• Nenhum resultado encontrado

Direito do mar: internacionalização do direito europeu ou europeização

1. Notas Introdutórias

“E assim, de um momento para o outro, o mar estava em todo o lado.”

Simon Winchester

O direito internacional ainda é visto por muitos como uma rea- lidade distante e até mesmo confusa. Não é mentira dizer que, grande parte das vezes, ainda o vemos como uma ordem jurídica intocável ou até inatingível, mas a verdade é que estas caracterís- ticas, hoje e no futuro, terão forçosamente que lhe deixar de ser atribuídas.

No nosso quotidiano já encontramos diariamente provas que contrariam esta tendência e que nos obrigam a pensar o mun- do e o direito de um modo global e já não local. Como escreveu, recentemente, DANTAS RODRIGUES18: “Se mais argumentos não

houvesse a seu favor, a cimeira de Paris chegaria para, no mínimo, qualificar de indiscutível a importância do Direito Internacional.” Na verdade, a cimeira de Paris consagra o “primeiro e histórico acordo mundial, legalmente vinculativo, que visa conter o aqueci- mento global, aprovado, no passado dia 12 de dezembro em Paris, em plena Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas e no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudan- ça do Clima.” E é analisando momentos históricos como este aqui referido que poderemos perceber a importância do direito inter- nacional.

Na verdade, o direito internacional esteve sempre presente na nossa história, desde as invulneráveis legiões romanas à extraor- dinária expansão de Carlos V, à influência lusitana na conquista dos mares e aos triunfos bélicos dos exércitos napoleónicos.19

Dúvidas também não restam que foi o fim da 2ª Guerra Mundial e o começo da Guerra Fria que impulsionaram ainda mais o seu desenvolvimento. Mas mais do que constatar esta presença, que ao longo dos séculos se foi tornando cada vez mais forte, importa perceber a sua importância. Numa palavra, porque é

18 In Público, https:// www.publico.pt/ mundo/noticia/-a- importancia-do-direito- internacional-1721195. 19 VASCONCELOS COSTA, A importância do direito internacional público, http:// www.direito.ufmg. br/revista/index. php/revista/article/ viewFile/844/788.

que é importante existir e desenvolver-se o direito de uma forma global? Porque é que é importante estudar o direito internacional? Voltando ao exemplo da cimeira de Paris, a resposta torna-se óbvia: para problemas globais, temos que pensar globalmente. Na verdade, “[a]s mudanças climáticas decorrem do aumento dos níveis de emissão de gases de efeito de estufa na atmosfera, aumento esse resultante do nosso modelo industrial, que é, como se sabe, um modelo que essencialmente radica nos séculos XIX e XX e que, não obstante os aperfeiçoamentos entretanto introduzidos, em tudo se respalda num aproveitamento prolongado da energia fóssil, na queima de florestas, na agricultura e na pecuária.”20 E

matérias como o aquecimento global requerem, pela dimensão que assumem, uma coordenação internacional, sob pena de os esforços dos Estados, a nível regional, nacional ou local, se torna- rem completamente ineficientes ou até inúteis. Refletindo sobre este ponto, ficou claro nesta referida cimeira que a única forma de combater, de modo eficaz e efetivo, a poluição que afeta o nos- so planeta é através de uma politica internacional que reconheça diferentes papéis aos Estados21, e os coordene entre si.

E é neste momento que entra o direito. Na positivação da von- tade dos Estados e, mais tarde, na interpretação, execução e fis- calização do cumprimento das obrigações a que os mesmos se vincularam.

Mas falar de alterações climáticas é apenas um ponto de parti- da. Outras matérias têm obrigatoriamente que ser pensadas num patamar para além do nacional ou regional, nomeadamente as questões militares, de segurança, de pobreza, etc. E nestes casos, essa necessidade já é amplamente reconhecida. Não obstante, há outros assuntos que, apesar de só agora começarem a ser estu- dados mais aprofundadamente, também só poderão ser geridos internacionalmente, como é o caso de um dos recursos naturais mais valiosos do nosso planeta: o mar.

Ao longo dos séculos o mar tem desempenhado um papel cru- cial no desenvolvimento da humanidade e muitas foram as cidades que cresceram em redor dos seus portos marítimos. Na verdade, existe um conjunto muito diversificado de atividades económicas relacionadas direta ou indiretamente com o mar e

20 DANTAS RODRIGUES, cit.

21 DANTAS RODRIGUES, cit. “O Direito

Internacional encerra os mesmos fundamentos e razão do restante Direito: contém, entre outras disposições, uma estrutura normativa com preocupações éticas, que convive em permanente tensão dialéctica entre os valores universais da justiça e da segurança, e procura a coordenação entre os interesses dos Estados, para que nem sempre a lei do mais forte prevaleça. Ora, em Paris, isso foi alcançado, com o reconhecimento de que países desenvolvidos devem ser tratados de forma diversa daquela com que são tratados países em vias de desenvolvimento, tudo em nome da equidade de procedimentos entre as partes signatárias e de molde a respeitar as suas particularidades. Os países mais ricos comprometeram-se a criar um fundo de fluxos financeiros consistentes, no valor mínimo de 100 mil milhões de dólares, a fim de fomentarem a adaptação dos países em desenvolvimento à redução da emissão dos gases de efeito de estufa.”

a costa marítima, que fazem com que ainda hoje muitas cidades dele dependam. As principais são, sem dúvida, a pesca, os trans- portes marítimos, a construção e a reparação naval. A estas ati- vidades juntam-se outras cuja localização próxima do mar lhes é extremamente benéfica, como é o caso do turismo. Todas elas transformam o mar num recurso natural atraente, sobretudo para os Estados costeiros que são quem mais facilmente o podem explorar. E têm os Estados direitos sobre o mar e a sua explora- ção? A resposta é, como sabemos, afirmativa. Na verdade, é facto assente que atualmente o mar se encontra delimitado por várias zonas: plataforma continental, águas territoriais, Zona Econó- mica Exclusiva (ZEE). E cada uma das zonas atribui, ao país em questão, determinado tipo de direitos de exploração, gestão e até investigação do espaço marinho. Atendendo à riqueza económi- ca que lhe é inerente e à complexidade da própria exploração e gestão marítimas, naturalmente poderão surgir conflitos entre os Estados. Resta saber quem dirime estes conflitos e por que ordem jurídico-normativa devem os Estados reger-se nestas matérias. Já vimos que uma política nacional a este respeito é insuficien- te. Bastará então uma política regional ou terá que ser mesmo internacional?

Por exemplo, Portugal, um Estado costeiro, deve regular as suas pescas e a restante exploração marítima por conformidade a que direito? Atendendo ao direito internacional, uma vez que o mar é um recurso natural mundial e que implica, por isso, uma gestão e cooperação global entre todos os países? Ou atendendo ao direito europeu em virtude do princípio do primado da União Europeia? E havendo instrumentos convencionais, legislativos ou jurispru- denciais internacionais e europeus, quais devem prevalecer? Esta é a questão que vamos abordar de modo a perceber se, em matéria de direito marítimo, deve prevalecer a construção de um direito administrativo global ou, pelo contrário, um direito mais sectorial (ou, como diria Mark Janis, na defesa de um direito europeu marítimo regional como elemento intermédio essencial entre o direito marítimo global e as jurisdições nacionais, “um direito para os mares europeus”).

22 FERNANDO LOUREIRO BASTOS, O Direito Internacional do Mar e os Poderes dos Estados Costeiros, in

Direito Administrativo do Mar, RUI GUERRA DA

FONSECA E MIGUEL ASSIS RAIMUNDO (coord.), Almedina, 2014, p.15. 23 Tem como objetivos proporcionar mecanismos de cooperação entre os governos no campo da regulamentação e práticas relacionadas com assuntos técnicos que interessem à navegação comercial internacional, para incentivar e facilitar a adoção geral dos mais altos padrões possíveis em matéria de segurança marítima, de eficiência de navegação e de prevenção e controlo da poluição marinha causada por navios. A Organização também está habilitada a tratar de assuntos administrativos e judiciais relacionados com estes propósitos.

24 Ex. International

Convention for the Prevention of Pollution from Ships em 1973,

alterada mais tarde pelo Protocolo de 1978 (MARPOL 73/78). 25 Ex. International Mobile Satellite Organization (IMSO). 26 Situadas no interior das linhas de base

2. Evolução histórica da legislação marítima internacional