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2. CAPOEIRA ANGOLA: CULTURA NEGRA DE LIBERTAÇÃO

2.3. Capoeira Angola e a construção da Autonomia

2.3.5. Iê, volta do mundo

Para orientar tanto o trabalho de campo quanto a posterior análise dos dados articulando-os com as categorias teóricas aqui trabalhadas, construí uma mandala, representada na seguinte figura:

Figura 7: Capoeira Angola: Cultura Negra de Libertação

Na figura destaco algumas das categorias principais aqui referenciadas. Compreendo que essas categorias coexistem, de forma interconectada, sendo essa relação dinâmica, em movimento constante, circular e espiral, sem fim.

O símbolo da estrela de seis pontas é conhecido como “Estrela de Davi”, ou “Signo de Salomão”, ou “Símbolo de Salomão”,  sendo  que  há  uma  divergência  entre  fontes  que  dizem   que o Símbolo de Salomão é representado pela estrela de cinco pontas e não de seis. Segundo informações publicadas na página da Wikipedia22

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Estrela de Davi (em português brasileiro) ou Estrela de David (em português europeu) (em hebraico: ןגמ דוד, transl. Magen David), conhecida também como escudo supremo de Davi (David), é um símbolo em forma de estrela formada por

dois triângulos sobrepostos, iguais, tendo um a ponta para cima e outro para baixo, utilizado pelo judaísmo e por seus adeptos, além de outras doutrinas como Santo Daime. Outro nome dado a este símbolo é "Selo de Salomão". De acordo com a Cabala (Sabedoria judaica), a Estrela de Davi externaliza a representação das sete emanações divinas (sefirot) inferiores. Cada triângulo dos seis triângulos que formam os lados da estrela representariam uma emanação e o centro dos triângulos maiores sobrepostos da Estrela de Davi representariam a Renascimento. Com o tempo, este símbolo tornou-se símbolo da nação de Yisrael e do povo judeu, estando presente na própria bandeira de Yisrael. No Hinduísmo, cada ângulo representa um deus da trindade: Brahma, Vishnu e Shiva, respectivamente, o Criador, Preservador e Destruidor.

Mestre Bimba utilizou a estrela de seis pontas como o símbolo da capoeira Regional. Mestre Itapuã, que foi discípulo de Bimba, explica que “O   Escudo   do   Centro   de   Cultura   Física   Regional – CCFR, foi criado na década de 40   e   é   inspirado   no   ‘Signo   de   Salomão’”   (ALMEIDA, 2002, p.102), representado pela seguinte figura, que ele identifica como o “Grande  Símbolo  de  Salomão”:

Figura 8: Símbolo de Salomão

Fonte: ALMEIDA, 2002, p.101

Outra fonte mostra esse mesmo símbolo e diz que este hexagrama de dois triângulos entrelaçados “simboliza a alma humana, sendo utilizado por magos cerimoniais para encantamentos, conjurações de espíritos, sabedoria, purificação e reforço dos poderes psíquicos”23.

São muitos os significados, usos e interpretações deste símbolo, mas o que aqui nos interessa é que ele apresenta uma ligação com a capoeira, tendo sido utilizado por alguns mestres de capoeira desde os tempos mais antigos, o que pode ser entendido como parte do seu lado

místico, misterioso e espiritual. Acrescento, ainda, minha leitura deste como o símbolo do equilíbrio, porém um equilíbrio dinâmico que, portanto, acontece junto ao desequilíbrio, como na própria capoeira e no nosso entendimento a partir de Exu (o equilíbrio no desequilíbrio).

Circulando por fora da estrela (mas também interconectados por ela), estão elementos-chave para compreendermos o que aqui identificamos como “cosmovisão africana no Brasil” ou da cultura afro-brasileira; e na parte de dentro da estrela estão categorias que ajudam a pensar na “pedagogia da autonomia”,   a   partir   dessa   mesma   cosmovisão,   destacando,   assim,   pontos   importantes para compreendermos criticamente as práxis educativas da Capoeira Angola. Como já apresentado, cada uma dessas categorias envolve uma diversidade de outros elementos e, neste trabalho, busco compreendê-los de forma complexa e dinâmica, traçando articulações possíveis entre elas. Sem a pretensão de esgotar a diversidade do real, a intenção é apenas focar em alguns aspectos-chave para o olhar aqui proposto pela Capoeira Angola. A comunidade é representada como categoria central, uma vez que traz a dimensão mais concreta para o entendimento da dinâmica da práxis educativa, da forma como as atividades são organizadas, das relações dentro do grupo e especialmente entre aluno(a)-mestre(a) ou educador(a)-educando(a). A vivência em comunidade representa a forma possível para o movimento de preservação e atualização das tradições e constitui-se como a base para a efetivação dos processos de transmissão de saberes presentes do universo da cultura popular, conforme esclarece Pedro Abib, quando diz que a comunidade é que permite que os princípios como a memória, a oralidade, a ancestralidade e a ritualidade, “possam ser enfatizados de maneira a garantir que os processos de aprendizagem social dos sujeitos se realizem com base na cultura e nas tradições daquele grupo social” (ABIB, 2005, p.150). É na vivência em comunidade que encontramos, portanto, os demais elementos aqui trabalhados como parte do processo educativo na Capoeira Angola.

Uma das coisas que faz com que o grupo/comunidade mantenha-se conectado à ancestralidade é a repetição, freqüente, do ritual. Ele faz a ligação entre a ancestralidade e a comunidade, por meio da oralidade, passando pelo corpo, que possibilita transmitir a Força Vital e integrar passado, presente e futuro, em uma temporalidade circular. A ritualidade cuida por manter  a  forma  “tradicional”  da  realização dos rituais e, ao mesmo tempo, por re-

criar, atualizando,  materializando  essa  tradição  no  “aqui  e  agora”.  A  comunidade  faz  a  ligação   entre a pequena e a grande roda – aprender os fundamentos do ritual (sobre ancestralidade) para   agir   no   mundo,   “daqui   para   frente”,   entendendo   que   “passado,   presente   e   futuro”   são   partes de um mesmo processo, que é dinâmico e circular (assim como a própria roda).

A ancestralidade, por sua vez, é o solo comum. É o elemento que prepara o solo, onde se planta a cresce a comunidade. Mas nada cresce sem a Força Vital, sem Ngunzo. Elemento de ancestralidade que precisa estar plantado, no solo onde se constitui a comunidade. A forma de transmitir os insumos – ou os saberes – necessários para que essa comunidade cresça e se fortaleça é a oralidade, que acontece em presença, corporificada, por força da palavra, falada, mas também cantada ou simplesmente gestualizada.

O desafio, a curiosidade crítica, a assunção como ser social-transformador, a relação autoridade-liberdade, ética e estética e a resistência, características eleitas para se pensar a Autonomia, por sua vez, também dependerão de como essa comunidade se conforma, de como se dão as relações entre seus pares e como as pessoas dão significado às suas práticas. Um dos desafios deste trabalho é, portanto, buscar compreender como essas relações comunitárias são estabelecidas no grupo estudado, tendo em vista as características que envolvem a autonomia. Este será o enfoque dos próximos capítulos.

Mais especificamente no quarto capítulo, a proposta é partir para dentro da roda de capoeira, para falar dos jogos de saberes que acontecem no grupo a partir do seu principal símbolo ritual, onde se conectam os elementos aqui destacados e outros que mostraram-se importantes durante o processo.

Enfim, diante da profunda e sábia filosofia de Mestre Pastinha, percebo-me a gingar na encruzilhada da Cosmovisão Africana com a capoeira angola na Bahia, no movimento de incorporar a ginga, angoleira, no caminho epistemológico e teórico-metodológico de uma pesquisa. A capoeira angola é aqui tomada como uma semiótica, que atua no mundo pelo encantamento. E fundamenta-se na Ancestralidade. Capoeira que acontece no ritual – a Roda – onde sua estética reflete sua ética. Onde se encontram o velho e novo, atualizam-se os antepassados, circula-se o Ngunzo, restituindo-se a Força Vital. Rituais que são realizados pelas comunidades que formam os grupos de Capoeira Angola. Incorporar a ginga angoleira

no caminho epistemológico e teórico-metodológico da pesquisa é entrar na roda de capoeira para, de dentro dela, refletir-vivendo o processo educativo que ali acontece, de corpo presente.