível para estudar as invarian- tes de uma arquitetura portuguesa ou de uma matriz de constru- ção nacional.

Outra das faculdades da História da Arte é a possibilidade de esta- belecer novas leituras e novos pontos de ancoragem. «Aprendi de há muito em autores como Giulio Cargo Argan (‘a cultura estru- turalmente historicista pode renovar-se se souber reformular as suas metodologias e tecnologias de perceção’)» (SERRÃO, 2012: 2-3). A transmissão de conhecimento, elemento chave nesta dis- cussão, permite que os temas abordados se revelem pertinentes

para o debate contemporâneo. É-nos permitida a revisitação estética constante, promovendo-se a própria renovação de con- ceitos, fundamentos e campos e limites de análise.

«A contribuição particular do historiador consiste na descoberta das múltiplas formas do tempo. O objectivo do historiador, seja qual for a sua especialização, é retratar o tempo.» (KUBLER, 1991: 26). 3. Globalização: Universal e Particular

A utilização do termo globalização de forma mais constante tem início na década de 80 do século XX (intensificando-se nos anos 90), fruto do debate originado por profundas alterações nas estruturas económica, política e social do mundo ocidental (HOBSBAWN, 1995). A origem do termo é recente mas refere-se a um fenómeno antigo (SOBRAL, 2004). Como foi já anteriormente exposto, vários investigadores partilham a ideia de que as via- gens efetuadas pelos navegadores portugueses entre os séculos XV e XVI se constituem como a primeira globalização. Há, por vezes, uma visão pessimista associada a este fenómeno. Várias vozes se têm erguido em sua defesa, traduzindo novos pontos de vista.

«O universalismo, do qual Portugal se orgulha de ter sido pioneiro, não é confundível com a massificação uniformizadora. Pelo contrário! Pressupõe a unidade na riqueza da diversidade humana, que se expressa em todas as formas de criação e vivência cultural: das línguas à gastronomia, das artes à filosofia.» (SAMPAIO, 2003: 19). Em Portugal, tal como noutros países, a questão impõe-se em duas diferentes perspetivas. Sendo essencial entender o nos- so enquadramento na realidade da Europa e do Mediterrâneo, impõe-se também perceber de que forma este enquadramento lhe permitiu desenvolver uma resposta única e particular. «O autoconhecimento dos patrimónios regionais, o reforço dos olhares micro-artísticos, a redefinição de ‘vanguardas periféricas’, a valorização generalizada das produções artísticas coloniais e pós-coloniais e o alargamento das práticas pluridisciplinares enriqueceram, reconheçamo-lo, o mundo das artes e os seus propósitos.» (SERRÃO, 2012:1).

Se, por um lado a abertura a modos alternativos de pensamento e consciencialização relativamente à pluralidade e à diferença se constituem como preciosos testemunhos de progresso e eman- cipação humana, há que salvaguardar, da mesma forma, «(…) o direito elementar dos povos e comunidades à redescoberta e pro- teção das suas raízes e marcas identitárias próprias» (SAMPAIO, 2003: 19).

Os esforços deverão ser concentrados no sentido de conhecer, promover e valorizar o panorama artístico das ditas periferias e optar pela utilização de novos métodos e estratégias de conhe- cimento, pesquisa e investigação. Existem presentemente novos e renovados desafios que passam pelo indeclinável alargamen- to do campo e da tipologia do objeto de análise, bem como pelo recurso indispensável a novas lógicas de abordagem. Não quer isto dizer que os métodos e perspetivas que pertencem ao âma- go da disciplina, tal como se foi pensando e materializando nos últimos cento e cinquenta anos, não permaneçam válidos e ope- rativos (MACHADO, 2008). Trata-se, sim, de verter para a disci- plina conquistas da globalização (SERRÃO, 2012: 3).