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4 O DISCURSO DA PUNIÇÃO ESTATAL NO CAMPO PENAL

4.1 O DISCURSO JURÍDICO PUNITIVO E A CRISE DO SISTEMA PENAL

4.1.2 A ideia da reparação consensual do dano

Como resposta estatal a tais problemas, e com fim de diminuir distorções da atuação punitiva e crise do direito penal, Santana comenta a importante atuação despenalizante dos Juizados especiais criminais para a diversificação penal, com possibilidade de aplicação imediata de penas substitutivas da prisão, mesmo antes do desenvolvimento do processo, com atuação de conciliadores leigos na transação penal e suspensão condicional do processo241.

Com isso, abriu-se no campo penal o espaço para consenso: “Paralelamente ao princípio da verdade material, agora temos de admitir, outrossim, a verdade consensual, cuja preocupação mais importante é a busca da solução para o conflito”242

.

Porém, relativamente à reparação do dano, o ordenamento jurídico penal ordinário o coloca como forma acessória que tem efeitos para medição da pena, e, salvo casos de espontaneidade, assume forma de cobrança impositiva e que funciona sem consenso e diálogo, o que, em todo caso, entraria no rol das sanções negativas e impositivas.

Tal tipo de imposição enfrenta problemas como busca por solvência do devedor e toda a dificuldade de satisfação do crédito a depender do autor da infração, além do que, dessa

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FREITAS, Marisa Helena D´arbo Alves de. O Direito Penal simbólico e o engodo da segurança pública. In: BORGES, Paulo César Corrêa (org.). Leituras de um realismo jurídico-penal marginal: homenagem a Alessandro Baratta. São Paulo: NETPDH; Cultura Acadêmica Editora, 2012, p 88.

240 Ibid., p 89. 241

SANTANA, S. P. Justiça Restaurativa: a reparação como conseqüência jurídico-penal autônoma do delito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 48.

maneira, não se lograria resolução do conflito e busca da paz social e integração das pessoas ao ordenamento, com aceitação de consequencias da sua conduta e ações para repará-la.

Ademais, modelo de reparação civil rigidamente entendido por alguns doutrinadores como decorrente apenas de obrigação de reparar o dano, com separação estanque entre direito civil e penal, não contribui para resolver os problemas de hipercriminalização, não elimina a pena nem o direito penal formalizado posto em marcha243.

Tal entendimento reduz a reparação penal à mera vertente econômica-civil e lhe retira qualquer autonomia. No nosso ordenamento jurídico a reparação do dano é tratada apenas como mera indenização por danos materiais, e não como forma de atuação penal voltada a política criminal ou visando resolução do conflito entre vítima, autor e comunidade com mensuração das atitudes e estabelecimento de sanção negociada.

Não há independência nessa reparação do dano como atuação penal, nem comunicação estabelecida para assunção de responsabilidades por ações que causaram danos também psicológicos à vítima, muito menos uma sistemática de funcionamento da reparação como na Justiça Restaurativa.

Como assevera Santana, na prática, as formas de reparação postas no ordenamento não têm constituído uma alternativa nem têm sido amplamente utilizadas, pois seu uso tem sido feito ou de forma adicional, acrescendo-se à pena e não a substituindo, ou evasivamente, quando seu uso é realizado por não haver bastantes elementos probatórios do crime244.

No entanto, a reparação como terceira via, ao lado das penas e das medidas de segurança, pode representar, em várias situações, conseqüência autônoma do delito, representando melhor solução para a situação delituosa.

Não se trataria assim de forma de indenização civil, mas busca de “uma compensação das conseqüências do delito, mediante uma prestação voluntária por parte do autor, que terminaria servindo de mecanismo de restabelecimento da paz jurídica”245.

Apoiando a reparação como terceira via, são trazidos importantes argumentos, seja em apoio à vítima, à prevenção de ilícitos, socialização e paz social:

o interesse da vítima é, em muitos casos, mais bem atendido através da reparação do que através de uma pena privativa de liberdade ou pecuniária; em muitos casos, de pequena e média criminalidade, a reparação é suficiente para satisfazer as necessidades de estabilização

243 SANTANA, S. P. Justiça Restaurativa: a reparação como conseqüência jurídico-penal autônoma do delito.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 29.

244 Ibid., p. 60. 245 Ibid., p. 58.

contrafática das expectativas comunitárias na vigência da norma violada, [...] à reparação deve atribuir-se um acentuado efeito ressocializador...246.

Cumpre gizar a importância dada à vítima nesse modelo diversificador, pois ela, além de sofrer vitimização primária, que é o trauma causado pelo ofensor através de sua conduta, pode sofrer vitimização secundária, pelo contato com as instâncias de controle do Estado, ou de forma terciária, através da própria sociedade.

Isto aperfeiçoa enfoque do direito processual penal, que tem se preocupado tradicionalmente com direitos de defesa do acusado e renegados direitos da vítima a segundo plano247. Não há solução completa e imediata para equação de todos os problemas do sistema penal, no entanto, há formas de melhora qualitativa na sua atuação real com cumprimento de seus fins almejados.

De maneira que, se sociedade e Estado crêem fundamental o controle penal para ações mais comprometedoras dos direitos fundamentais dos indivíduos, buscando-se um convívio social em certa medida pacífico, e pode-se chegar a tal objetivo com ganhos tanto para sociedade, vítima e autor da infração, quanto para o Estado, reduzindo violações de direitos humanos em jogo bem como aparato estatal custoso e corrompido, a política criminal estatal deve atuar neste sentido.

Há formas de diversificação penal que cumprem missão do sistema criminal com avanço na qualidade da sanção e dos meios de controle dos desvios sociais, além de se adequarem a direitos fundamentais e a regime constitucional, a exemplo da Justiça Restaurativa, pelo uso do consenso, da reparação e diálogo acerca da infração e seu contexto.

Isto posto, o Estato deve atuar de forma a cumprir da melhor forma os preceitos constitucionais e legais que regulam matéria penal, e para tanto, utilizar de conhecimentos postos sobre tema e interação com sociedade, para que suas ações correspondam ao efetivo cumprimento de sua missão e não apenas mal aparentem cumprí-la.