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Turismo backpacker: um fenómeno moderno,

os antituristas na era da híper-mobilidade Márcio Ribeiro Martins

2. Turismo backpacker: um fenómeno moderno,

complexo e heterogéneo

Uma das atuais tendências com grande impacto na atividade turística é o aumento do número de jovens que viaja anual- mente. Em 2010, registaram-se, em todo o mundo, 190 milhões de viagens internacionais entre os mais jovens, gerando recei- tas de 165 mil milhões de US$ (UNWTO & WYSE Travel Confe- deration, 2010).

Dentro do mercado turístico mais jovem, os turistas backpa- ckers têm registado um grande crescimento, despertando a atenção de vários investigadores devido à sua heterogeneidade e complexidade (Sørensen, 2003), à sua importância social e económica (Loker-Murphy & Pearce, 1995; Hampton, 1998; Scheyvens, 2002; Ooi & Laing, 2010; Rogerson, 2011), devido às suas características culturais e etnográficas (Anderskov, 2002; Scheyvens, 2002; Sørensen, 2003) e ainda pelas características do tipo de alojamento onde habitualmente se hospedam, desig- nado por hostel (Amblee, 2015; Becken, Becken, Mahon, Rennie & Shakeela, 2013; Chitty, Ward & Chua, 2007; Musa & Thiru- moorthi, 2011; Nash, Thyne & Davies, 2006; Oliveira-Brochado & Gameiro, 2013).

O desenvolvimento das redes e meios de transporte, o adven- to das companhias aéreas low-cost e dos alojamentos de preços reduzidos, como os hostels, são habitualmente referidos como tendo dado o contributo mais importante para a atual mobi- lidade dos backpackers (Richards & Wilson, 2004) um pouco por todo o mundo. No entanto, o desenvolvimento das tecno- logias de informação e comunicação (computadores portáteis, internet, e-mail, telemóveis/smartphones), o aumento da clas- se média e do número de jovens com recursos financeiros para viajar, a crescente popularidade das viagens independentes, a massificação das agências e guias de viagem (travelguides) como o Lonely Planet, a representação do backpacking na cultura pop, a popularidade do gap year e dos programas de intercâmbio escolar e universitário (Erasmus+, entre outros) também têm desempenhado um papel fundamental na sua mobilidade e na difusão de informação, elemento central na cultura backpacker (O’Regan, 2010a; Paris, 2010), (Anexo II).

100 Como os estudos mais prolongados são cada vez mais frequentes, muitos estudantes em todo o mundo procuram fazer a totalidade ou apenas uma parte de licenciaturas, mestrados, doutoramentos e pós- doutoramentos ao abrigo de programas de mobilidade como o conhecido ERASMUS+ na União Europeia ou o “University Mobility in Asia and the Pacific” (UMAP) na Ásia

e Pacífico. Um grande número destes alunos acaba por viajar pelo país de acolhimento e/ ou pelos países vizinhos durante as pausas letivas – study backpacker. De acordo com o sítio oficial http://ec.europa. eu/programmes/ erasmus-plus/ mais de 3 milhões de estudantes universitários europeus realizaram o programa Erasmus entre 1987 e 2013. Com um orçamento de quase 15 mil milhões de Euros, o atual programa Erasmus+ irá financiar oportunidades de mobilidade a mais de 4 milhões de europeus até 2020, dos quais 2 milhões correspondem a alunos do ensino superior.

O turismo backpacker é um fenómeno relativamente recente, mas a sua progressiva heterogeneidade tem dificultado qualquer tentativa de operacionalizar uma definição que inclua todos os aspetos do turismo backpacker e que, simultaneamente, possa abranger todos os subsegmentos identificados, já que as mudan- ças dos estilos de vida e o aumento da longevidade, entre outros, têm contribuído para inviabilizar qualquer tentativa de balizar este segmento numa determinada faixa etária100 (Richards &

King, 2003).

Desde os viajantes drifter de Cohen (1972) e dos wanderers de Vogt (1976), o conceito de backpacker tem-se distanciado da noção “hippy” e por conseguinte do movimento contracultu- ra dos anos 1960, centrado nas transformações da consciên- cia, valores, comportamentos e na busca de outros espaços e formas de expressão101. O termo budget travellers aparece

pela primeira vez no trabalho de Riley (1988), que classifica estes turistas como instruídos, pertencentes à classe média europeia, solteiros, que viajam sozinhos e preocupados com o seu orçamento reduzido. Mais recentemente, o termo mais utilizado para designar este segmento de turistas passou a ser backpackers (Hampton, 1998; Loker-Murphy & Pearce, 1995; A. Reichel, Fuchs & Uriely, 2007; Richards & Wilson, 2004; Rogerson, 2007a; Scheyvens, 2002; Tourism Research Austra- lia, 2009), definidos como turistas predominantemente jovens que viajam com mochilas às costas, com um orçamento diário reduzido e com preferência por alojamentos económicos e iti- nerários informais e flexíveis (Pearce, 1990, citado por Ooi & Laing, 2010), com tendência para viajarem distâncias maiores e procurarem lugares e experiências mais invulgares (Haigh, 1995, citado por Scheyvens, 2002), privilegiando a autentici- dade e o contacto com os locais (Eadington & Smith, 1992, cita- do por Maoz, 2006).

101 Hoje em dia, muitos jovens continuam a encontrar no backpacking uma forma de reação à alienação da sociedade moderna, à progressiva homogeneização das culturas e à oferta de produtos e serviços globais criados por empresas multinacionais.

Figura 1. Subsegmentos dos turistas backpacker

Fonte: construção do autor.

Modo de turismo complexo e multifacetado (Sørensen, 2003), é evidente a falta de consenso entre os investigadores sobre o atual conceito de backpacker (Ooi & Laing, 2010). Devido à sua “tendência para a apropriação coletiva de lugares e à construção de identidades baseadas num variado conjunto de estilos, atitu- des e modelos de consumo” são também designados por “neo-tri- bes” (Gibson & Connell, 2003) ou “nómadas globais” (Richards & Wilson, 2004). Na China são também conhecidos por “donkey friends”, coincidindo etariamente com a conhecida “Geração Y” (Chen & Weiler, 2014), enquanto no Brasil são conhecidos como “duristas” e “farofeiros” (Wunder, 2000), como consequência do seu reduzido orçamento de viagem.

Mas, para Sørensen (2003), o termo backpacker é mais um cons- tructo social do que uma definição, e tendo em conta a atual diversidade deste segmento, nomeadamente a duração do tem- po de viagem, torna-se difícil agrupar todos os turistas backpa- cker num só conceito. Sørensen (2003) propõe assim o termo short-term backpacker para designar os viajantes ao estilo back- packer mas com um orçamento temporal limitado ao período de férias disponível, indo de encontro ao conceito flashpacker analisado recentemente no trabalho de Paris (2012), sendo este

Subsegmento

Flashpacker Career Breaker University Gap Traveller Study Backpacker Gap Year Backpacker Party Backpackers Voluntourism Holiday Backpacker Grey Nomad Green Nomad Autor (ano)

Hannam & Diekmann (2010); Paris (2010, 2012); Tourism Victoria (2009) Tourism Victoria (2009) Tourism Victoria (2009) Tourism Victoria (2009) Tourism Victoria (2009) Tourism Victoria (2009) Tourism Victoria (2009) Tourism Victoria (2009) Moscardo et al. (2013); Tourism Victoria (2009) Moscardo et al. (2013); Tourism Victoria (2009)

conceito utilizado para designar os turistas backpacker que, via- jando com as mais recentes tecnologias e por períodos de tem- po mais reduzidos, fazem também uso de um orçamento mais significativo.

Devido à sua complexidade, aos vários subsegmentos que têm sido identificados (fig.1) e à necessidade de se incluir os turis- tas backpacker nas estatísticas oficiais, o Tourism Research Aus- tralia (2009) define o backpacker de forma sucinta e objetiva como “uma pessoa que passa uma ou mais noites num alojamen- to para backpacker ou hostel”. Por procurarem um alojamento de melhor qualidade, aproveitarem para realizar uma pausa na sua carreira profissional ou para praticar um Working Holi- day Making (WHM Visa) alguns turistas deste subsegmento são designados por career breakers (Tourism Victoria, 2009). Consciente das vantagens económicas deste segmento, o Tou- rism Victoria (2009), Austrália, reconhece a existência de vários subsegmentos, tais como: o holiday backpacker, constituído por turistas mais velhos que os habituais backpackers e que usu- fruem de curtos períodos de férias, por vezes repetidas, tendo à disposição mais recursos financeiros; o gap year backpacker, com idades compreendidas entre os 18-19 anos, que se encon- tram a realizar um ano sabático no final do ensino secundário e no qual se incluem os party backpackers e o voluntourism; o uni- versity gap traveller, caracterizado por ter entre 20-24 anos e se encontrar a realizar uma pausa nos estudos universitários ou a comemorar o fim dos estudos superiores; e os study backpackers que, estudando em universidades australianas, viajam durante as pausas letivas.