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O RPG possui muitas definições, mas a maioria converge ao ponto de que se trata de um jogo cooperativo, onde os jogadores interpretam os papéis de seus personagens, em um mundo fictício regido por regras específicas. De acordo com Wizards (2019), a atual desenvolvedora e editora do popular jogo de interpretação Dungeons & Dragons, o RPG é diferente dos jogos de faz de conta, pois possui uma estrutura para contar as histórias e uma maneira de determinar as consequências das ações dos aventureiros. Cutler (2014), autor do RPG ‘Reinos de Ferro’, traz a seguinte definição:

RPG é a sigla para roleplaying game, que em inglês significa “jogo de interpretação”. O RPG é uma experiência narrativa e colaborativa muito divertida e gratificante. Ele acontece na imaginação dos jogadores, e um conjunto de regras fornece a estrutura para a resolução de conflitos. No RPG, um dos participantes assume o papel de mestre, enquanto todos os outros assumem os papéis de personagens no jogo. O mestre constrói uma história para que os outros jogadores vivenciarem (CUTLER, 2014, p. 4).

De acordo com Ewalt (2016), em seu livro “Dados e Homens”, os jogos de RPG têm como raízes os jogos táticos de guerra, que consistiam em jogos similares ao xadrez, porém com tabuleiros e peças para representar terrenos, tropas, embarcações, entre outros. De acordo com o autor, a complexidade dos jogos de guerra fez com se tornasse necessária “a participação de uma terceira pessoa, neutra, para dirigir o jogo e julgar disputas” (EWALT, 2016, p. 52), sendo que este papel posteriormente se torna oficializado como o ‘mestre’ em jogos de interpretação.

Na década de 60, os jogos de tabuleiro com temática de guerra ganham espaço e tendem a pensar novas formas de inovar em jogos de guerra, alguns autores começam a criar os que hoje podemos chamar de “primeiros Roleplays da era moderna” (EWALT, 2016 p. 71). Os jogadores começam a procurar novas formas de jogar estes jogos de guerra, obrigando os desenvolvedores a

pensarem regras e também novos mundos de jogo. De acordo com Ewalt (2016), os jogadores encontravam-se em eventos, trocavam suas histórias e criavam juntos regras e novos enredos, distribuindo de maneira informal por meio de cartas e folhetins a outros jogadores.

O maior e mais famoso jogo de RPG surgiu em 1974, do encontro de dois jovens: Gary Gygax e Dave Arneson. Gygax havia desenvolvido um jogo chamado ‘Chainmail’, que envolvia estratégias de guerra e fantasia medieval. Ambos frequentavam os mesmos eventos de jogos de estratégia, possuíam experiência e conhecimento como mestres de jogos de guerra e, juntos, com as regras do jogo de Gygax e a criação de mundo de Arneson, desenvolveram um novo jogo de estratégia chamado Dungeons e Dragons (D&D) (Figura 08), lançado em 1974 pela Editora TSR (EWALT, 2016).

Figura 08: Capa do Kit básico de Dungeons & Dragons pela editora TSR (1980)

Se tratava de uma caixa em kraft com um livro contendo regras e descrições de castelos, mágicas, tesouros, monstros, labirintos, aventuras, entre outros, e que trazia como subtítulo “Regras para jogos de estratégia medievais e fantásticos, campanhas jogáveis com papel e lápis e miniaturas” (EWALT, 2016, p. 87).

Em 1975, D&D começa a ganhar notoriedade e começa a ser comercializado em outros países. Logo, professores e outros profissionais da educação também percebem a importância do jogo e suas possibilidades na educação:

Os educadores perceberam o benefício dos RPGs rapidamente, no auge do D&D, Gaygax foi convidado para palestrar em convenções e várias escolas promoveram clubes do jogo como atividade extracurricular. Steve Roman, um bibliotecário em DeKalb, no estado americano de Illinois, apresentou por mais de uma década um programa sobre RPGs para jovens e viu os benefícios em primeira mão. “Eu os usava como porta de entrada para programas de leitura e debates literários” conta ele. “Eu falava: ‘Se você realmente gostou disso, deveria ler O

Hobbit.” (EWALT, 2016, p. 148, grifo do autor).

Em 1978, com o lançamento do kit AD&D, o jogo surge com mais força na mídia e se torna, sem sombra de dúvidas, um sucesso de vendas (EWALT, 2016). Em 1982, D&D é citado em um filme de terror e começam as perseguições religiosas, que relacionavam o jogo a espíritos malignos, rumores esses que também acompanharam o lançamento do jogo no Brasil (MOTA, 1996; VASQUES, 2008) e que até hoje, eventualmente, são relembrados.5

Independente das perseguições, dos altos e baixos, o RPG conseguiu espaço, tem superado preconceitos e inspirou outras criações, consolidando-se como uma modalidade de jogo. No Brasil, um dos primeiros RPG’s a serem traduzidos foi GURPS (Figura 09), que se trata de um acróstico a Generic

5

Universal RolePlaying System (JACKSON, 2010), comercializado pela empresa Devir Livraria, em 1991.

Figura 09: Livros “GURPS” e “MINIGURPS”

Fonte: Acervo pessoal

Para popularizar o jogo foram feitas palestras e demonstrações em bibliotecas, escolas públicas e particulares, clubes e outros locais, para que pudessem conversar com potenciais jogadores (QUINTA, 1996). Estes encontros auxiliaram na popularização do RPG no Brasil, sendo uma estratégia da editora para incentivar o diálogo com professores e bibliotecários:

[...] na expectativa de que eles percebessem que aquela era uma atividade que podia ajudá-los, que ela não ia competir com a escola pelo tempo dos garotos e poderia sim ser uma forma de entusiasmá-los com algum assunto específico que fosse do interesse da escola (QUINTA, 1996, p. 226).

As bibliotecas, neste contexto, foram muito importantes e, em São Paulo, foram os primeiros locais a acolher jogadores, visto que na década de 90 a internet ainda era um recurso extremamente

limitado e estes espaços eram referência em pesquisa e consulta para a elaboração de enredos para jogos de RPG:

[...] na medida que precisavam de informação para preparar suas aventuras, os mestres e jogadores passam a usar o acervo da biblioteca: os mapas, as enciclopédias, os livros de história, os romances e as revistas de histórias em quadrinhos são material de referência para eles (QUINTA, 1996, p.226).

Chamados de “mini GURPS” os suprimentos com temas históricos foram amplamente usados em escolas, como por exemplo, “O desafio dos bandeirantes” (KLIMICK, RICON E ANDRADE, 1992), publicado pela Editora GSA (REDERPG, 2012), onde são tratados temas relacionados ao período escravagista no Brasil. Posteriormente, foram lançados outros suplementos, também voltados a temas históricos tais como “O resgate de ‘retirantes’: Uma aventura de RPG pela vida de Cândido Portinari.” (LOURENÇO, 2003), pela Devir Livraria.

Outro importante fomento do RPG no Brasil foi a série animada ‘Caverna do Dragão’ baseada no jogo homônimo (Dungeons & Dragons), transmitida originalmente entre 1983 e 1985 na Rede CBS (Figura 10).

Estreou na televisão Brasileira em 1986 no programa “Xou da Xuxa”, pela Rede Globo, e permaneceu como programação alternada por quase 25 anos. Apesar da série não ser mais veiculada no Brasil, em 2019 inspirou a indústria de carros Renault a apresentar, em horário nobre, um comercial inspirado na animação (ARBULU, 2019) e a empresa Riachuelo a lançar uma linha de produtos exclusivos também inspirados na série (RIACHUELO, 2020). O lançamento de GURPS com ênfase em fatos históricos e a série animada ‘Caverna do Dragão’ incentivaram a tradução para o português do AD&D, em 1995, expandindo ainda mais o público, que até então só tinha acesso ao Dungeons & Dragons em versão inglesa (REDERPG, 2014).

Figura 10: Série animada “Caverna do Dragão”

Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Dungeons_%26_Dragons_(TV_series)

Estes acontecimentos nos auxiliam a pensar em como hoje temos uma comunidade crescente e ativa de jogadores que se manifestam tanto nas redes sociais, como em grupos de apoio a financiamentos coletivos ou produção de mídias especializadas, como em podcasts ou vídeos de gameplays, onde jogadores são gravados e suas experiências são transmitidas, tanto em jogos presenciais como em jogos digitais.

Como representante destes dois últimos, podemos citar, por exemplo, o site Jovem Nerd (2020), que possui em seu site um espaço específico para episódios de podcasts e materiais relacionados a RPG (PAZOS E OTTONI, 2019). Em outubro de 2019 houve também o lançamento da tradução da 5ª edição de D&D, superando as expectativas, tendo o estoque vendido na primeira semana de lançamento, confirmando sua expansão global (VINHA, 2019a).