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A concepção do método de valoração contingente surgiu a partir da recomendação de Ciriacy-Wantrup (1947, 1952) sobre o uso de entrevistas diretas para medir os valores associados aos benefícios gerados pela preservação da erosão dos solos. A aplicação do survey possibilitou traçar a curva de demanda pelo serviço ambiental (HANEMANN, 2005).

Em seu artigo “Capital returns from soil conservation practices”, publicado no Jounal of Farm Economics, e mais adiante, em seu livro “Resources conservation: economics and policies”, publicado em 1952, Ciriacy-Wantrup admitiu existência de obstáculos no sentido de alcançar informações acerca da verdadeira ordenação de preferências dos indivíduos, entretanto, argumenta que poderiam ser contornados (JAKOBSSON; DRAGUN, 1996).

Posteriormente Samuelson (1954) por meio do seu artigo “The pure theory of public expenditure”, editado na revista “The Review of Economics and Statístics”, trouxe à baila a discussão sobre a estimativa do valor de existência a partir da aplicação de questionários. De acordo com esse autor, as pessoas adotariam um comportamento estratégico para não revelarem as suas verdadeiras preferências,

dando, por conseguinte, respostas de forma estrategica, expressando um preço diferente do que realmente acreditam, para obter um benefício pessoal de sua resposta hipotética (viés estratégico), uma vez que não seria possível excluir do consumo as pessoas que não pagariam para usá-los.Os caroneiros (free-riders) passaram então, a se constituir no principal obstáculo para a confiabilidade do método, que resultou em seu quase esquecimento até os anos sessenta. Desta forma, haveria prejuízo no que tange a manifestação das verdadeiras preferências e qualquer método que utilizasse entrevistas seria inviável. De acordo com Riera (1992), isso teria desestimulado a valoração de bens públicos por meio de surveys.

O método de valoração contingente começou o seu desenvolvimento no início da década de 60, por meio da publicação da primeira e significativa pesquisa empírica do economista Robert K. Davis, que procurou estimar o valor dos recursos recreacionais na floresta do Maine, Estados Unidos (EUA). Na ocasião o pesquisador entrevistou uma amostra de 121 caçadores e recreacionistas da floresta do Maine Woods, para a realização da sua tese de doutoramento na Universidade de Harvard. Em seus estudos, procurou estimar os benefícios de uma área particular de recreação. (MITCHELL; CARSON, 1989; KNETSCH; DAVIS, 1993).

Em sua pesquisa Davis fez uso da técnica bidding games (lances de leilão), em que o entrevistador exerce o papel de vendedor de bens públicos, com intervalo de $ 0 à $ 16,66 e aplicando o modelo linear múltiplo, conseguiu explicar que 59% da variância da disposição a pagar, em razão da renda das famílias, dos anos que a família conhecia o local e da duração da visita em dias. A partir do estudo de Davis, uma série de estudos foi desencadeada, propiciando um refinamento do método, a exemplo da pesquisa de Ridker (1967) que fez uso do MVC em vários estudos de poluição do ar na Filadélfia e Siracusa, reconhecendo, no entanto, que alguns custos ambientais só poderiam ser captados via disposição direta a pagar das pessoas.

Segundo Riera (1994) na década de setenta, Peter Bohm (1971,1972) refutou a hipótese de risco estratégico formulado por Samuelson. Nos anos setenta, destacam-se entre outros, a publicação no primeiro volume do Journal of Environmental Economics and Management, referente ao estudo de caso empírico e a aplicação do método de avaliação contingente de Randall, Ives e Eastman (1974) a qual se buscou valorar os benefícios decorrentes de redução dos danos ambientais estéticos associados a our Corners e à mina de carvão Navajo,

localizadas no sudoeste dos EUA, utilizando a técnica de jogo de lances e ofertas (bidding games).

O estudo atraiu especial atenção de muitos estudiosos que utilizavam o MVC pelo rigor dos autores quanto ao aspecto teórico, pela valoração de um bem que não podia ser avaliado por outros métodos, pela utilização de um conjunto de fotografias, com a finalidade de caracterizar situações distintas, durante o processo de negociação interativa do bidding game com os entrevistados.

O conjunto “A” foi constituído por fotos que mostravam a região por volta de 1969, caracterizada por um elevado nível de degradação ambiental (como ficavam bancos de terra após mineração a céu aberto, emissões históricas de poluentes atmosféricos e linhas de transmissão estragando a paisagem) e representava exatamente a situação da usina em seus primeiros anos de operação.

O conjunto B mostrava um nível intermediário de danos. Uma fotografia mostra a usina por volta de 1972, depois da implantação de controles de poluição terem reduzido as emissões de partículas. Outra mostrava os bancos de terra nivelados, mas não replantados, e uma terceira foto apresentava as linhas de transmissão instaladas de forma mais discreta (ou seja, a alguma distância das estradas principais).

Por fim, o conjunto C tinha por objetivo descrever uma situação em que as indústrias continuaram a funcionar, mas com danos ambientais estéticos mínimos. Uma das fotos mostra a usina com emissões visíveis reduzidas a zero6. A segunda fotografia mostra um ponto de terra árida em seu estado natural. Também foi retratados uma situação em que as linhas de transmissão eram subterrâneas e o solo explorado pela mineração já se encontrava completamente recuperado. Desse modo, os usuários do local solicitados a atribuírem valores monetários que eles estariam dispostos a pagar por essas mudanças ambientais, definidas pela passagem da situação A para B e B para C.

A publicação de Randall, Ives e Eastman (1974) contribuiu de forma decisiva para aumentar a confiabilidade e aceitação do método, influenciando outros estudos, bem como, manifestaram a necessidade de debates mais profundos sobre o método de valoração contingente.

6Essa façanha é realizada ao se fotografar a usina em um dia quando todas as unidades estavam fechadas.

Outra pesquisa que também muito contribuiu para a disseminação da valoração contingente foi o estudo realizado por Bishop e Heberlein (1979) que desenvolveram e introduziram o modelo referendum, também conhecido como escolha dicotômica, no campo da valoração contingente, num estudo realizado sobre caça de gansos em Wisconsin.

Segundo Hanemann (1984) após o trabalho de Bishop e Heberlein, diversas pesquisas na área de valoração contingente tiveram suas análises por meio do formato dicotômico. Tal fato impulsionou a realização de um grande número de estudos baseados nesta metodologia, porém só conseguiu maior aceitação e reconhecimento em 1979, quando o MVC passou, então, a ser reconhecido e recomendado, entre outros órgãos, pelo Water Resources Council em 1979 que incorporou este método a seu sistema de avaliação para cálculo dos benefícios econômicos dos projetos.

Também a equipe de engenheiros do exército norte americano tinha começado a empregar a metodologia do MVC em suas avaliações de benefícios. Por fim, o MVC foi reconhecido e indicado pela Comprehensive Environmental Response, Compensation, and Liability Act (CERCLA) - EUA, conforme regra promulgada pelo Departamento do Interior – EUA, como um dos principais métodos de valoração para mensurar danos e benefícios ambientais (MITCHELL; CARSON, 1989).

Entretanto, a técnica da escolha dicotômica desenvolvida inicialmente por Bishop e Heberlein (1979), passou a ter uma estrutura teórica e metodológica mais sólida a partir dos estudos desenvolvidos por Hanemann (1984), que conseguiu medir em termos monetários os impactos sobre a variação do bem-estar dos indivíduos, notadamente quando essas variações envolviam bens ou serviços não comercializados em mercados formais (AGUIRE; FARIA, 1996). Desde então, a estrutura formalizada por Hanemann tem se constituído em base para análise de estudos, que a partir de então, passaram a utilizar o método referendum que utilizassem o MVC.

O principal avanço de Hanemann (1984) com relação à pesquisa de Bishop e Herberlein (1979) foi a proposta de metodologia que reconheceu de forma explícita o processo de maximização de utilidade subjacente a escolha do individuo, a partir da função diferença de utilidade. A hipótese do método do Referendo reside no fato de

os indivíduos de que os indivíduos conhecem a sua função de utilidade, entretanto, existem alguns componentes que não são observados pela técnica econométrica, são tratadas como variáveis estocásticas pelos pesquisadores.

Cameron e James (1987) e Cameron (1988) propuseram uma técnica de cálculo das medidas de bem-estar diferente da aplicada por Hanemann (1984). De acordo com os autores, o modelo de Hanemann (1984) é estimado facilmente e não expressa a disposição a pagar ou a disposição a receber. Eles desenvolveram então, um processo de estimação por máxima verossimilhança para utilização das respostas do “referendum single”, em que a diferença entre os artigos consiste na hipótese da distribuição do erro. No primeiro artigo, a distribuição segue uma distribuição normal, enquanto no segundo, a distribuição é logística. A abordagem de Hanemann foi completada por Sellar, Chavas e Stoll(1985, 1986).

Na segunda metade dos anos 80 as pesquisas realizadas por Cummings, Brookshire e Shulze (1986), Mitchell e Carson (1989), sobre valoração contingente, contribuíram de forma relevante para a divulgação e popularização do método nos Estados Unidos, país que apresentou o maior número de estudos e em muitos outros países (RIERA,1994).

O estudo de Cummings, Brookshire e Shulze (1986) apoiou a utilização do método de valoração contingente, bem como, indicou a existência de moderada compatibilidade entre planos e comportamentos afetivos. Neste estudo, os autores listaram o que denominaram de “condições operacionais de referência” que são condicionantes para que o método alcance maior nível de êxito, o fluxo de serviços que se está avaliando deve ser de conhecimento da população a ser entrevistada, e esta ter tido experiência nesse tipo de serviço e tentar medir a disposição a pagar por meio de uma pergunta clara e concisa, enfocando valor, periodicidade e instrumento de pagamento (AGUIRRE; FARIA, 1996).

Entretanto, para Mitchell e Carson (1995), o conhecimento não constitui uma condição necessária para utilização do MVC. Observam que a maioria dos bens e serviços que se busca valorizar por meio do referido método são singulares e, portanto, é possível que considerável parte dos entrevistados os desconheça.

A contribuição ao método por meio da publicação do livro de Mitchell e Carson (1989) que se tornou referência padrão para os estudos de valoração contingente na época, bem como, a conferência interdisciplinar realizada pela

Agência de Proteção Ambiental (EPA) no ano de 1984, nos EUA, reunindo profissionais de áreas como a economia e psicologia, constituíram-se em marcos históricos para as pesquisas no campo da valoração contingente nos anos 80 (HANEMANN, 2005).

Outro fato relevante que consistiu em marco para a utilização e validação do método de valoração contingente, quando se incluiu na valoração contingente a biodiversidade em adição aos demais impactos econômicos, foi o desastre ecológico ocorrido em 24 de março de 1989, provocado pelo vazamento de óleo bruto do superpetroleiro Valdez, a serviço da Exxon, que bateu na costa do Alasca, deixando escapar 260 mil barris de petróleo, imergindo em óleo praticamente toda a fauna da região. Após este desastre ecológico, o governo norte-americano aplicou o método de valoração contingente com o objetivo de avaliar os danos e obrigar a Exxon Corporation a indenizar as vítimas (CARSON et al, 2003; ORTIZ, 2003).

Com o intuito de propor procedimentos e técnicas econométricas que tratem o máximo de vieses e, assim, dar maior credibilidade ao Método de Valoração Contingente, ou seja, atestar a sua utilidade prática e se era capaz de fornecer informações e cálculos confiáveis em termos monetários quanto ao valor de não uso dos recursos naturais, o governo norte-americano, por meio do Ministério do Comércio organizou o painel “National Oceanic and Atmospheric Administration” – NOAA. Este por sua vez, nomeou uma comissão de especialistas coordenada por dois prêmios Nobel de Economia Kenneth Arrow e Robert Solow, com objetivo de discutir a validade do MVC (ARROW et al., 1993; HANLEY; SHOGREN;WHITE, 1997).

A comissão do painel NOAA em 1993 concluiu pela confiabilidade do método MVC e que poderia ser utilizado como fórmula razoável para o cálculo em termos monetários do valor de não uso (valor de existência), ocasionado na perda de bem- estar das pessoas (perdas de uso passivo de recursos ambientais) por ocasião de desastres ambientais (RIERA,1994). Entretanto elaborou diversas recomendações para a aplicação do Método de Valoração Contingente e apresentou um guia técnico de aplicação para garantir a máxima confiabilidade do resultado.

O Painel conclui que o método de avaliação contingente pode produzir estimativas suficientemente confiáveis para ser o ponto de partida de um processo judicial ou administrativo de determinação de danos ambientais - incluindo perda de valores de uso-passivo. Porém, para aceitação deste propósito, o estudo deve seguir, com a máxima

fidelidade possível, o guia de aplicação deste artigo. Não é necessário que todos os pontos sejam completamente observados; porém, quão mais fiel ao guia, maior a realidade do resultado. (ARROW et al, 1993, p.1).

As sugestões mais importantes recomendadas pelo NOAA foram as seguintes: a) utilização de amostragem probabilística; b) minimizar os casos de não- resposta; c) aplicação de questionário por meio de pesquisas pessoais; d) realização de pesquisa-piloto para testar o questionário; e) utilização de questões do tipo referendum, aplicadas à disposição a pagar; f) incluir questões abertas para identificar as razões para a resposta à questão referendum; g) verificar se os respondentes entenderam bem o cenário proposto.

Resumidamente o MVC pode ser dividido em diferentes estágios que compreendem a formação de um mercado hipotético ou cenário a ser proposta para o entrevistado, a realização da pesquisa de campo e finalmente, a estimação da disposição a pagar, média e mediana a partir de técnicas econométricas, e multiplicadas pela população-alvo da pesquisa.

Sem dúvida, os resultados obtidos pelo painel NOAA, aliado às bases teóricas estabelecidas por Bishop e Herbelin (1979), Hanemann (1984) e Cameron (1988) e aos estudos de Randall, Ives e Eastman (1974); Cummings, Brookshire e Schulze (1986) e Mitchell e Carson (1989) contribuíram para o uso de pesquisa com o método MVC em grande escala. (RIERA, 1994; ORTIZ, 2003)

Além dos trabalhos acima, outros tem sido utilizados como referência para a operacionalização de um estudo de MVC. Pode-se destacar o de Azqueta e Riera, (1994) e, no Brasil, o Manual para Valoração Econômica de Recursos Ambientais, de Motta (1998). Todos os autores recomendam um cuidadoso planejamento, execução e análise dos dados, além dos procedimentos e recomendações do NOAA.Desde então, a utilização desse método entre os pesquisadores tem sido cada vez maior, de modo que muitos estudos foram e continuam sendo desenvolvidos em todo o mundo, tanto por órgãos do governo como pelos Agentes financeiros internacionais, a exemplo do BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento) e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) que têm utilizado a metodologia para a estimativa de benefícios econômicos e estudo de viabilidade de projetos a serem financiados por tais instituições. Além disso, o método de valoração contingente vem sendo utilizado para balizar as penalidades judiciais quanto à compensação de danos gerados em

razão de desastres ambientais, bem como, os custos de recuperação de ecossistemas afetados(MAY; VEIGA NETO; POZO, 2000; MORAES; BORGER, 2000).