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Nacionalidade, cidadania e identidade nacional

No documento Tese Patrício (páginas 74-85)

1 Etnia, nação e Democracia: teorias sobre Estado-

I.2. Nacionalidade, cidadania e identidade nacional

107 Talvez seja por isto que alguns africanistas acusaram Hegel, Nietzsche, Heidegger, como ‘racistas’,

tendo como patologia o ‘complexo de superioridade’ em relação a outras populações/nações.

108 Durante a nossa comunicação na Universidade de Hamburg, em 12 de Setembro de 2013. 109 Jurídico: ‘Rectliche’. Recth: Direito; liche ou lichung: publicado; publicação.

110 Habermans, 2002; Giddens, 1994; Hall, 1991; Miller, 1992; Halbwachs, 1970.

111 Smith, 1991; 1992; Afferga, 1997; Anderson, 1983; Gellner, 1983; 1997; Chatterjee, 1993.

112 Aconselhamos aqui os artigos publicados por: (i) Delamoi; Taguieff, 1991; (ii) Adibe, 2008; (iii)

Birnbaum, 1997. Em alemão o termo seria Staatsbürgerschaft: Staats: Estado; Bürgerschaft: burguesia. Como podemos notar, a ideia exprimida, inicialmente, é oriunda de Jus sanguinis no

i. Generalidades

No conhecimento actual destes termos e como já sublinhamos atrás, nota-se que as suas fronteiras nocionais são cada vez mais aproximadas. Mas a princípio, são noções que surgiram em contextos diferentes e em diferentes diacronias históricas. A cumplicidade nocional de entender um e outro leva-nos a especificá-los de forma geral, antes de abordá-los nos próximos capítulos.

ii. Nacionalidade

Se devemos analisar esta palavra (nacionalidade) pela sua raíz, teremos: nacional + idade. O primeiro é, por sua vez, derivativo de ‘Natio’ (Mãe/Deus da natalidade); o segundo é sufixo nominal que indica a qualidade ou o estado da coisa. Por isto, nacionalidade é geralmente definida como “estado de pertencer a uma Natio/país”. Na origem, este ‘estado’ era apenas por nascença. Na Grécia antiga, por exemplo, cada ethnos tinha definido a nacionalidade (por origem) de forma peculiar. Os Dórios eram militares, os Jónicos eram artistas… e cada aspecto social fazia parte da definição da nacionalidade de cada um. Mais tarde, a nacionalidade grega era o conjunto das ‘nacionalidades étnicas’ de todos, mas já com um outro sentido: o Estado grego considerava, dentro do ethnos, como cidadão, todo o possuidor de símbolos etnicos (associados às ‘riquezas’) e que participava no destino do país, embora inicialmente tenha-se limitado apenas àqueles das cidades.113 Paul Gilbert nos

faz perceber que este ponto é importante para diferenciar-se com o estrangeiro, quer na salvaguarda dos seus direitos cívicos, quer na identificação do seu estatuto cultural (Gilbert, 1998: 8-9). Nos tempos de Emmanuel Sieyes, nacionalidade já era pluralidade natalícia na vontade de ‘viver em conjunto’ de vários constituintes.114

Nos tempos modernos nacionalidade estruturou-se a partir de: (i) traços socioculturais; (ii) protecção jurídica. Mas já no passado, notou-se que os países

113 Cidade aqui refere-se apenas aos espaços geográficos onde se notavam: as actividades

administrativas; comerciais; educacionais; etc. Geralmente consistiam em ‘lugares urbanizados’ para maior controlo e gestão das populações. Trata-se aqui de Cidade-Estado que explicaremos no ponto a seguir.

114 “Na verdade, se insistimos em querer distinguir nascimento e nascimento, será que não poderíamos

revelar aos nossos pobres concidadãos que aquele que descende dos gauleses e dos romanos vale, pelo menos, tanto como o que terá vindo dos sicambros, dos estrangeiros e de outros selvagens saídos dos bosques e dos pântamos da antiga Germania Sim, é o que responderão; mas a conquista alterou todas as relações, e a nobreza de nascimento passou para o lado dos conquistadores. Pois é, mas é preciso fazer com que regresse ao outro lado, e o terceiro estado, por seu turno, ao tornar-se conquistador, voltará a ser nobre” (Sieyes, 2008: 82)

tiveram suas leis sobre os ‘estrangeiros’, sobretudo no caso dos filhos que nasciam nos territórios que acolheram seus pais. As conquistas romanas, nas suas estratégias, permitiam que os povos conquistados falassem suas línguas, manter as suas culturas e religiões, e eles interferiam apenas nas ‘questões políticas’. E definiu-se a nacionalidade por duas teorias: (i) jus sanguinus; (ii) jus solis.

Jus sanguinus era a ‘nacionalidade pelo sangue/descendência’. Jus solis consistia na nacionalidade de todo o ‘ser vivo encontrado no território romano’. Estes instrumentos permitiram que o Império romano tivesse as fronteiras até à África setentrional, alargando-se ao Médio Oriente. Isto é, numa época da Antiguidade os Tunisinos tinham a mesma nacionalidade que os Espanhóis: todos eram romanos! Estas nacionalidades caíram parcialmente junto com o império romano. Isto é, de ponto de vista jurídico, estas nacionalidades (cidadanias) não poderiam vigorar quando o próprio Estado/reino que suportava estas noções já não existia efectivamente. Mas, ainda assim, a ‘civilização romana’ espalhou-se aos extremos e permaneceu lá vários séculos depois do seu declínio (Rouche, 1968). Esta civilização deixou ‘identidades’ fragmentadas nas culturas materiais (arquitetura), nas línguas em locais onde, nos ‘tempos gloriosos’, a autoridade deste Império romano era reconhecida.

Assim sendo, importa salientar o seguinte: a nacionalidade inclinava-se cada vez mais para os traços socioculturais; e perderia força institucional na confirmação e defesa da ‘nova’ cidadania (do neo-habitante). Os Ingleses que fundaram os Estados Unidos de América ainda tinham toda a ‘cultura inglesa’ (mesma identidade, e se calhar mesmo lugar natalício/natio), mas o seu ‘nacionalismo’ permitiu que criassem a sua própria nacionalidade jurídica (Chatterjee, 1993). Ou, ainda, os franceses africanos que lutaram em nome da França durante as guerras mundiais perderam a nacionalidade francesa logo depois as independências dos seus ‘países’. Depois da balcanização da U.R.S.S. assistimos às novas nacionalidades pós-russas (Habermas, 2000; 2001); ou, ainda, a União Europeia implica várias nacionalidades (traços/blocos culturais) que perante a ‘cidadania europeia’ (jurídica) perderiam consistência, por razões jurídicas. Os chefes de governos europeus têm utilizado, recentemente, a

expressão de cidadão, conceito que parece inclusivo às nações europeias115, e tem uma força jurídica.

Os nacionalismos criam as nações, e estas determinam as nacionalidades: esta é a lição que se retém do volumoso trabalho de Eric Hobsbawm (2008). Desta feita, a nacionalidade – ainda que continue hoje a designar a cidadania de determinado país – tem tendência a perder o seu sentido ‘estrito’, essencialmente ligado aos traços culturais.116 Toda a nacionalidade é, portanto, construída – quer de ponto de vista da

cultura, quer de ponto de vista da lei – já que se manifesta inclusiva (mesmo no seu local natal).

iii. Cidadania

Como já vimos, o termo implica um vínculo jurídico-político do indivíduo a um Estado. Na construção de Estado-nação, os seus constituintes estabeleceram uma plataforma inclusiva onde todas as forças sociais intervenham de forma individual, de forma colectiva e de forma comunitária. Razão pela qual o “Estrangeiro de Atenas”, nos diálogos de Sócrates escritos por Platão, pergunta: “Qual seria o modo de partilha correcta ”. Eis a resposta:

“Deve, antes, se saber o número da população, quantos elementos compõem… Depois, deve-se estar de comum acordo sobre a repartição dos cidadãos… A seguir distribuir-se-á a terra e os domínios entre estas secções, com maior igualdade possível” (Platão, 2011: 793 Leis, 737c ).117

Nesta época a cidadania implica a garantia do Estado (cidade) em proteger os seus cidadãos, e, em contrapartida, estes terem obrigações perante o seu Território- cidade. Eis como, no tempo de Sócrates, as obrigações eram ‘resumidas’:

“… la patrie est chose plus honorable, plus vénérable, plus digne d’une sainte crainte et placée à un rang plus élevé, tant aux yeux des dieux qu’aux yeux des hommes sensés ; qu’il faut donc vénérer sa patrie, lui obéir et lui donner des marques de soumission plus qu’à un père, en l’amenant à changer d’idée ou en faisant ce qu’elle ordonne et en supportant sans se révolter le trainement qu’elle prescrit de

115 Nações europeias: francesa, alemã, espanhola, portuguesa, italiana, etc. Através da União Europeia,

todos passam a ser considerados como cidadãos europeus.

116 O modelo de orld s C lt re que se expande rapidamente com as indústrias musicais ou

cinematográficas tem congregado os traços culturais, a favor da globalização.

117 Veja também: Platão, 2011: 30; 31: Alibiade, 126c; 127c). No Criton, 51e, está definido a

subir, que ce soit d’être frappé, d’être enchaîné, aller au combat pour y être blessé ou pour y trouver la mort ; oui, cela il faut le faire, car c’est en cela que réside la justice ; et on ne doit ni dérober, ni reculer, ni abandonner son poste, mais il faut, au combat, au tribunal, partout, ou bien faire ce qu’ordonne la cité, c’est-à-dire la patrie, ou bien l’amener à changer d’idée en lui montrant en quoi consiste la justice.” (Platão, 2011 : 281-282 Criton, 51a-51c ).

Para alcançar estes objectivos, o país precisa de uma filosofia educacional, com o objectivo de formatar um perfil de cidadão nacional. Isto é, um país com maior indíce de analfabetismo não poderia formatar um cidadão nacional com este perfil. Daí, a obrigação da Cidade-Estado/Governo investir na Educação Nacional, com ensino obrigatório, nas primeiras etapas da vida, e ser responsável institucional da integração da família (núcleo da sociedade).

De forma individual, a cidadania define os Direitos e os Deveres perante o Estado: (a) Direito à Manifestação; Direito à Educação, etc.; (b) Dever de defender a integridade do país; Dever de cumprir a ordem; etc. Dever de associação – tal como aliás mostra a economia social (Bourdieu) – as pessoas devem ser conscientes de serem livres e ansiar pela expressão da livre vontade e, através da eleição, o exercício do poder, com prazo. De forma comunitária, duas dimensões são historicamente verificáveis: (i) a etnicidade ainda conserva os suportes socioculturais da cidadania moderna (Erisksen, 1993; Geertz, 1972; 1973; Amselle; M’bokolo, 1999); (ii) ‘cross- culture’ recria quase continuamente a cidadania como uma consciência histórica por construir e ser continuamente edificada (Levi-Strauss, 2008: 31-33; Andrade, 1989; Fabian, 1998).

Teoricamente a cidadania terá surgido quando Natio/deusa da Natalidade passou a ser Natio/Constituição/Contracto Social (Giddens, 1984; Anderson, 1983). Se por um lado é criada pelo patriotismo ou nacionalismo (Boas, 1945 1917 : 156118;

Bosworth, 2007; Hobsbawm, 2008), por outro consiste apenas num suporte simbólico da coerência socioeconómica/sociopolítica (Bourdieu, 1989; Clastres, 1979; Eriksen, 1997) de várias forças sociais. Em ambos os casos, a sua força institucional ultrapassa as questões meramente ‘culturais’, de maneira a oxigená-las como modelo, através da Educação Nacional. No pós-Estado nacional, depois da abertura económica europeia (definidora da força política da U.E.), assiste-se a uma cidadania europeia jurídica: os

118 Importa salientar aqui que o termo ‘pátria’ tem o mesmo valor semântico que ‘natio’: lugar onde

Estados são chamados a respeitar um nível de capacidade económica, uma estrutura dinâmica no mercado financeiro e uma função geopolítica na redefinição do espaço (Lefebvre, 2007) europeu. E os seus cidadãos são, portugueses/europeus, franceses/europeus ou húngaros/europeus: no plano subjectivo e mesmo no plano social, o facto de ser português, francês e húngaro redefine as ‘nacionalidades’ contidas na cidadania europeia (em plena construção). Curiosamente, esta é a meta que outros países latino-americanos, asiáticos, oceânicos e africanos têm seguido. Mas os fins divergem: há quem precise de planificar as metas; há aqueles que buscam ainda a suficiência económica exigida; outros dinamizam suas políticas para se integrarem no mercado financeiro e económico planetário (globalização), etc. E seus cidadãos espelham seus países: (i) “um Londrino em Washington é diferenciado dos outros ‘anglófones’ pelo seu poder económico na aquisição dos bens”119; (ii) na América Latina, um Bahiano é diferenciado de um Nova-iorquês, não apenas pelas suas línguas, mas também pelos recursos utilizados e os serviços solicitados; (iii) em África, por exemplo, um Angolano é, pelas mesmas razões, diferenciado de Namibiano, Zambiano, Congolês, pois as anatomias sociopolíticas e socioeconómicas dos seus países caricaturam-nos diferentemente.

iv. Identidade nacional

Anthony Smith sublinha a Identidade Nacional em aspectos culturais comuns (Smith 2002: 15) e envolve a questão da política comunitária, a história, território, pátria, cidadania, valores comuns e tradições. Ele menciona cinco aspectos para a sua compreensão (Smith 1991: 14):

1) “Historic territory or homeland território histórico ou “pátria” 2) Common myths and historical memories mitos comuns e históricos 3) A common, mass public culture Cultura comum; Cultura pública

4) Common legal rights and duties for all members Direitos iguais e Deveres para todos os membros

5) Common economy with territorial mobility for members Economia comum com mobilidade oas membros ”

119 Palavras do curador Marc Shapiro em Março de 2011 em Nova Iorque, durante a sua tradicional

Art’Expo 94 Pier. Verificamos, nos anos seguintes (2012 e 2013) na vida quotidiana nova-iorquesa,

Será na base destes cinco aspectos que vamos inicialmente começar a nossa breve releitura sobre a Identidade Nacional, na visão de A. Smith. Já notamos anteriormente o sentido de ‘território’, em que os povos vivem nele, reconhecendo-o ora como ‘herança’ dos seus ancestrais, ora como um ‘bem conquistado’. Tudo isto faz com que seja considerado ‘Homeland’. Os habitantes, por isso, partilham uma afectividade real perante este ‘Homeland’ porque, por um lado, herdaram ‘histórias’, ‘antropomorfizam’ a seu favor toda a geografia física ocupada; por outro, criam-se mitos em relação ao território por razões práticas (Levi-Strauss, 1962; 1974; Bourdieu, 1996; Lombard, 1972: 57-63; Campelo 2013): ora alcançam divindade (no caso de Natio, por exemplo), ora seus habitantes explicam os fenómenos naturais relacionadas com suas actividades económicas ou desportivas (no caso de Poseidon), ora explicam o comportamento psicossocial (luta entre Ahura Mazda e Ahrimã entre os Persas), etc. Estes seriam elementos que, de certa forma, constituem o ‘pacto para o Direito fundiário’ do povo e dos seus territórios históricos. No entanto, o ‘mito moderno’ não foge a estas características, embora alimentado pela razão, carregando uma dose de verdade histórica (Augé, 2000: 43-49).

Se devemos interpretar Anthony Smith, em comparação com outras teorias da ‘estrutura social’ (Levi-Bruhl, 1974; Muller, 199: 67-78), percebemos que as pessoas estão ligadas com os seus territórios através de pacotes de relações simples, ou complexas que, obedecendo as ‘estruturas de ordem e de harmonia’(Giddens, 1971), levam os associados estabelecer contratos de convivência (Nadel, 1974; Parsons, 1969; Mauss, 2010 1950 )120. Estes contratos só podem ser funcionais na praxe de ‘deveres e direitos’. Os deveres interpretam dois problemas de obrigação na relação Território-Governo e Ser-Social (dever é a metáfora do respeito do filho perante seus progenitores; ou a imagem de ocupante perante sua residência). Quer dizer, as instituições públicas providenciam a manutenção do ‘espaço territorial herdado’ ou ‘espaço construído por todos’, que deve ser protegido pelos associados como um ‘bem-comum’. Os direitos, por sua vez, parecem-nos como uma metáfora da relação Território-povo e Cidadania-Riqueza na interpretação de três problemas humanos121:

120 Referenciamos especialmente aqui o texto de Marcel Mauss sobre “Essais sur Le Don”.

121 Para chegarmos a este resumo, partimos inicialmente das leituras sistemáticas e comparadas de

seguintes livros: (i) O Capital de Karl Marx: capítulos I até XII (primeiro Livro), capítulos XII até XXV (Tomo II); (ii) Giddens, 1981; 1985; (iii) Godelier, 1999; Mauss 2010 1950 .

Querer-bem-estar (Ferry, 2003); Querer-ter-o-Bom122 (Boas, 1938 1911 : 29); Aspirar-para-Ser e/ou Aspirar-para-Ter (Bordieu; Passeron, 1964).

Estes pacotes de relações determinam os suportes do equilíbrio social. De salientar que são problemas definíveis pelas actividades económicas, onde várias classes/famílias intervenham (Marx; Engels, 1999:7123; Rosa, 2006124), encapsuladas num envelope cultural, com todas dinâmicas sociais possíveis. Nestas dinâmicas integram as ‘identidades nacionais’ como parâmetros na oxigenação de capitais, face às realidades e oportunidades correntes.

O que podemos reter destas leituras é que as nacionalidades baseiam-se nas ‘identidades nacionais’, não porque elas já existem como ‘herança cultural’, mas como algo partilhado pelos ‘nativos’ (habitantes) constituintes. Neste aspecto, o termo (identidade) refere-se à conformidade psico-cultural do indivíduo enquanto ‘ser-social’: por um lado, a identidade individual; por outro a identidade colectiva. Na primeira, o indivíduo é, ao mesmo tempo, (i) produto sociocultural; (ii) produtor sociocultural. E, na segunda, (i) as desigualdades são reduzidas em ‘espaços comuns’ dentro dos seus vínculos primordiais (Geertz, 1973); (ii) as dinâmicas identitárias evidenciam que a colectividade seria apenas uma tendência, senão cobertura social da diversidade identitária (Frank, 1997: 741; Grillo, 1998: 28-29). Em síntese, identidade colectiva é segmentar ao mesmo tempo (Goffman, 1988:12-13), razão pela qual a sua cobertura institucional garante as autonomias nas partes parcelares, enquanto constituintes do todo.

Etimologicamente o termo ‘identidade’ significa conjunto de características físicas, culturais, comportamentais, que identificam peculiarmente um indivíduo, uma comunidade, etc. Na matemática, o termo significa ‘igualdade’, e foi retomado neste sentido para ‘igualizar’ os cidadãos125 de um país num documento legal: ‘Bilhete de Identidade Nacional’ (cartão de cidadão). Isto é, já o Estado-nação moderno se baseia

122 O egoísmo ontológico humano leva o ser-humano a querer ter o que é Bom para si. Ao reler Martin

Heidegger sobre os desejos mentais que transformam a natureza (Sache) e estruturando as fases em que o Homo Sapiens Sapiens fabricou as culturas materiais, percebe-se toda a criação – mesma a mais destructiva – (Ferry, 2003) e como buscou ter o que ele achou BOM, quer na solução das suas preocupações, quer para realizar o ‘maravilhoso’.

123 “A história de todas as sociedades que existiram até nós, é história da luta das classes”, lê-se logo

no início do Manifesto.

124 Essa é a causa de todas as guerras possíveis, que envolvem os seres humanos.

125 Isto é, os vários cidadãos de um Estado são iguais perante a Lei, sabendo que são herdeiros ou

conquistadores de heranças sociais, económicas, culturais (e académicas) diferentes. E isto faz deles diferentes, colocadas em diferentes classes sociais, etc.

numa pluralidade de ‘identidades colectivas’ (tribo; etnias; raça; etc.) recorrendo aos instrumentos jurídicos: este documento implicará a igualdade (perante a lei) dos seus portadores, independentemente da sua origem e as suas ‘características particulares’, desde que seja cidadão.

Neste documento, estavam descritas as características individuais que, na verdade, variam de um a outro cidadão. ‘Nacional’ aqui já leva consigo o sentido evoluído de ‘país’. Quer dizer, apesar das diferenças entre as pessoas, o documento torna-nos iguais perante a Natio/Constituição Leis nacionais.

No The Pan English Dictionary (1979), na página 532, lê-se na definição de “identity” o seguinte comentário: “Show us your passport to proof your identity”. Traduzimos: “mostra-nos o seu passaporte para provar a sua identidade”.

Aqui o passaporte explica a identidade nacional, isto é, ele é o instrumento para indicar a ‘identidade’ num contexto preciso, ou numa plataforma global onde há diversas ‘nacionalidades’. Não se trata aqui de uma identidade individual, mas de uma ‘identidade colectiva’, perante as demais identidades colectivas, exibível documentalmente por um indivíduo. Carla Susana Abrantes, que pode servir de exemplo, escreve na introdução da sua dissertação de Mestrado algumas palavras interessantes para explicar este termo (Abrantes, 2007: 2):

“Nasci em Nova Lisboa, uma cidade angolana, em 1974. O nome desta cidade foi alterado para Huambo após a independência, momento em que também eu e minha família nos mudamos para o Brasil. Entretanto, esse passado continuou registrado (na minha carteira de identidade126 consta a

naturalidade angolana) e operante ao longo de muito tempo. Permaneceu, portanto, na minha identificação e no meu imaginário, essa ideia de uma cidade portuguesa-angolana gravada num tempo antes da independência, o que, pelas vias burocráticas, também me concedeu o ‘direito’ a ter um passaporte português e uma nacionalidade ‘europeia’”127.

Na introdução de Carla Abrantes, sublinhamos dois pontos interessantes: (i) natio/naturalidade acompanhou-a na ‘Identidade brasileira’; (ii) a época pré-colonial provada nos assentos de nascimento – talvez com mais uma outra razão que ela não menciona – permitiu-lhe ter acesso à ‘nacionalidade europeia’. Os dois pontos são possibilitados por causa da ‘Natio/naturalidade’: a autora seria angolana por ‘jus

126 Sublinhado por nós. 127 Sublinhado por nós.

solis’, talvez também por ‘jus sanguinus’, tendo em conta o seu nome ‘Abrantes’.128 E

como podemos ver, a sua ‘natio’ permite-lhe uma ‘naturalidade angolana’ na cidadania brasileira, e ao mesmo tempo o contexto histórico permite que ela tenha acesso à ‘cidadania europeia’: trata-se do Portugal Ultramarino, o que faz com que, por ter nascido nesta época histórica de Portugal, ela seja, de jus, uma ‘europeia’.

Basicamente, ‘identidade nacional’ aproxima-se de nacionalidade. Juridicamente os documentos como ‘Bilhete de Identidade’ ou ‘Carteira de Identidade’, ‘Passaporte nacional’, ‘Papeis de cidadania’ ou ainda documentos internacionalmente aceites como ‘Carta de Condução’, para citar apenas este, têm ocupado o valor de ‘suporte da nacionalidade’ e da ‘cidadania’, na linguagem corrente nos ‘espaços fronteiriços internacionais’.

Importa salientar, também, que as identidades associativas autónomas (em paralelo as identidades nacionais) exercem um papel preponderante nas dinâmicas sociais (Parsons, 1969): a ‘sociedade civil’ (Gellner, 1996: 13-16; 80-92), por exemplo. Estas identidades autónomas reanimam a cidadania à margem do Estado, e Habermas é de opinião que esta ‘abertura’ é fundamental na sociedade moderna (Habermas, 1987) por introduzir uma cultura cívica pluralista129, oxigenando o

terceiro sector (economia social), valorizando a democracia social através de associações valorativas.130 A identidade tem – nos espaços de acção colectiva em

No documento Tese Patrício (páginas 74-85)