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ii Poder em África

No documento Tese Patrício (páginas 103-107)

Georges Balandier apresenta-nos o poder e a imagem do poder em África, de forma geral. Para este antropólogo, a montagem teatral aproxima-se do poder, de forma geral. Em relação à África, o antropólogo é de opinião seguinte:

En Afrique, il existe une imagerie perçue pour exprimer le pouvoir. Dans mon livre Le pouvoir en scène, je pense montrer comment le politique est toujours fabriquant de l’image de lui-même pour exercer ce que l’on appelle le pouvoir… Il y a un auteur (méconnu) qui commente sur Shakespeare en proposant le concept de théatrocratie… qui montre qu’au-delà de régimes, des constitutions, …. Il y a en commun à tous le régime de mise en scène, le régime de géo-théâtral : le régime du fait que le politique est aussi un acteur… L’ordre du politique est favorable à cette représentation de l’image. C’est le cas du pouvoir traditionnel, car ce sont des pouvoirs potentiellement en images159… il y a tout un scénario et des acteurs

chacun avec un rôle précis, o est mis en vedette le politique… et c’est cyclique… C’est le cas, au Bénin, o quand le souverain meurt, on dit : l’ombre est tombé sur le pays, la justice/l’ordre a disparu… D’o la nécessité de restituer la lumière, la justice ou l’ordre… Il y a toute structure, une machinerie dont les acteurs que interviennent pour restituer la lumière ou l’ordre disparu160.

159 Esta acepção é amplamente observada por vários autores, dos quais passamos a citar os que

achamos interessantes: Areia, 1992; Biebuck, 1957.

160 Março de 2011, em Paris. Uma entrevista semelhante pode ser consultada na:

http://www.youtube.com/watch v XZEVNY7ZGM0 (consultado no dia 20 Junho de 2013). Aqui vai a tradução: “Em África, existe uma imaginária percebida para exprimir o poder. No meu livro, Le

pouvoir en scène, penso mostrar como o político é constantemente fabricante da sua própria imagem

para exercer o que se chama poder… Há um autor (mal conhecido) que comentou Shakespeare propondo o conceito de teatrocracia… que ilustra que para além dos regimes, das constituições particulares, …. Há em comum, nestes todos regimes, há « mise en scène », o regime geo-teatral : o regime do facto que o político é também um actor … A ordem do político é favorável à esta representação da imagem. Este é o caso do poder tradicional, porquanto são poderes potencialmente em imagens … existe um cenário e os actores desempenham cada um papel preciso, onde está

É de facto interessante a maneira como Georges Balandier teoriza o poder e os suportes de imagem deste poder, não só em África, mas na sua visão global, com peculiaridades na sua instrumentalização. Nesta observação interessante de Balandier interessa-nos sublinhar (i) poder e (ii) imagem do poder, tal como se apresenta nos seguintes suportes:

(a) Etnicidade161: como suporte étnico de nação reúne certo consenso. Nas suas

reflexões profundas em Afrique: démocratie piégée (Ngbanda, 1994) – antigo secreta de Mobutu (na antiga república do Zaire) – de nome Honoré Ngbanda lança duas ideias nítidas em relação ao insucesso de Estado-nação: (i) a destruturação profunda das sociedades africanas (desde a escravatura até à colonização) criou uma extrema pobreza a todos os níveis, mas sobretudo, tornou estas sociedades ‘estrangeiras’ nas suas próprias terras; (ii) a imposição de uma pseudo-democracia, cuja aplicabilidade é sancionada pelas instituições anti-democráticas, arrogantes e segregacionistas como ONU, FMI, Banco Mundial, TPI (Raposo, 2010). Isto é, a ‘Era da democratização’ tinha, entre outros propósitos, o pressuposto de experimentar algumas teorias neo- imperialistas. As desordens em África são assentes na eleição de dirigentes que não pertencem às etnias insurrectas. E propõe-se mesmo o modelo cíclico162 dos dirigentes oriundos dos grupos étnicos constituintes do país, na base dos modelos de cada ‘nação étnica’, tal como avançado por especialistas (Lloyd, 1965: 63-112). A imagem do poder à volta do Político – tal como o teorizou G. Balandier – poderá resultar na estabilidade dos países e dispõe de dois ou três grupos históricos, quando previamente definidos pela Constituição e dependendo das organizações destes grupos étnicos para efeito. A partir de quatro grupos étnicos (e mesmo três), as possibilidades de instabilidade são enormes, como aliás se verifica em África (Bourmaud, 1997), de modo geral: (i) as divergências internas destes blocos étnicos são consequentes da Escravatura (Rinchon, 1938; Klelner, 1973: 89-100) e Servitude Colonial (Alcandre, 1954-I; II) e projectam as matrizes já destruídas no Pós-independência; (ii) os conflitos internos fragilizam estes blocos (Girard, 1952:108-109) por falta de comunicação entre novas imagens do poder e adaptação dos actores do poder; e também pela ausência de suportes colocado em famoso o político… e é cíclico … É o caso do Benim, onde o soberano morre, diz-se : a

escuridão caiu no país; a justiça, a ordem desapareceu … Dai, a necessidade de restituir a luz, a justiça ou a ordem … Há toda uma estrutura, uma maquinaria, cujos actores intervêm para restituir a

luz ou a ordem desaparecida.”

161 Cahen, s/d: 94-103; Chabal, 2009; 1994; Amselle; M’bokolo, 1999; Grillo, 1998

162 Isto quer dizer o seguinte: (i) num país onde existem as etnias A, B, C e D, deverá vigorar uma lei

que estipula que o dirigente/presidente seja ciclicamente A, B, C e D, consoante uma periodicidade bem determinada; (ii) em cada “reino étnico”, as minorias simbólicas – já que estatisticamente sejam maioritárias – verão os seus votos ‘sem expressão’, quer na aparelhagem legislativa, executiva ou mesmo noutros domínios de poder. Ainda assim, seria uma Democracia ao modo de África.

de um sistema consistente, regular e dinâmico destes blocos (Labriola, 1945: 29); (iii) as assimetrias internas reproduzem exclusões entre os constituintes, favorecendo assim porosidades de instabilidade (Bayart, 1989). Perante estes factores, a mutli-etnicidade nas repúblicas africanas é apontada por vários autores, como causa da desestabilização sociopolítica (Kanneh, 1998; Ngbanda, 1994).

(b) Ocidentalização do Estado africano (Badié, 1992): (i) o contacto de duas culturas, no caso dos Africanos e dos Europeus, que conheceram rupturas históricas importantes na definição de ‘país’, ‘Estado’ e ‘democracia’ é sumário em toda a África (Bourmaud, 1997). As independências de África partiram de três ideologias: (i) África aos Africanos (Bianes, 1980), que gerou pan-Africanismo; (ii) Africanidade e Negritude (Adoveti, 1972), que reforçaram a etnicidade (Barth, 1969); (iii) Luta armada. O africanismo repudia o ‘acto colonial’ e revalorizava o ‘africano civilizado’, a ponto de sustentar teorias segundo as quais a História e as Civilizações do Mundo partiriam de África.163 As africanidades tentaram provar capacidade civilizacional ou criativa (Appiah, 2010:37, 53; Bidima, 1993) na reinvenção da África contemporânea, sem o paternalismo ocidental, face aos seus desafios contemporâneos. As negritudes tiveram inicialmente uma tensa “discussão sobre raça” (Belchior, 1951); buscaram minimizar os evangelhos colonialistas sobre a primitividade do negro. Além desta luta intelectual – e quase simultaneamente – a luta armada foi tida como “instrumento de pressão” para, nas lides intelectuais, negociar as emancipações e independências (Benot, 1981). Nestas três fases, resultaram repúblicas africanas que, a priori, eram simples ocidentalização (Badié, 1992), que alcançou apenas as elites.164 Ao assumir os destinos de África, as elites encontravam três problemas genéricos: (i) negação cultural das massas que defendiam (Habermas, 2001); (ii) necessidade de serem reinterpretadas nas suas ações (Chabal, 1994); (iii) incongruência entre a ‘cosmogonia’ que impunha o modelo de Estado-nação (Amim, 1999: 92-118), proposta pela elite, e a ‘cosmogonia’ das massas assalariadas (Bimwenyi, 1977). E, por isto, assistiu-se a violências generalizadas (Kaarsholm, 2006).

(c) Raça: em alguns países africanos (Angola, África do Sul, Cabo-Verde, Moçambique, Zimbabwe, sobretudo), o problema de raça é presença inevitável nesta questão (Boxer, 1967). Michel Cahen trabalha nesta questão de forma interessante (Cahen, 1994). Em relação a Angola, o professor Fidel

163 Expansionismo: (i) África é o berço da Humanidade; (ii) Civilizações egípcias importadas pela

Europa; (iii) etc. Nestas teorias, sustentos são enormes: Kalaari seria o deserto mais antigo do planeta; Kho Khoi constituem as populações ainda vivas as mais antigas; o alfabeto fenício seria oriundo do Egipto, etc.

164 A Elite estava concentrada na ‘capital’: (i) a imposição das capitais perante as províncias, se

traduziam, porém, nas imposições da Elite em relação aos demais; (ii) os espaços sociais do Poder foram ocupados pela Elite; (iii) as heranças da Elite é um cúmulo de heranças, nomeadamente, académica, cultural, financeira, económica, etc. Elas prestigiam a Elite.

Reis apresentou a sua pesquisa de Doutoramento numa linha semelhante, partindo do Bilhete de Identidade (Reis, 2003; 2010): isto é, cartão de cidadania. O professor Arlindo Barbeitos é, neste aspecto, o autor que mais apresenta os problemas sob vários olhares e de forma panorâmica, para além de discutir as teorias na ordem histórica da formação de Angola, enquanto país (Barbeitos, 2009).165 Santil, de modo igual, apresentou um trabalho de Tese de Doutoramento sobre os mestiços, que interessa citar aqui (Santil, 2006). No caso específico, há um artigo interessante que explica a presença inconfundível dos mestiços em São Paulo de Loanda entre 1838 e 1848 (Stamm, 1972). R. Walters abordou o racismo durante a revolução angolana (Walter, 1973), na sua dissertação de Mestrado. O tema da raça ganhou outros horizontes na obra de G. Ribeiro (2013), e mesmo para os estudos do ADN.166

A construção de Estado-nação, pelos nacionalismos, apresenta estes três pontos; e os primeiros Estados independentes africanos – mesmo os últimos a conquistar a independência – nasceram nesta proporção. Isto é, eles nasceram na base das estruturas populacionais estraçalhadas, na inconsistência das ideologias construídas pelos conceitos importados (com pouco endogeneização) e por vezes mal-

165 Publicado em 444 páginas, este livro é interessante (consultamos a versão francesa, mas

aconselhamos a versão portuguesa que explica melhor os propósitos do autor): (i) o autor busca bases num passado longínquo (século XVI) e acompanha as diacronias (na base das obras de autores autorizados como Cadornega e outros) e as transformações até à pós-independência; (ii) o autor nasceu em Catete, ingressou a Luta da Libertação e, ainda esteve presente no Gabinete de Agostinho Neto, primeiro presidente da República de Angola. Isto é, é um autor recomendável, não só pela condição de angolano, mas sobretudo, pelo interessante estudo que apresenta.

166 Numa edição da BBC Brasil, foi colocada a pergunta: É possível falar em ‘raça’ A resposta foi

esta: “O termo ‘raça’ é atualmente evitado por muitos geneticistas pela conotação política que já carregou e pelo uso ideológico que já foi feito em teorias racistas. Eles preferem usar conceitos como grupos continentais.

“O geneticista Diogo Meyer, professor do Instituto de Biociências da USP, afirma que a criação do conceito de raça foi uma tentativa de explicar as diferenças entre os subgrupos da espécie humana, mas que os critérios originalmente usados como cor da pele ou formato do rosto não se confirmaram como os diferenciais de cada grupo nos estudos genéticos.

Assim, mais do que agrupar humanos como ‘negros’, o que denota apenas a cor da pele, Meyer explica que é mais preciso identificar um grupo ‘africano’, que, por meio do processo de seleção natural, desenvolveu, entre outras características, a cor da pele mais escura, mais apropriada para a vida na África. Ou seja, as diferenças entre os grupos estariam mais ligadas a origens geográficas, do que a características físicas.

“Já o geneticista Francisco Salzano sustenta que, apesar do mau uso que já foi feito do conceito de raça, o fato de ser possível distinguir características associadas a cada a grupo continental, por si só já justifica o uso do termo raça.

“ Uma raça é uma subespécie. A espécie humana se diferenciou em grupos continentais. Agora, com o aumento do fluxo intercontinental essas diferenças estão desaparecendo. Isso não significa que eles não tenham ainda diferenças genéticas marcantes , diz Salzano”.

( http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/05/070503_dna_entenda_cg.shtml consultado em Outubro 2012)

interpretados – etnicidade, autenticidades, africanismos167 explicariam melhor este facto – na sua operacionalidade ou funcionalidade (Claphan, 1996; Carey, 1970). Estes nacionalismos foram, ora associados à sobrevalorização das nações étnicas – o que na verdade reproduzia divisões e apresentava dificuldades em solucionar face às ‘armadilhas neo-colonialistas’; ora aceitavam concorrência sociocultural e socioeconómica, entre diversas ‘forças sociais’ que, no amanhã da independência, se tornaram cidadãos destes países africanos.

No documento Tese Patrício (páginas 103-107)