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Como já mencionado anteriormente, o RPG de mesa foi amplamente divulgado como possibilidade didática no contexto escolar e também como possibilidade terapêutica e formação profissional (EWALT, 2016; SILVANO, 2019).

A escolha nesta pesquisa pelo RPG do tipo “mesa” se trata de uma escolha democrática, pois uma proposta para desenvolvimento de um RPG Eletrônico, por exemplo, demandaria de equipamentos de qualidade, instalação e uso de softwares, muitas das vezes pagos, assistência técnica e profissionais com noções de programação e sabemos que essa não é uma realidade compartilhada pela educação pública brasileira. Brackmann (2017, p. 110), a partir da análise dos dados do MEC/INEP (2017), constata a ausência de importantes recursos tais como internet (44,2%); laboratório de informática (48,8) e energia elétrica (5,5) sem ainda levar em consideração outros fatores tais como:

[...] mau funcionamento e velocidade do link da internet, quantidade de computadores, número de máquinas que se encontram danificadas ou desativadas por algum motivo, instabilidade ou paralisação temporária do serviço da rede elétrica por motivos de força maior ou, ainda, por algum problema burocrático. Essas são situações que são facilmente encontradas ao visitar as escolas. Levando-se em consideração essas intempéries, acredita-se que os indicadores possam ser ainda maiores (BRACKMANN, 2017, p. 110).

No entanto, caso houvesse interesse em uma proposta digital, o RPG eletrônico e o RPG analógico, em seu desenvolvimento, apresentam elementos em comum, visto que fazem parte da mesma classe de jogo. Um bom jogo de RPG de mesa, por exemplo, poderia ser adaptado em contexto eletrônico e vice-versa. Os jogos de RPG de mesa possuem uma boa adaptabilidade e um desenvolvimento semelhante para outros formatos, como livro-jogo e LARP, sendo assim, demonstra uma grande variedade em termos de desenvolvimento. Além disso, esta modalidade contempla uma abrangência potencial apoiada nas múltiplas inteligências e competências dos indivíduos, tais como

inteligência linguística, durante a comunicação verbal e escrita, a inteligência lógica-matemática, mediante operações matemáticas e planificação de fichas, competência espacial a partir do uso de mapas e descrições geográficas, dentre outras competências (BITTENCOURT E GIRAFFA, 2003).

Para jogar RPG de mesa são necessários alguns itens como um livro de regras e dados. Em alguns casos, os jogadores podem utilizar miniaturas, tabuleiros com espaços de deslocamento definidos pelas regras do jogo, diários de campo, entre outros. Geralmente são necessários jogadores para desempenhar papéis, sendo divididos entre mestre e jogador (Figura 16), no entanto, existem muitos jogos de RPG de mesa onde a figura do mestre e do jogador não possuem estes nomes, ou ainda, nem sequer existe um mestre. Nesta dissertação, optamos por detalhar o RPG tradicional de mesa.

Figura 16: Papéis do mestre e do jogador em RPG’s tradicionais

Fonte: CANVA/Produção Autoral

‘mestre de cerimônia’, o responsável pela condução da história e a decisão frente às escolhas dos jogadores, o árbitro frente aos impasses e as dúvidas que surgem durante a partida.

De acordo com Wizards (2014, 2017, 2019), o mestre possui as funções de árbitro, quando é necessária a resolução de uma ação não óbvia; e de narrador, controlando o andamento da história, descrevendo cenários e personagens, apresentando os desafios e os encontros que devem ser superados pelos jogadores e de controlador de monstros, vilões ou outros personagens que não podem ser jogados, como por exemplo, um ferreiro na cidade ou um mercador viajante.

O jogador possui um papel diferente do mestre. É atribuição dele desenvolver o personagem traçando objetivos pessoais e coletivos, e reagindo aos eventos propostos pelo mestre. Também é importante que o jogador interprete seu personagem de acordo com o que foi definido em sua ficha de jogador. Vamos considerar um exemplo, com o uso do livro de RPG Tormenta - Módulo Básico, de Cassaro (2016):

Mestre: Vocês estão caminhando em uma floresta quando de repente avistam uma criatura sangrando entre uns arbustos,

ela se esconde um pouco e faz um som, como se sentisse dor.

Jogador: - Eu sou um druida, sinto que é meu dever ajudá-lo companheiros! Me aproximo e tento descobrir o que houve.

Tento oferecer ajuda, por meio de minha habilidade “empatia selvagem”.

Mestre: O animal recua ainda mais, parece não entender o que você quer! Faça um teste de “diplomacia com animais”.

Neste momento, o jogador faz o teste jogando os dados e utilizando sua ficha de jogador, obtendo sucesso.

Mestre: Ele comunica que perdeu sua mãe e que foi atacado por alguns animais maiores. O que você faz? Jogador: - Vou tentar curá-lo!

Neste momento o jogador usa os dados e faz os cálculos necessários para utilizar a perícia de cura “Primeiros socorros”. Obtendo sucesso.

Mestre: Você percebe que se trata de um Kill’bone, uma espécie de cão selvagem, que possui uma armadura óssea externa.

Você o cura com sucesso e ele começa a lamber sua mão! Que gracinha!

De acordo com Svaldi (2018), o livro básico é um manual que dá instruções ao mestre sobre como criar histórias e aos jogadores sobre como criar personagens. Existem diferentes livros para diferentes temáticas, como ficção científica (por exemplo, cyberpunk ou futurista), humor,

super-heróis, fantasia (por exemplo, fantasia medieval) terror ou genéricos, que se tratam de sistemas e mecânicas abertas, para que se adaptem a qualquer cenário.

Existem livros básicos em um único volume, assim como livros específicos de acordo com sua função ou classe, por exemplo, livro do mestre, livro do jogador, livro de criaturas, livro do guerreiro, etc. Algumas editoras também publicam livros com aventuras e/ou campanhas, com sugestões de enredos para mestres. Geralmente, estes livros apresentam histórias ambientadas em locais pouco ou não explorados nos livros básicos.

Para compreender os elementos desses livros e posteriormente inseri-los no planejamento do modelo de unidade de estudo proposta neste projeto, foram mapeados sete livros básicos: Reinos de Ferro - livro básico (CUTLER, 2014); D&D Guia do mestre (WIZARDS, 2019); D&D Livro do mestre e livro do jogador (WIZARDS, 2014); GURPS Módulo Básico (JACKSON, PUNCH E PULVER), Tormenta - módulo básico (CASSARO, 2016) e Valorem (SASSO, 2018). Esses livros foram escolhidos por se tratarem de publicações em português de livros básicos e, também, pela sua popularidade, sendo ganhadores de premiações (PASSARELI, 2018; JAMBÔ, 2020). Com exceção do GURPS, que descontinuou sua linha brasileira em 2017 (RODRIGUES, 2017) e de Valorem, que se trata de uma pesquisa acadêmica, todos os outros sistemas possuem editoras ativas no Brasil com publicações regulares (SVALDI, 2019; GALÁPAGOS, 2020; TORMENTA, 2020).

Os livros analisados trazem, principalmente, 12 elementos: Introdução, lore, criação de personagem, mecânica de jogo, resumo da mecânica, animais, criaturas e/ou monstros, magia, equipamento, suplementos para o mestre, apêndice, índice remissivo e tabelas e fichas. A tabela apresentada na figura 17 destaca cada um dos elementos presentes nos jogos analisados.

Figura 17: Elementos dos livros de RPG.

Fonte: CANVA/Produção Autoral

Nesses livros encontramos o lore, um termo usado na comunidade de jogadores para designar as informações de um mundo ficcional, como sua estrutura política e religiosa, seu sistema econômico, sua cartografia, entre outros. Optamos nesta pesquisa por não utilizar o termo “folclore” (um paralelo

A lore não é diretamente descrita aos jogadores, mas é a base para que o enredo do jogo seja criado (PRADO, 2019); as criaturas que habitam o reino também podem ser chamados de ‘monstros’, ‘animais’ ou ‘bestas’ e nem sempre existem no jogo, mas caso existam, geralmente são descritos em livros específicos, motivo pelo qual em algumas vezes são tratados superficialmente ou ignorados nos livros básicos; a Magia do reino (quando existe) e de que forma ela funciona; o guia de criação de personagens com atributos, raças, arquétipos, habilidades, perícias, entre outros; os equipamentos como armas, armaduras, itens mágicos, alimentação, acomodação etc.; apêndices e índices remissivos, onde geralmente se encontram as listas de elementos auxiliares; e, finalmente, fichas e outros materiais, como por exemplo, a ficha do jogador e auxiliar do mestre, que se trata de um resumo de cálculos e regras.

O jogo Valorem foi desenvolvido junto aos estudantes, sem diretrizes fixadas a respeito de como seria o livro básico. Posteriormente, foi disponibilizada uma versão digital do livro do jogo para download11, com um capítulo referente à mecânica do jogo. A estrutura se assemelhou muito com às dos livros tradicionais, porém, pela ênfase ter sido a didática de arte, não apresentou tantos detalhes da lore como os outros livros analisados. Um aspecto incentivado na proposta do jogo Valorem e também do D&D é a possibilidade de jogadores criarem conteúdos para a lore do jogo. Em alguns casos, isso recebe o nome de Homebrew, que é definido como as criações compartilhadas da comunidade e que podem ser usadas em suas campanhas de acordo com as regras do mestre (BEYOND, 2020).

3.4 POSSIBILIDADES CURRICULARES NO DESENVOLVIMENTO DE UM