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Proibição do excesso e da insuficiência frente aos direitos fundamentais

4 O DISCURSO DA PUNIÇÃO ESTATAL NO CAMPO PENAL

5 OS DIREITOS HUMANOS E A MAIOR ADEQUAÇÃO DA PUNIÇÃO ESTATAL AO DIREITO

5.3 A PUNIÇÃO ESTATAL EM CONSONÂNCIA COM CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DIREITOS HUMANOS

5.3.1 Proibição do excesso e da insuficiência frente aos direitos fundamentais

Sarlet crê na diferenciação quanto às vinculações dos diversos órgãos estatais ao princípio da proporcionalidade (com maior espaço de conformação conferido ao legislativo) e quanto ao rigor na aplicação do direito se decorrente de excesso, quando é mais intenso, ou insuficiência de proteção a direitos fundamentais. Não se permitindo de qualquer modo a

435 SARLET, Ingo W. Direitos fundamentais e proporcionalidade: notas a respeito dos limites e possibilidades da

aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal. In: ROCHA, Maria E. G. T., PETERSEN, Maria C. F. Coletânea de estudos jurídicos. Brasília: Superior Tribunal Militar, 2008, p. 198.

violação ao mínimo exigido constitucionalmente.

Ele traz dados de que a proibição da insuficiência tem elaboração menos desenvolvida e maior resistência quanto à sua aceitação, o que cremos dever-se ao papel positivo de atuação, substituindo-se, muitas vezes, o judiciário ao executivo ou ao legislativo, fazendo escolhas que nem sempre estariam totalmente claras, mas ainda no âmbito de certa discricionariedade.

No entanto, em sua defesa, o autor diz que se argumenta no sentido da “substancial congruência (pelo menos no tocante aos resultados) entre a proibição do excesso e a proibição da insuficiência”437

, e prossegue dizendo que o que equivale ao máximo exigível na proibição do excesso é o mínimo exigível na proibição da insuficiência.

Não acreditamos ser a proibição de excesso mais apta a ocasionar interferência do Estado apenas por ser uma ação excessiva no tocante à interferência nos direitos fundamentais, ao contrário da proibição da insuficiência que é omissão total ou parcial no resguardo deles.

Acreditamos, sim, que a interferência dos órgãos judiciais ou estatais quanto a uma ação é probabilisticamente mais fácil de realizar-se do que quanto a uma omissão, além de, na maioria dos casos, a ação ser mais aguda e incisiva que a omissão. Dessa forma, ao se revogar um ato, o problema retorna ao poder público que tem a missão de implementar nova medida, agora proporcional ou menos aviltante de direitos fundamentais.

O problema, em regra, retorna ao legislativo ou executivo, que já implementava a medida por algum interesse naquela matéria, o que leva a crer que ainda terá o órgão interesse em regulamentá-la, mesmo que agora com mais cuidado.

No entanto, usualmente na omissão não está disponível ao órgão de controle constitucional a revogação pura e simples de um ato de consequências imediatas e restritas, no mais das vezes. A regra é que se tenha que fazer escolhas difíceis, destinar recursos materias ou humanos, gerenciar programas, entre outras complexidades. Isto pode inviabilizar atuação do judiciário para suprir omissão, haja vista poder se confrontar com questões de alocação de recursos e reserva do possível, muitas vezes fugindo à sua legitimidade jurisdicional e adentrando em legitimidade do executivo e judiciário em fazer escolhas, salvo se houver desproporcionalidade gritante.

Então, centra-se o problema da intensidade de vinculação do poder público, quer na

437 SARLET, Ingo W. Direitos fundamentais e proporcionalidade: notas a respeito dos limites e possibilidades da

aplicação das categorias da proibição de excesso e de insuficiência em matéria criminal. In: ROCHA, Maria E. G. T., PETERSEN, Maria C. F. Coletânea de estudos jurídicos. Brasília: Superior Tribunal Militar, 2008, p. 201.

função defensiva quer na prestacional dos direitos fundamentais, na facilidade, viabilidade (com consequente questão de recursos) e complexidade da matéria a ser decidida, além da própria violação constitucional dos direitos fundamentais considerada em si mesma e em sua gravidade.

No que toca a nosso estudo da punição, mesmo na ação desproporcional e excessiva do Estado, onde se requereria atuação por proibição de excesso, aviltando-se de forma palpável os direitos humanos e fundamentais e dignidade da pessoa humana através do sistema criminal, uma decisão a respeito torna-se por demais complexa, difícil e inviável para agir em todas as frentes de desrespeitos, sendo as consequências de uma atuação muito ampla, como abolição do sistema penal, incalculáveis.

O que já não se pode defender no que tange a situações pontuais e específicas como uso da Justiça Restaurativa ou outras formas viáveis de aplicação de substitutivos penais com idênticos resultados desta, a qual, por ter resultados estudados e razoavelmente comprovados e aplicação já sistematizada e viabilizada em sua forma padrão, torna-se de fácil, simples e viável implementação.

Mutatis mutandi, pode-se reclamar e obter a atuação do judiciário em omissões

constitucionais, referentes à proibição da insuficiência, mais simples e exequíveis, como o direito de greve dos funcionários públicos que foi sanada, apesar de com relativa recalcitrância pelo STF em tomar medida desse porte e precedente e não simplesmente declarar a mora do legislativo sem maiores consequências.

A simplicidade da medida estava em não ter que agir de forma legislativa, pensar, prever e arcar com consequências de nova norma e de seus dispositivos, mas apenas ordenar aplicação analógica da lei em uso para trabalhadores da iniciativa privada.

Já para Ferrajoli, as liberdades consistentes em meras imunidades, que não comportam exercício, mas apenas a expectativa negativa de sua não lesão, como imunidade à tortura, não interferem em outros direitos fundamentais438.

De modo que, aplicando pensamento coerente deste doutrinador, se na realidade da prisão ocorrem torturas diárias, mesmo com sucessivas reformas, além de afetar outros direitos fundamentais como integridade física, psicológica e liberdade pela desproporcionalidade entre a pena cominada e a conduta ilícita, tais violações a garantias fundamentais deveriam cessar de imediato.

Isto porque, na lição daquele autor, já que nem seria necessário o exercício dessas

438 FERRAJOLI, Luigi. Garantismo: uma discussão sobre direito e democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

imunidades, mas apenas o seu respeito e asseguramento, nem estariam elas postas para serem sopesadas com outros direitos fundamentais como segurança pública ou o próprio direito penal. A agressão deveria cessar de imediato ao se realizar a aplicação do direito positivo cujo integrante de maior hierarquia é a Constituição.

No entanto, Ferrajoli nada comenta neste aspecto, apenas volta ao tema, sem reflexos nessas considerações, para tratar de direitos sociais, que existem custos e opções políticas para que as prisões funcionem de certo modo e para que sistema penal seja mais legítimo e de acordo com legislação, especialmente a constitucional439.

Então, se a prisão nunca funcionou como deveria, mesmo com as pequenas modificações de políticas criminais,que no fundo em nada alteram, a exemplo do novo projeto de código penal, pensar que a singela determinação pelo judiciário de que as prisões cumpram sua missão sem ferir as garantias fundamentais da pessoa seja efetiva é muita ingenuidade.

Para tal mister o judiciário contaria com opções bastante polêmicas, como elaboração de sua própria política pública de liberação de presos segundo análise crescente da lesividade de suas condutas, estabelecendo regras mais rígidas para cominação de penas de prisão pelo legislador, e assim, viabilizando que o executivo pudesse assegurar as garantias fundamentais da vida; “liberdade” na medida em que o Estado permita (por mais paradoxal que pareça os presos estão atualmente muito mais livres dentro do presídio em face do Estado do que frente às organizações criminosas que, ao arrepio do Estado, prendem, julgam e executam suas próprias penas dentro dos presídios), integridade física e psicológica (dentro do possível); saúde e outras tantas garantias fundamentais de qualquer pessoa humana aos presos.

Noutra possibilidade menos abrupta, poder-se-ia pensar em medidas progressivas de declaração de inconstitucionalidades para penas de prisão em crimes menos graves, sob aquela forma de declaração de inconstitucionalidade progressiva, apesar da realidade demonstrar a já clara inconstitucionalidade atual.

Entretanto, nessa hipótese o legislador seria comprimido a legislar e a elaborar a política criminal em certo tempo, o que ainda manteria suas funções, como prega Ferrajoli, além de conter a regra por ele trabalhada de limitações e vinculações do legislador à Constituição. Concordamos com segunda opção, uma vez que o rompimento de paradigmas como o do sistema penal e seus efeitos e substitutos, como aqui tratado, devem estar abertos ao máximo de discussão, divulgação de estudos e informações, e com transparência e abertura para intercâmbio de ideias institucionais e sociais.

439 FERRAJOLI, Luigi. Garantismo: uma discussão sobre direito e democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

No entanto, medidas menos radicais deveriam ser tomadas e estabelecidas de imediato por judiciário quando instado a se pronunciar sobre pequena e até média criminalidade, como estabelecimento de opções de conciliação e mediação como Justiça Restaurativa nos casos em que partes aceitem e proibição de prisão em casos menos graves quando as prisões ou delegacias onde os presos seriam mandados estejam fora de condições humanas à sua recepção.

Tais medidas, mesmo antecipando ou contrariando legislativo, estão mais do que justificadas em face da realidade punitiva e do Estado e da Constituição que temos. Mesmo porque, conforme banco de dados do CNJ440, de junho de 2011 a janeiro de 2013 apenas 28,2% dos mandados de prisão foram cumpridos no Brasil, o que já demonstra uma pequena eficácia do sistema penal.

Já seria muito mais eficiente e proporcional, além de adequado à proteção de bens jurídicos fundamentais, se tivéssemos muito menos mandados, decorrentes de fatos mais graves, e maior proporção deles estivesse sendo cumprido, num sistema prisional que pudesse alcançar seus resultados pretendidos ou, ao menos, minorar seus efeitos de desintegração social e ao direito, diminuir integração a facções criminosas e suas subculturas criminais, e aumentar respeito a direitos humanos.