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Com base no que já foi analisado, particularmente no tocante a atuação do Ministério Público antes do incremento legal imputado ao órgão pela carta magna de 1988 e outras leis, que ampliaram os poderes do parquet na atuação da proteção dos direitos difusos e coletivos, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor e Estatuto da Criança e do Adolescente, podemos afirmar que a atuação do órgão era reativa, reducionista, não investigativa e judicial. Após estes incrementos legais o Ministério Público passou a atuar ativamente, por meio de investigações cíveis e criminais, no âmbito extrajudicial. Como visto nos conhecimentos repassados sobre investigação criminal no âmbito do MP, os membros do órgão ministerial passaram a realizar suas próprias investigações, atingindo, em razão das atribuições inerente a função, pessoas físicas e jurídicas de relevante influência na sociedade civil, como políticos, funcionários públicos, empresários e até membros do Judiciário, resultando consequentemente em conflitos de interesses e resistências.

Segundo Pacheco (2013, p. 258), no ano de 2001, grande parte dos Ministérios Públicos do país já possuíam órgãos específicos para atuação na investigação, tanto na área cível como criminal; além de grupos dedicados a atuação no combate ao crime organizado. Em razão destas atuações, em janeiro de 2002, o promotor de justiça Francisco José Lins do Rêgo Santos foi assassinado devido à investigação que realizava sobre a ―máfia dos combustíveis‖, no Estado de Minas Gerais. Em resposta a este ato, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) convocou uma reunião nacional em Belo Horizonte/MG e criou o Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC), em 22 de fevereiro de 2002; sendo eleito pelo

plenário da reunião como Presidente o então Procurador-Geral de Justiça de MG, Nedens Ulisses Freire Vieira e como Secretário-Geral o Promotor de Justiça Denilson Feitoza Pacheco.

A estrutura do GNCOC hoje é composta por trinta Ministérios Públicos (o Ministério Público Federal, MP Militar, MP do Trabalho, MP do Distrito Federal e Territórios e vinte e seis Ministérios Públicos estaduais). Possui ainda o grupo operacional (composto pelos coordenadores dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – GAECOs – dos estados); grupo estrutural (composto por integrantes dos Gabinetes de Segurança Institucional – GSI – dos MP estaduais, órgãos de inteligência dos Ministérios Públicos); Escola Nacional do GNCOC (tem como objetivo contribuir para a qualificação dos membros que atuam nos GAECOs e GNCOC) e, por fim, a Secretaria Executiva do GNCOC (órgão responsável pelas reuniões, interligação entre GAECOs e entre Grupos, bem como assessoramento ao presidente).

Pacheco (2013, p. 261) complementa a informação supracitada acrescentando como foram criados os órgãos específicos de combate ao crime organizado, bem como quais foram os incrementos estruturais nos diversos órgãos ministeriais para combate a criminalidade:

Também por recomendação do GNCOC, os Ministérios Públicos promoveram modernização administrativa, criando unidades específicas de combate ao crime organizado, como centro de apoio operacional (órgãos que coordenam todas as promotorias de justiça num estado), grupos especiais de repressão ao crime organizado e promotorias de justiça de combate ao crime organizado. Também investiram na qualificação e aperfeiçoamento profissional de seus componentes, por meio de cursos de inteligência, interceptação telefônica, condutas defensivas, direção evasiva, tiro etc.

O autor contribui adicionando que, em razão das suas atribuições, o GNCOC sempre procurou integração com outros órgãos no combate a criminalidade organizada, atuando em conjunto com as Polícias Federal, Rodoviária Federal, Civil e Militar, Receita Federal e Estaduais, Agência Nacional de Petróleo, Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), dentre outros. O resultado desta integração pôde ser observado através de vários convênios realizados, dentre eles podemos citar os convênios com a ABIN, Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), Secretaria da Receita Federal, Secretaria de Direito Econômico (Ministério da

Justiça), Secretaria de Acompanhamento Econômico (Ministério da Fazenda) etc. (PACHECO, 2013, p. 261).

Pela própria etimologia do termo, Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas, inferimos o seu objetivo, qual seja, combater por meio de investigações as organizações criminosas. Sabemos que o crime organizado se utiliza de diversas estratégias para dissuadir seus métodos e dificultar o trabalho investigativo. Com isso, a atuação do membro do MP torna-se mais complexa, necessitando de novas metodologias para alcançar êxito em sua investigação. Seguindo o exemplo de outras instituições que se utilizaram da atividade de inteligência para solucionar investigações complexas ou até mesmo para subsidiar estratégias nacionais ou regionais de combate a certo tipo de ilícito específico, o Ministério Público também viu nesta ferramenta uma solução para seu problema e começou a fazer uso da inteligência.

Além da complexidade das informações a serem analisadas, o órgão percebeu a dificuldade em se obter estas informações, tratá-las e transformá-las em conhecimento, ou seja, viu a necessidade de utilizar da atividade de inteligência; assim como, em razão, dos riscos por está lidando com organizações criminosas e que muitas vezes se utilizam de ―retaliações‖ para alcançar seus objetivos, como foi o caso do Promotor Francisco Lins, a instituição viu nos preceitos da contrainteligência uma solução para proteção das pessoas, documentos, materiais, equipamentos, instalações, comunicações e dados telemáticos.

Neto (2009, p. 126) expõe da mesma forma a necessidade do uso dos conhecimentos da inteligência para auxiliar o Ministério Publico em suas funções e acrescentando o resultado positivo colhido proveniente da integração institucional e do uso da inteligência no GNCOC:

No Grupo Nacional de Combate as Organizações Criminosas [...] integrado por membros de todos os ramos do Ministério Público, a experiência de integração institucional (em âmbito nacional e internacional) e a aplicação da atividade de inteligência no seio ministerial tem revelado bons frutos, inclusive com a deflagração de inúmeras operações regionais e nacionais bem-sucedidas. Tal grupo, inclusive, já conta atualmente com um subgrupo de inteligência, devidamente constituído e com uma doutrina de inteligência própria desenvolvida e aprovada perante o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Publico.

Pacheco (2013, p. 261) apresenta um resumo cronológico dos passos seguidos pela instituição no sentido de se implementar um sistema de inteligência no órgão ministerial:

[...] Primeiro, em 2002, o GNCOC se perguntou qual seria o modelo de inteligência adequado ao Grupo e ao Ministério Público de modo geral. Segundo, ainda em 2002, o GNCOC aproximou-se do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN). Terceiro, em 2003 e início de 2004, o GNCOC procurou inserir-se no Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP). Quarto, em 2004, o GNCOC entendeu que os Ministérios Públicos deveriam ter um sistema de inteligência próprio e, então, criou o Grupo de Inteligência dos Ministérios Públicos.

O autor ainda demonstra em sua obra como foi cada um destes momentos, adentrando em detalhes específicos, uma vez que teve participação direta nesta implementação, como secretário-geral do GNCOC e mentor do sistema de inteligência ministerial. Relata que em 16 de outubro de 2002, foi firmado convênio com a ABIN para capacitação de pessoal do MP em inteligência. Destes treinamentos o órgão conseguiu extrair conhecimentos para verificar que, além do modelo de inteligência clássica, praticado pela ABIN, na seara estratégica, visando o assessoramento do processo decisório, seria necessário um modelo destinado à produção de provas.

Pacheco continua relatando os momentos referenciados na citação da implantação do sistema de inteligência ministerial, mencionando a relação entre o Ministério Público e a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), que através do Secretário Nacional, o cientista político Luiz Eduardo Soares, obteve-se um estreitamento nos laços entre estas duas instituições. Neste período, a ideia do GNCOC era de inserir os Ministérios Públicos no Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP), nos Gabinetes de Gestão Integrada de Segurança Pública (GGI), na Rede Nacional de Inteligência de Segurança Pública (RENISP) e na Rede INFOSEG, adequando-se à futura Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP) e se submetendo à coordenação da SENASP, mesmo sendo um órgão autônomo administrativa e funcionalmente. Em julho de 2003, foi programado o Curso de Aperfeiçoamento em Inteligência de Segurança Pública (CAISP), objetivando a integração da comunidade de inteligência nacional, vinculada a área de Segurança Pública. Todavia, antes do término deste curso que durou de 13/10/2003 a 12/12/2003, um novo Secretário Nacional foi nomeado, o delegado de

polícia federal Luiz Fernando Corrêa, não dando prosseguimento na relação SENASP – MP. Por fim, no início de 2004, o GNCOC decidiu criar um sistema próprio de inteligência, conforme relata o autor no texto abaixo:

O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos (CNPG) e o Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC) procuraram, de maneira infrutífera, negociar com o Poder Executivo Federal a inclusão dos Ministérios Públicos, inicialmente no SISBIN e, depois, no SISP. Diante da mudança de política da SENASP ocorrida a partir de novembro de 2003, o GNCOC, em 2004, decidiu criar um sistema próprio de inteligência. Talvez por um equívoco estratégico, o Poder Executivo Federal tenha perdido a oportunidade de coordenar a imensa atividade de inteligência que surgiu no âmbito dos Ministérios Públicos. (PACHECO, 2013, p. 266).

Encerramos este tópico, acreditando ter conseguido passar uma abordagem histórica do surgimento da atividade de inteligência no âmbito ministerial, assim como ter evidenciado a necessidade desta atividade para os trabalhos investigativos e estratégicos da instituição.