• Nenhum resultado encontrado

PROBLEMÁTICA E METODOLOGIA I.1 Generalidades

No documento Tese Patrício (páginas 165-173)

Presume-se que o termo angolanidade terá sido ‘inventado’ pelo escritor angolano Costa de Andrade (vulgo Ndunduma), ou pelo menos nas suas conversações com Alfredo Margarido. Utilizado como uma variedade semântica, angolanidade aglutina os suportes nocionais de nação e nacionalidade (angolanas), que se tornaram metodologicamente visíveis nas ‘reflexões sociológicas’ de Mário Pinto de Andrade. Amplificado e/ou redimensionado por outros académicos, como Victor Kajibânga, Paulo de Carvalho, Ruy Duarte de Carvalho, Arlindo Barbeitos, entre outros, o termo ganhou outras substâncias definicionais e notoriedade expressiva na cidadania académica.

Para a sua compreensão, é fundamental um olhar histórico da descolonização de Angola em busca de subsídios do ‘nacionalismo independentista’, por um lado. Por outro, angolanidade ultrapassa, nocional e ideologicamente, a descolonização, desenhando-se diferentemente nas experiências recentes, principalmente a partir dos anos 90 (do século passado) até relativamente às eleições legislativas em 2008. Ainda

assim, o termo não cessa de dilatar-se semanticamente269, quer na horizontal270 quer na vertical.271

Para problematizar o tema, lançar-se-á uma pergunta inicial: será a angolanidade alguma teorização para compreender a evolução (antropológica) da nação e nacionalidade e fornecer explicações sobre a pluralidade de nacionalismo angolano que a formatou e que proporcionou o projecto de Estado-nação angolano?

Alguns teóricos angolanos formularam interessantes tentativas de resposta a esta pergunta, aparentemente simples. Para o professor Kajibânga (2002), como já vimos atrás, angolanidade, que na linguagem e percepção sociológica de Mário Pinto de Andrade era uma construção da ‘identidade cultural nacional de Angola’, seria uma tentativa intelectualista (elitista), face às dinâmicas das correntes africanistas (africanidade, negritude, africanismo…) que congregam as forças socioculturais das populações (grupos etnolinguísticos na sua linguagem) na substancialização do projeto ‘Estado-nação moderno’.272 Na verdade, o autor faz uma releitura sociopolítica, partindo das ‘representações identitárias’, societárias dos constituintes angolanos, onde só pode haver ‘Estado-nação’ caso haja inter-culturalidade (cultura partilhada). Neste aspecto, importa citar Luís Kandjimbo273 pela sua busca de compreensão em Mário Pinto de Andrade, sobretudo nas suas ‘polémicas’ com José Venâncio e Francisco Soares. Há, também, um sociólogo que nos interessa, Paulo de Carvalho. Defendendo a mesma postura, esse autor considera angolanidade como reflexão em busca da harmonização dos grupos sociais angolanos: bantu, não-bantu e euro-descendentes, tendo em conta as exigências modernas de Estado-nação. Para o antropólogo e cineasta Ruy Duarte de Carvalho, Angola é uma nação (Estado jacobino) que preferivelmente necessita o seu fortalecimento através de outros

269 Fomos convidados, pelo GRECIA (Grupo de Revitalização e Execução da Comunicação

Institucional da Administração, criado por Decreto Presidencial), a participar num projecto de ‘angolanidade’, no dia 5 de Outubro de 2011. O debate contou com a presença de Samuel Aço (antropólogo), Paula Simons (jornalista/deputada), Luandino de Carvalho (jornalista e artista), Kapitango Nguluve (filósofo e pedagogo), Simão Souindoula (historiador), Abreu Paxe (poeta), Isilda Hurst, etc. Percebemos quanto a angolanidade se revestia de novas noções.

270 Ainda que as primeiras teorizações se tenham verificado nos militantes do MPLA, a ideia alastrou

para outras organizações políticas que, como veremos adiante, contextualizaram as noções desta angolanidade.

271 Como veremos, as definições de angolanidade (entre militantes do MPLA) ganharam outros

subsídios, ao longo do tempo.

272 O Estado-nação, consoante a modernidade ocidental (Europa e América do Norte): (i) nasce da

vontade da população, quer por democracia, quer por res-pública; (ii) ele espelha a união plural das forças sociais e dos seus espaços que se torna um espaço nacional sob gestão do Estado.

dispositivos auxiliares, tendo em conta os desafios actuais: angolanidade é para ele a construção da nação angolana a partir dos valores socioculturais das populações parceiras que habitam o território angolano. Arlindo Barbeitos olha na construção do Estado-angolano a partilha das tarefas entre Estado e Economia Social (Staatnation), um diálogo histórico no encontro conflitual ou cooperativo entre as populações africanas e o colono português, onde se constrói uma plataforma simbólica e plural (Kulturnation) a partir das heranças sociais de todos os angolanos.

Todos esses especialistas coincidem em duas posições: (i) angolanidade seria um conjunto de reflexões sobre a matriz cultural angolana, a partir do qual se pretende forjar instrumentos jurídicos como dispositivos moldadores do ‘cidadão nacional/inclusivo angolano’. Por isso, realiza-se periodicamente um Simpósio sobre a Cultura Nacional274 onde, entre outras, as contribuições académicas e dos políticos são exploradas; (ii) com a proclamação da independência de Angola, ergueu-se um ‘Estado’ jacobino à moda ocidental, consubstanciado nos valores tipicamente africano/europeus e de natureza basicamente diferente. Só que ele não absorve as nações pré-coloniais, dai a razão da elite sociopolítica formular propostas para o ‘Estado-Nação’, congregando as forças sociais parceiras. Face às correntes políticas de Estado-Nação, nascem polémicas realmente interessantes sobre o slogan de Agostinho Neto275: uns advogam que Angola não seria uma Nação, nem Estado; nem sequer um Estado-Nação. Tratar-se-ia de um projecto (ainda exclusivista) de ‘Estado- Nação em construção’ que, para estas vozes oposicionistas, seria mal concebido. Para os outros que pretendem alicerçar-se nas observações realistas (e não nas promessas nacionalizadoras partidárias), acham a postura de Agostinho Neto simplesmente lusotropicalista ou nativista e, no entanto, desconhecedora da pluralidade social de Angola, onde ainda são palpáveis várias nações.276 Para esta corrente, Angola é um Estado onde permanecem as nações pré-coloniais através das línguas, costumes e

274 O primeiro Simpósio realizou-se em Luanda, entre 1 e 6 de Outubro de 1984; o segundo realizou-se

em Luanda, 3-7 de Novembro de 1997; e o terceiro foi em Luanda, em Setembro de 2006. Participamos na terceira edição com a comunicação: “Etonismo: estética da ruptura”. Tratava-se de uma proposta de preservação da cultura contemporânea.

275 “De Kabînda ao Kunene, um só povo, uma só nação”. Uma atitude correctiva – oriunda de Jonas

Savimbi, muito provavelmente – quer que se diga: “De Kabinda ao Kunene; do mar ao Leste”. O mar é oceano atlântico, e o Leste de que se falar é a região banhada pelo rio Kwângu.

276 As nações africanas antigas foram divididas em repúblicas, no caso do reino do Kôngo, Estado

‘formas de pertença’, que ainda têm uma cobertura em toda extensão territorial angolana.

A forma com que estes estudiosos lidam com essa pergunta, gere em si algumas possibilidades de resposta e suscita o interesse para lançar novas pesquisas. Embora seja detalhadamente desfeita a ideia da Nação no entender de Agostinho Neto, enquanto político e com uma visão futurista de Angola, os especialistas acima citados concordam quanto ao ‘Estado-Nação’ em construção277. Pode-se compreender que seja um ‘Estado’ no sentido jacobino, uma vez que Angola ainda é uma república, cujos seus ‘filhos’ conquistaram a independência perante a colonização portuguesa. No entanto, o termo nação278, no singular, não parece considerar a pluralidade das populações (constituintes societários), que visivelmente seriam assimiladas, cada uma, a uma nação étnica (Smith, 1986279), quer do ponto de vista histórico, quer do ponto de vista antropológico. Ou, citando Paulo de Carvalho, “em Angola, existe Estado, existem várias etnias e existe pátria, mas não existe nação” (Carvalho, 2000: 65-66). Jonas Savimbi esperava que a luta comum contra a política colonial levasse à criação de uma nação plural e coerente (Savimbi, 1979). Agostinho Neto pensava numa nação como o ‘lugar-comum’, onde todas as forças sociais (étnicas) angolanas estariam em permanente diálogo.

Ao nosso ver, Angola como Estado-nação sobrepõe-se às sequelas das antigas nações históricas angolanas (reduzidas nas vestes de etnias). Serão destacadas aqui apenas cinco, por terem correspondido com as nossas pesquisas anteriores280: (i) ambûndu; (ii) côkwe; (iii) kôngo; (iv) !kung/khoisan e (v) umbûndu. Talvez faça sentido dizer que Angola seja nação no sentido republicano, tal como nos mostra a História. É possível, também, que o sentido de nação se enverga nocionalmente no

277 A Televisão, servindo de ‘dispositivo’ para a educação, passava alguns programas cujos objectivos

era “Reconciliar as populações destruídas pela guerra”: “Nação Coragem” por exemplo. Na Rádio existiam os mesmos programas, também.

278 A cultura lûnda é consideravelmente a dos Côkwe; entre Ambûndu e Kôngo a mesma disparidade é

verificável. Daí, a nação singular é negada pelos inquéritos, tal como antes de nós alguns autores o verificaram também, no caso de Paulo de Carvalho (2002); Victor Kajibanga (2000), Venâncio (1998), etc.

279 Anthony Smith parte do pressuposto que ‘etnia’ e ‘nação’ – dois conceitos diferentes – são tidos

como base para a ‘identidade cultural congregadora’. Contudo, o autor admite que as fronteiras das etnias passam por um processo de transversalidade no processo político.

280 Referimo-nos a: (i) As Origens do reino do Kôngo, Luanda: Mayâmba, 2010; (ii) O reino do Kôngo

e a sua Origem meridional, Luanda: universidade Editora, 2011; Origens do reino do Kôngo consoante a bibliografia e a tradição oral, UFPB/UNO, 2012. A pesquisa efectuou-se entre 1994 até

mesmo sentido anterior (antigos reinos pré-coloniais). Parece substanciar-se desta forma: essas populações sendo vestígios das nações pré-coloniais (portadoras das identidades) ainda vivem à luz das suas leis costumeiras, paralelamente à Constituição de Angola Estado.

Mas as análises (que nelas se fará) correspondem à tentativa de possíveis respostas quanto a uma das possibilidades que se levanta sobre o tema (ver a introdução). Ainda assim, a busca dessas respostas, cuja abordagem é realmente interessante, não poderia satisfazer a pergunta inicial deste trabalho, senão adequar apenas a forma de compreendê-la, embora muito insignificantemente ainda. Dois pontos essenciais nesse aspecto: (i) a definição estrutural de três angolanidades, consoante o seu percurso histórico (angolanidade apriorística, rizomática e aposterioristica), espelha diferentes leituras sobre nação; (ii) a persistência das sequelas das velhas nações em epítetos como ‘grupos étnicos’ ou ‘grupos etnolinguísticos’281 ou ainda ‘populações’, no panorama social actual (na era da globalização), indicaria de maneira clara da pretensão de nações no plural, em vez de nação em singular. Nestes dois aspectos, procuraremos saber junto das populações de todas as províncias de Angola as suas opiniões e interpretá-las.

Interessante é ver a maneira simultânea (ou preferível a uma opção) como os Angolanos mostram282 o afecto perante o seu Estado/Angola (pátria) e as suas ‘nações identitárias’283 (étnicas), e isso servirá de amostra para compreender as diferentes noções de nacionalidade. Parece que o Estado angolano consolida a cidadania no aglomerado cultural, ao passo que os angolanos que consultamos, manifestam (na sua maioria) suas identidades individuais a partir do espaço ou herança sociocultural.

Algumas deferências serão acauteladas. A repartição populacional, consoante as províncias angolanas, mostra que nem sempre a província é exclusiva a uma única etnia.284 Visto que esta geografia linguística e humana data de há mais de um século e

281 Internamente, ‘etnia’ é inferior a ‘sociedade’. A ‘etnia’ não será alcançada à luz da civilização em

que vive uma sociedade. E nos desafios atuais, sociedade supõe relações complexas de várias ‘porções’ populacionais. A ‘etnia’ limitar-se-ia a uma organização parental, onde todos são primos e familiares… e as suas relações são definidas nessas condições, sendo assim um ‘assunto rural’, ao passo que a sociedade é um ‘assunto urbano’.

282 Estamos aqui a nos referir aos nossos inquéritos, recolhidos junto de mais de 1500 angolanos em

populações de todas as provínciasexistentes em Angola.

283 89 dos inquiridos preferem identificar-se com os seus grupos etnolinguísticos. Ver as estatísticas. 284 No Uíge, província maioritariamente Kôngo, encontram-se algumas populações e ‘terras históricas’

Ambûndu, sem esquecer os êxodos dos Umbûndu e Lûnda-Côkwe, que datam já de há mais um século. Salientamos que Ambûndu e Kôngo são hoje tidos como duas populações diferentes, mas no passado,

tendo sido já assinalado no princípio do século XIX, optamos percorrer não só todas as províncias, mas, também, proporcionamos a participação – nos nossos inquéritos – de todas os grupos etnolinguísticos285.

De salientar, também, o inverso: províncias diferentes, cuja língua africana angolana é a mesma: Cabinda, Uige e Zaire, para kikôngo e suas variantes; Bié, Huambo, Benguela, Huila, Namibe, Kwându-Kubângu, para lyumbûndu e suas variantes; Lunda-Norte e Sul, Moxico, para côkwe ou lûnda e suas respectivas variantes. Embora se tenha conta desses pormenores, a geografia sócio-administrativa parece fornecer explicação. Duas razões fundamentais podem estrategicamente permitir-nos alcançar resultados face à pergunta inicial: (i) o espírito de Estado comporta a ideia de agregar e integrar as diversas populações a uma comunidade estatal (política), o que aliás corresponde ao subtexto da pergunta inicial; (ii) as desconformidades populacionais, em relação ao neo-habitat, aparentam-se explícita e coerentemente teorizáveis, em concordância com os princípios de habitabilidade existentes, quanto às estratégias temporárias que no passado a administração colonial tentou adequar para seus interesses e que mais tarde, a administração do pós- independência angolano procurou adequar aos seus benefícios. Por essas duas razões, serão simplesmente consideradas – para amostra – as expressões profundas, manifestadas para o universo que fez parte da nossa pesquisa, o que daria maior originalidade sobre o assunto.

Depois abordar-se-á o nacionalismo. Trata-se de uma questão demasiada vasta (pareceu-nos a menos estudada antropologicamente286) e abrangente287 que se prefere eram considerados como pertencentes ao mesmo “reino/nação” (Cavazzi, 1671 1965), e a sua separação (que nos parece ter sido consequências das rivalidades políticas: FNLA/Kôngo; MPLA/Mbûndu) nos dias de hoje, tem criado inúmeras inconveniências aos historiadores. Nas nossas pesquisas, os Kôngo admitem terem origem quer do Sul nos Umbûndu, quer de Leste nos Lûnda- Côkwe (Batsîkama, 2010: 61-100; Batsîkama, 2011:87-135). O mesmo caso se repete com a província de Malange, onde há populações de expressão côkwe, kikôngo, kimbûndu e lyumbûndu, correspondentes às populações (nações ) Côkwe, Kôngo, Ambûndu e Umbûndu. Na província Kwânza Norte há kikôngo e kimbûndu; já no Kwânza Sul há côkwe, kimbûndu e lyumbûndu, como línguas correntes das populações. No Moxico as populações exprimem-se em lyumbûndu (Ngângela) e côkwe. Na Huila, Cunene, Namibe, Kwându-Kubângu há lyumbûndu e línguas dos !Kung. Um dado interessante: os Côkwe estão no Sul, no Centro, no Nordeste e partilham mais de nove províncias; Moxico, Huila, Lûnda Norte e Sul, Malange, Bié, Kwându-Kubângu, Kwânza Sul e Norte. Podemos encontrar uma explicação relativamente boa nas recolhas de René Pellisier (1997).

285 Reconhecemos o desequilibro em relação aos !Kung. Além de ser difícil comunicar com eles (por

falta de tradutor ou de eles nos evitarem, como europeizado, com medo de contágio), é evidente considerar a sua cosmogonia fundamentalmente diferente/divergente dos desafios da globalização.

286 Os estudos antropológicos neste aspecto são reduzidos: Schubert, 1999; Cahen, 1994; Luansi, 2003;

aqui parametrizar, a fim de evitar esvaziamento no assunto: (i) limitar-se na experiência de três independentistas cuja bibliografia académica teorizou a tipificação (Marcum, 1962); (ii) aprofundar o item antecedente com análises das entrevistas288 e interpretação dos inquéritos feitos por nós; (iii) estruturar a anatomia do nacionalismo angolano.

Com isso, será relativamente possível proceder às comparações analíticas entre nação, nacionalidade e nacionalismo, para compreender as possibilidades de responder à pergunta inicial e outras colaterais, a surgirem durante o tratamento de dados ou nossas reflexões sobre o tema.

I.2. Acerca da pergunta inicial

Tendo em conta as noções de nação, nacionalidade e nacionalismo, que se congregam na angolanidade, tal como se verificou no que precedeu com os principais teóricos e pensadores, partir-se-á de três blocos preambulares, contidos na pergunta inicial:

1) Se partirmos do pressuposto que o tipo de nacionalismo cria o tipo de Estado-nação – tal como é a compreensão histórica que legitima as grandes nações/Estado-nação – qual seria o caso de Angola, partindo dos nacionalismos verificados (FNLA, MPLA e UNITA) 2) Se partirmos da ideia que a nacionalidade é expressão de valores

identitários de um indivíduo, como capitais socioculturais, qual seria a ‘estrutura da pertença’ que vigora em Angola Será que há cidadania exclusiva ou inclusiva

3) Se partirmos do princípio que a nação é uma integridade imaginária, partilhada por uma diversidade populacional face a integridade territorial que lhes proporciona um destino comum, será Angola uma nação ou Estado-nação em construção

2008; Pareira, 1998; Parson, 2006; Madeiros, 1976; Maracho, 2008; Guerra, 1979; Gonçalves, 1991; Reis, 2010 (este autor é historiador); Peclard, 1998; Messiant, 1983; Marcum, 1969; 1978; Heywood, 1989 entre outros. Muitos deles são historiadores, de maneira que a análise antropológica é pouca.

287 Reconhecemos as teses de Doutoramento de autores muito referenciados (ver a bibliografia), mas o

assunto é mais estudado do ponto de vista histórico. Muitas dessas teses precisam de ser reestruturadas, principalmente aquelas que proporcionaram linhas de pesquisas relacionadas aos nossos propósitos (Bender, Marcum, Okoma, Pelissier, Wheeler, Messiant, etc.). A nossa tentativa é limitada, e longe de satisfazer as lacunas sobre o tema. Foi feito aqui uma leitura antropológica do assunto, cujos resultados dependeram das nossas humildes recolhas e da metodologia inerente.

Pela natureza das perguntas, acautelamos não lançar as hipóteses agora, e preferimos construi-las nas nossas análises, ao tentar compreender o problema: Angola foi um projecto de ‘Nação’ diferentemente definido por três grandes movimentos nacionalistas que, para além de serem condicionados pelos seus espaços sociais e heranças coloniais, marcaram, ao longo dos tempos, as disparidades e divergências que permitiram que tenham visões diferentes sobre o seu país. Por possuirem diferentes ‘estruturas de pertença’ definiram, também, diferentemente ‘quem é Angolano’. No momento em que um dos projectos prevaleceu (o de MPLA), o nosso estudo procura perceber como, nos dias de hoje, estas diferenças constroem o seu ‘lugar-comum’.

I.3. Em busca da resposta

Em relação a estas perguntas, pensamos, num primeiro instante, ver se, com os parâmetros socio-culturais e políticas de Luanda, seria possível verificá-las. Na discussão que se notou sobre angolanidade, os especialistas parametrizam seus estudos em: (i) ‘cidadania urbana’ como epicentro da criação de Angola como ‘nação imaginária’; (ii) Luanda como modelo. Na verdade – de acordo com as nossas observações e dando crédito a vários autores – Luanda parece ser um ‘agregado’ dos espaços sociais angolanos. Aliás, a maior partes dos teóricos sobre angolanidade, ainda que evoquem a inclusão de ‘agentes oriundos de todos espaços sociais angolanos’, apresentam-nos trabalhos confinados a Luanda.289 Ana Lúcia de Sá, por sua vez, notou o mesmo na sua Tese de Doutoramento (Sá, 2012:24):

Portanto, privilegia-se, na narrativa angolana, o ambiente urbano, em especial o luandense, como cenário espacial, cultural e social, não raro tomado como símbolo do país ou a metáfora da nação.

Ainda que esta observação pareça sistematizada, verificada (ou mesmo dogmatizada) e, curiosamente, consistente em algumas ciências sociais, como a sociologia (urbana ou rural), na verdade, trata-se apenas de um simulacro quando se

289 Kajibanga, 1999; 2000; Carvalho, 2002; Carvalho, 2008. Salvo Duarte de Carvalho (que é

antropólogo), Victor Kajibanga e Paulo de Carvalho são sociólogos. Quer dizer, cientistas sociais da urbanidade, como se dizia nos meados dos séculos XX. Para eles, interessa considerar Luanda nesta questão embora Kajibanga refere-se, também, ao exemplo especifico de Moxico. Para nós, e tendo em conta a desconstrução que propusemos, será necessário optar uma outra estratégia: ir às províncias.

trata de angolanidade de ponto de vista antropológico. Recomendamos, de preferência, que se procure sempre a coerência da questão de angolanidade em todos ‘espaços sociais’ angolanos. Isto é, não é muito aconselhável partir de sínteses que possam conter ‘inverdades’ internas e ‘quase’ impercetíveis nas lupas analíticas sociológicas, mas percebíveis pelas lentes do olhar antropológico.

A seguir, iremos mostrar como Luanda é uma amostra interessante para estudos sociológicos dos ‘espaços angolanos’, mas não tanto suficiente para leituras antropológicas sobre angolanidade, tal como a desconstruimos: nação, nacionalidade e nacionalismo.

No documento Tese Patrício (páginas 165-173)