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i Estado-nação: teorias

No documento Tese Patrício (páginas 139-153)

A discussão sobre o Estado-nação está presente já no proto-nacionalismo angolano. Mas a sua leitura sociológica veio depois, inicialmente com Mario Pinto de Andrade. Este autor – considerado ao mesmo tempo como objecto de estudo e precursor – nos interessa, principalmente, na maneira como os outros o apresentam, e analisam as suas teorizações (ou idealizações) sobre a angolanidade enquanto instrumento para realizar o Estado-nação. Cinco estudiosos nos interessam: (i) Victor Kajibanga; (ii) Paulo de Carvalho; (iii) Ruy Duarte de Carvalho; (iv) Luís Kandjimbo; (v) Arlindo Barbeitos.

a) Versão de Victor Kajibanga

O académico Victor Kajibânga parte da suposta ‘bi-cultura mestiça ’ em Angola que, na verdade, constitui a seguinte dicotomia (i) sociedade crioula; (ii) sociedade não crioula, que foi sustentada a partir da tese gilbertiana: luso-

228“A África tem a sua personalidade activa, dinâmica que se procura à volta deste parâmetro tido às

tropicalismo. A mestiçagem definidora da angolanidade, que refere esse académico, não é ‘apenas’ na pele, mas sim na sua dimensão sociocultural (Kandjimbo, 1997).

Enquanto teóricos da angolanidade – através da Literatura (Chabal, 1994229) – José Carlos Venâncio e Francisco Soares fundamentam estimulantes teorias. Baseando-se na literatura existente, o académico angolano Victor Kajibanga coloca algumas questões pontuais. É verdade que “a literatura é um dos meios de construção e de representação da nação como comunidade imaginária e sociedade inclusiva e identitária” (Lopes de Sá, 2012: 21), tal como podemos compreender com alguns trabalhos de teses de Doutoramento e mesmo de dissertações de Mestrado230. José Venâncio ilustra quanto a literatura se horizontalizou com o poder desde a colonização e, sobretudo, no processo da descolonização (Venâncio, 1992): não será por acaso que alguns dos primeiros Chefes de Estados africanos eram poetas ou escritores.

Victor Kajibânga parte do mesmo pressuposto e refuta, portanto, as posturas manifestadas pelos teóricos supracitados ou a intencionalidade dos mesmos, talvez. Reconstruir esse cenário ajudar-nos-á a compreender a problematização do conceito da angolanidade (Kulturnation) e a postura assumida por ele.

José Carlos Venâncio e Francisco Soares parecem fundamentar-se sobre as representações culturais proporcionalmente desequilibradas231 como substâncias definidoras da nação angolana (oriunda do Estado Novo). Nesse valioso trabalho, interessa-nos apenas uma leitura antropológica dos conceitos inerentes à definição da

229 Chabal discutiu as questões da ‘literatura nacional’ feita em língua portuguesa, e representando uma

cosmogonia moçambicana. O autor explora a interacção de duas culturas diferentes – mas achamos que se trataria de um bloco das culturas moçambicanas com um outro bloco da cultura portuguesa – e busca os momentos diferentes das dinâmicas nos subsídios e suportes culturais do Estado-nação. Ele entrevistou vários autores: Orlando Mendes, José Craveirinha, Noémiade Sousa, Fonseca Amaral, Eugénio Lisboa, Rui Nogar, Rui Knopfli, Malangatana, Fernando Ganhão, Calane da Silva, Jorge Viegas, Albino Magaia, Juvenal Bucuane, Luís Carlos Patraquim, Mia Couto, Paulina Chizane, Pedro Chissano, Ungulani ba Khosa, Armando Artur, Suleiman Cassamo, Eduardo White, Nelson Saúte, etc.

230 o toramento: Ana Lopes de Sá (2012), A Ruralidade na narrativa angolana no século XX.

Elemento de construção da nação, Departamento da Sociologia/Universidade da Beira Interior, 488

páginas; Ana Mónica Lopes, (2011), Nas margens da História e da Ficção. Identidades impressas e as

fronteiras do nacionalismo em Angola (1866-1910), Belo Horizonte: Crisálida, 275 páginas.

Mestrado: Carla Sousana Abrantes, (2007), Narrando Angola: a trajectória de Mário António e a

invenção da “Literratura angolana”, Universidade Federal de Rio de Janeiro/Museu Nacional, Rio de

Janeiro, 177 páginas; Adriana Elizabeth Bayer, (2008), Pepeta e Ondjaki: com a juventude a palavra

faz o sonho, Pontifícia Universidade Católica de Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 169 páginas.

231 Salvo a Tradição Oral e contos maravilhosos, a literatura positivada é (maioritariamente) em língua

portuguesa. A ausência de outras literaturas positivas em outras línguas angolanas (tucôkwe, kikôngo, kimbûndu e lyumbûndu) pode comprometer algumas teses sustentadas sobre essa angolanidade (construção do Estado-Nação).

nação angolana através da angolanidade. Mas será essa literatura através da qual se teoriza angolanidade a imagem global ou local, espectro identitário circunstancial ou substancial de Angola

(1) Se a literatura for a plataforma metodológica na construção da Nação, (Júnior; Mendes: 2008) será interessante perceber-se que a produção angolana ainda não dispõe de todas as suas representações socioculturais232. O pós-Eu lusotropicalista domina em quase todos os domínios visíveis233 ou pós-não-Eu lusotropicalista234 (Infra). Portanto, a produção literária angolana

em língua portuguesa, dominando a quase inexistente literatura angolana (escrita) em língua africana de Angola, pode viciar qualquer leitura, caso seja considerada como uma premissa.

(2) A literatura é apenas uma parte interveniente na teorização da construção da Nação (Estado-nação). Existem outros domínios que intervenham também, e que podem ser instrumentalizados pela Sociedade Civil, ou instituições religiosas e outros parceiros do Estado (Gonçalves: 2002, 107). Portanto, a politização nesses sectores que empobrecem toda a contribuição possível, não nos permite fazer uma leitura elegante.

Parece-nos que Victor Kajibânga se interessa mais na operacionalidade da teoria luso-tropicalista, partindo das considerações de Mário Pinto de Andrade (Kajibanga, 2000; Kandjimbo, 1997). A Angolanidade deste último partiria de uma crítica à ideologia luso-tropicalista, fazendo da literatura um refúgio ideológico. Só que a sua operacionalidade ainda é questionável, tal como é a conclusão: para Mário Pinto de Andrade o luso-tropicalismo denuncia (Kajibânga, 2000a: 144)

“ … o carácter assimilacionista e integracionista, não sendo válido para explicar a formação do Brasil, é inteiramente falso para as circunstâncias coloniais da África”.

Kajibânga refuta o posicionamento de discurso apologético da antropologia e sociologia ultramarinas (Messiant, 2009-II: 135-136; Andrade, 1989). Serve-se de

232 Ainda não há ensaios ou dissertações/teses escritos em línguas não-crioulas, nem ainda se dispõe de

plataformas e instituições para esse efeito.

233 Exemplo: para ter acesso a um cargo social público, a língua portuguesa é obrigatória. Ora um não-

crioulo não balbucia correctamente palavras de outras línguas, para não limitar-se apenas em português.

234 No capítulo V falaremos da Angolanidade que se decompõe em Eu, Não Eu e Outro. Essa estrutura

propósitos levantados por Georges Balandier235 – de Bender, Walters, também – para reforçar uma angolanidade a partir da estrutura social (Carvalho, 2002) e considera a ‘Cultura Nacional’236 como o dispositivo para edificação do ‘Estado-nação’237.

A Angolanidade em Kajibânga é a construção do ‘Estado-nação angolano’ a partir das forças sociais existentes – sem descartar as teorias a partir da literatura, que é preciso reformular – tendo sido a memória comum por sistematizar em Cultura Nacional: instrumento socializador em busca do ‘Estado-nação’ (nação, no singular).

Vamos aqui considerar as grandes e interessantes linhas de reflexão que expõe o professor Victor Kajibânga. Ele menciona a ausência da ‘Cultura nacional’ como causa da inexistência de uma nação, tal como o queria tanto Agostinho Neto e outros nacionalistas238. A cultura em Angola não é partilhada entre os agentes sociais (Bantu, Não-Bantu e Khoi-San), e a representatividade do ‘espaço territorial’ é etnolinguístico239. Angolanidade, para ele, sendo apenas um projecto intelectualista da construção do ‘Estado-Nação’ angolano, dependerá fundamentalmente da ‘Cultura Nacional’ como instrumento moldador desse objectivo: (a) o ‘Outro’ ainda é visto como estrangeiro; (b) o conceito de nação endogenamente prova várias nações étnicas, e a angolanidade poderia instrumentalizar o diálogo para edificar o Estado- nação. E como barreira o especialista angolano advoga:

(i) A politização das especificidades culturais;

(ii) A ausência da sistematização de lugares e memórias comuns.

235 “A dominação imposta por uma minoria estrangeira ‘racial’ e culturalmente diferente em nome de

uma superioridade racial (e ou étnica) e cultural dogmaticamente afirmada, a uma maioria materialmente autóctone; o estabelecimento de relações de maquinismo, de economia poderosa, de ritmo rápido e de origem cristã impõem-se às civilizações sem técnicas complexas, da economia retardada, de ritmo lento e radicalmente ‘não cristã’; o carácter antagónico das relações que intervêm entre as duas sociedades, antagonismo que se explica pelo papel de instrumento a que intervêm entre a sociedade dominada; a necessidade, para manter a dominação, de correr à força, mas também a um conjunto de pseudo-justificações de comportamentos estereotipados” (Kajibânga, idem: 143, nota n 16).

236 Cultura onde todas culturas locais intervêm no global, daí Cultura Nacional. É esta postura que os

académicos assumiam no primeiro Simpósio sobre Cultura Nacional em 1984.

237 Referindo-se a Gerald Bender, Victor Kajibânga é de opinião que a construção do Estado sempre

foi o primeiro passo, relativamente fácil de concretizar. A nação (o segundo passo) requer dispositivos, teorias, tempo e eficácia dos suportes ideológicos.

238 Artur Pestana traduz seu apelido em kimbûndu: Pepetela; Wanyâng’a Xîtu sobrepõe-se em Mendes

de Carvalho; Costa de Andrade vai buscar suas origens em Ndunduma wa Lepi; Ondjaki, etc. são nomes importantes da literatura em Angola e, citámo-los como uma parte da consciência comum, mas que estereotipam a cultura angolana veiculada na língua portuguesa. Há quem diga que a ficção literária de Pepetela em geral expõe vias que possam propiciar Angola como nação (Júnior Mendes: 2008).

239 Ele nos ilustra com as entrevistas com as autoridades tradicionais, que preferem se identificar, antes

Essa é, em resumo, a tese de Victor Kajibânga. Trata-se de um texto claro e, se calhar, clássico, para ver sociologicamente Angola na perspectiva de Estado-nação. Na verdade, o uso dos termos ‘Estado’ e ‘Nação’, por este autor, implica que (i) a ‘nação cultural onde Kulturnation é partilhada’ subsidie a consciência nacional no comportamento psicossocial dos parceiros sociais; (ii) o Estaatvolks se constrói na ‘consciência histórica comum’ da neo-kulturnation, tal como o foi a ‘nação francesa’ ou a ‘nação americana’240. A democracia, hoje, se confunde com a base cultural dessas nações. O nosso texto baseia-se, primeiramente, na reflexão que introduz. A nossa perspectiva – que será antropológica – parte da essência da nação culturalmente construída, e a sua validade que o Staatvolks impõe nos Estados-nações modernos. Isto é, não voltaremos a discutir o olhar sociológico de Victor Kajibanga, mas interessa-nos abrir outra perspectiva como forma de enriquecer o debate.

b) Versão de Paulo de Carvalho

O sociólogo Paulo de Carvalho parte de três teorias da nação – citando Jerzy Wiatr241 – que irão orientar a sua leitura da realidade angolana. Começamos por enumerar essas teorias:

(a) Comunidade de ideias e valores sociais; (b) Comunidade de relações entre país e nação;

(c) Comunidade histórica proporcionando laços nacionais.

O primeiro conceito estabelece a ligação estrita e geográfica entre o indivíduo e as particularidades do ‘local’ onde nasce (Chabal, 2009). O segundo, portanto, relaciona o indivíduo (independentemente de onde nasce) às experiências (com plena consciência) junto de um grupo social (complexo), que integra. Já o terceiro é construído pela concorrência dos dois primeiros pontos.

A ideia da pátria associa-se semanticamente à de nação. Daí que, ao fundamentar-se, preliminarmente, nas acepções de Stanislaw Ossowski, o sociólogo angolano desenvolve sobre o patriotismo, a dupla noção: (i) patriotismo privado, ‘home feeling’; (ii) patriotismo ideológico, ‘national feeling’.

240 Quando Kwame Apphiah (2001) parte do pressuposto que os Estados africanos são sem nações,

pois talvez seja nessa vertente.

Desta feita, o sociólogo menciona inicialmente a fraca diferença entre os dois conceitos nas pequenas comunidades. Também ele sublinha os processos pelos quais nasce essa diferença, logo alargam-se os intercâmbios numa dimensão (territorial ou social) plural e diversificada. Aqui a ‘pátria privada’ restringe-se, e a ‘pátria ideológica’ alarga-se pela racionalidade, que predefine a ‘lei da pertença’ e substancia-se numa dimensão que quebra as fronteiras geográficas, muitas vezes.

Aqui estão os parâmetros embrionários que irão definir a postura de Paulo de Carvalho sobre angolanidade, isto é sobre o Estado-nação em construção: (i) consciência/memória comum local; (ii) consciência/memória comum global.

A consciência/memória comum local proporciona ‘home feelings’. Os Angolanos ainda têm esse ‘olho local’ de ver o Outro (Victor Kajibanga), o que depende da sua categorização como angolano (e parece-nos realista), pois há diferença entre o ‘Angolano local’ e o ‘Angolano global’. Como veremos mais adiante, o nacionalismo vem cimentar esse ‘olho local’ em duas fases: (i) na perspectiva histórica, a reestruturação da UPNA em UPA ou ainda, a destribalização da UNITA zambiana (1974-1979) ou ainda a ‘Revolução de Leste’, ou mesmo a ‘Revolução Activa’ no MPLA, são alguns exemplos por citar; (ii) a estruturação (Marcum, 1969; 1978) de MPLA Ambûndu, FNLA Kôngo e UNITA Umbûndu recebeu uma grande simpatia diplomática/internacional, quer nas estratégias dos integrantes da Guerra Fria, quer na optimização das Nações Unidas, em busca da independência de Angola perante Portugal.

A sociedade angolana actual é delfim desse passado, e suporta o peso das suas implicâncias. A consciência/memória comum dos Angolanos locais torna-se reduzida ao seu ‘home feelings’; e perante os factos históricos acima enumerados, desenha-se um novo ‘angolano local’: (a) já não é necessariamente por motivos tribais/étnicos; (b) o partido político retoma parcialmente a estrutura neo-identificadora de ‘home feelings’, mas que já não se limita ao território isolado.

A consciência/memória comum global proporciona, no entanto, o ‘national feelings’, e é um projecto do Estado angolano, relativamente expresso na Constituição. Com propósitos de congregar todas as ‘etnias angolanas’ (forças humanas e societárias) na identificação/cidadania angolana, sem presunções locais (pressupostamente já integradas e diluídos no global), resta portanto um dilema: o da

aplicabilidade e da operacionalidade desse projecto, praticamente reduzido na sua simples retórica.

Por isso, Paulo de Carvalho identifica os suportes da socialização como ponto estratégico e, de certo modo, forte para alcançar alguns objectivos da consciência comum. Ainda assim, as particularidades permanecerão potenciais fontes para oxigenar o espírito local (home feelings). Isto verificou-se no Estado-nação modelo (Mill, 1910:359; 362-363), e somente um diálogo possibilita sua integração racional. O tribalismo aparenta irracional na harmonia entre vários, mas será irracional eliminá-lo com as reservas linguísticas que contém. O que fazer O professor André Sango pensa na Federação (cross cultural challenge) como a forma democrática neste diálogo (Sango, 1996). Na verdade, a eficiência administrativo e a funcionalidade das instituições do Estado possibilitam este diálogo que conduz a uma ‘consciência comum’.

Em relação à História comum, pode realçar: (a) descontinuidades e continuidades; (b) fraca sistematização das bases históricas existentes e quebra intermitente das instituições pelas quais veiculam os pilares da consolidação da História nacional dum ‘Estado nacional’ (Nação). Nesse aspecto, é possível falar de História comum242 que possa proporcionar uma consciência comum, a ser forjada a partir da Cultura nacional inclusiva. Mas isto não será um processo automático243.

Falemos de Cultura Nacional. A questão aqui assenta na adequação ou desadequação das forças identitárias parcelares das populações no território de Angola. Dois conflitos estariam aqui abertos: (a) conflito de fronteiras sociodemográficas, opondo os suportes eurocêntricos modernistas contra os suportes locais tradi-modernos; (b) conflito de fronteiras culturais entre as concentrações populacionais, quer nas cidades (em maior escala e amplo acesso ao mundo) quer nas sanzalas (com menor escala e reduzido acesso ao mundo) desequilibra consideravelmente o concerto. Se nas cidades há acessibilidade à televisão, a

242 Há uma orientação presidencial para se escrever a História (nacional/oficial) de Angola. Apenas as

metodologias para chegar a isso que ainda estão por definir devidamente. O Ministério da Cultura realiza, por isso, o Colóquio Internacional sobre a História de Angola, convidando vários especialistas de países diferentes.

243 Assim, responde a ministra numa entrevista ao Novo Jornal do dia 04 de Maio de2012: “… é um

projecto que, infelizmente, se prolonga há muitos anos, porque os integrantes da equipa se dispersam. Mas eu acredito que nós vamos publicar brevemente uma síntese da História de Angola, que era o projecto que tínhamos começado, e depois íamos iniciar o projecto para elaboração da História Geral de Angola” (p.12)

telecomunicações, de maneira confortável, essas novas tecnologias exercem outras influências no comportamento psicossocial das populações244, e nas sanzalas, embora pouco haja acesso a isso, a ‘tradição’245 permanece nas instituições sociais246 ainda vigorantes e constroem-se novas dinâmicas.

Esperemos assim ter resumido as grandes linhas abordadas por Paulo de Carvalho.

c) Versão de Ruy Duarte de Carvalho

Duarte de Carvalho advoga (Duarte de Carvalho: 2009, 163):

… Estados se fundam, por razões históricas, ou fundamentam, na concepção jacobina de Estado-Nação, e segundo porque todos esses Estados são obrigados a assumir como projecto, também fundador e à partida legitimador, a ‘consolidação’ daquela Nação que a permanência de Estado pressupõe, precisamente, e exige. A categoria nação faz falta ao Estado para que este possa existir e reproduzir-se. E no entanto, salvo excepções facilmente reconhecíveis, os Estados africanos modernos sabem que a ‘consolidação’ da Nação, para não dizer a sua ‘criação’ é de facto um projecto, um nobre projecto, aliás e sem dúvida, mas que à partida quase só conta com dois ou três factores para poder ser posto em prática: primeiro, o classe política que declara o Estado e o assume; segundo, o território em que, enquanto projecto, a Nação visada há-de projectar-se; e terceiro uma bem escassa e nalguns casos pouco profunda história comum das populações contidas nesse espaço, muitas delas só relacionáveis umas com outras a partir de uma curta e desigual experiência colonial. Na óptica de Ruy Duarte de Carvalho – o que é histórica e antropologicamente demonstrável – todo o Estado precede a Nação. O caso de Angola não lhe parece diferente. Por isso, parte-se do pressuposto que a edificação (‘criação’) de uma nação partiria de: (i) História comum247; (ii) Consciência comum248; (iii) Cultura Nacional

244 Exemplo: em Angola, os Kaluwânda (oriundos de Luwânda) são tidos como preguiçosos, de

maneira que os oriundos do interior evitam casar seus filhos com eles. Mas na verdade, é a facilidade das novas tecnologias na capital que fazem com que os Kaluwânda trabalhem folgadamente, auxiliados pelos instrumentos electrodomésticos (de difícil acesso no interior). Por conseguinte, Kaluwânda é considerado como preguiçoso.

245 ‘Tradição’ no sentido que advoga Amado Hampate Bâ: Tradição é tradição oral, usos e costumes,

etc.

246 Há convergência das identidades intercontinentais: os Kôngo angolanos manifestam sua

solidariedade com os Kôngo Congoleses, da mesma forma que os Kwanyâma em Angola/Namíbia ou os Lûnda/Côkwe em Angola/Zâmbia… o fazem também.

247 Para História comum. Será necessário recorrer aos Tratados para uma História comum O projecto

da História (Geral) de Angola – que tem como suporte jurídico um decreto presidencial – expressa nitidamente essa ideia. Socializar os angolanos segundo uma História comum consubstanciará o

patriotismo e defesa dos valores angolanos, acima de tudo. Existem três impasses: (i) a verdade

como dispositivos de execução. O Estado serve-se dessas ferramentas para efectivar a nação.

O Estado no sentido de J rgen Habermans é um aparelho administrativo com poderes centrais de execução, assumido pela elite. A sua existência é condicionada por rupturas e instabilidades sociais, que compõem não só os suportes da Consciência comum, mas também constroem a História comum. Talvez ele (Estado) surja de maneira brusca, ao contrário da nação, tida como resultado de um processo lento e enraizado no comportamento social, como herança comum (Bender: 2009).

Ainda assim, o objectivo principal da angolanidade249 permanece distante a

alcançar. Constatar-se-á que a ‘parcelaridade’ da identidade construída ou a ser construída, a partir de substratos das forças societárias, sustentaria uma continuidade contígua: natio no sentido ‘tribo’ (mãe de várias descendentes) ganha dimensão simbólica de Constituição de um Estado , ‘Mãe de várias normas sequenciais’. É nessa lógica que relemos a angolanidade de Ruy Duarte de Carvalho:

(i) Classe política, que é elite (urbana) e suas entourages;

(ii) Território, que é angolano mas composto por diferentes territórios identitários (nações étnicas), com trans-nacionalidade com países vizinhos.

Para a classe política, é de ressalvar dois aspectos: um teórico e outro prático: (i) a elite intelectualista integrava escritores (poetas e romancistas) de vanguarda

decurso histórico de Angola ainda não permite um diálogo confortável nessa questão, uns querendo superiorizar suas figuras históricas em relação a outras (justa ou injustamente); outros querendo sobrevalorizar seus actos e agudizar alguns erros fatais dos seus adversários; (ii) o diálogo social está a ganhar timbre partidário, não proporcionando pesquisas desapaixonadas fora do clima político e isto não favorece que se escreva sobre alguns assuntos. Salvo alguns autores que publicam fora de Angola, dificilmente um professor universitário se sente confortável a escrever ‘em detrimento’ das historias do partido no poder, não porque este partido amedronta ou censure, mas por clientelismo (em busca de promoção) ou ainda por receio de perder o emprego. Verificamos que cerca de 78 dos nossos inqueridos evitaram identificar-se politicamente. Foi curioso ver que mesmo aqueles que se opõem, optam por silenciar-se nesta questão. Daqueles que se identificam (cerca de 21 ), dois terços são do MPLA e o resto da UNITA, AD-Coligação, FNLA e PRS.

248 A ideia dele não difere à de Paulo de Carvalho e Victor Kajibanga. Não voltaremos a comentar isto. 249 “Na sociedade angolana, influenciada por modelos ocidentalizantes, a angolanidade explica-se ou

No documento Tese Patrício (páginas 139-153)