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A PUNIÇÃO E SUA INTERAÇÃO COM O PODER: A ÓTICA DE FOUCAULT E SUA CRÍTICA

4 O DISCURSO DA PUNIÇÃO ESTATAL NO CAMPO PENAL

4.3 A PUNIÇÃO E SUA INTERAÇÃO COM O PODER: A ÓTICA DE FOUCAULT E SUA CRÍTICA

Na teoria geral do direito, como visto em Ross, e em outros estudiosos, o poder se faz presente no direito ou através dele, especialmente no estabelecimento e manejo das sanções.

Cumpre considerar a existência e atuação do poder na sanção penal também, por razões óbvias de segurança e importância de suas prescrições na gestão da coletividade, por conter uso da sanção mais grave e com maior uso da força no direito.

Foucault, em seu estudo sobre poder e punição268, faz escorço histórico das penas na França, bem representativo do contexto das penas na Europa continental, sendo o quadro traçado bem pior em colônias como Brasil, por apresentarem maior grau de repressão, violência e atuação intrínseca do poder da metrópole.

A importância do estudo histórico é verificada por visualização do poder de punir, a evolução punitiva e atual contextualização com direitos humanos, constituição e pós- modernidade. No século XVI as penas um pouco sérias deveriam incluir suplício, arte quantitativa do sofrimento, que se dava por exposição do corpo e sofrimento do condenado, podendo chegar a detalhes de crueldade como torturas prolongadas e mortes compostas por desmebramento, fogo, metal derretido, perfurações, esfolamento, etc. O suplício judicial é ritual político, faz parte das cerimônias por quais se manifesta poder.

Os crimes eram vistos como atentado pessoal à figura do rei, cada criminoso como em parte um regicida. Destaca-se a imagem do corpo do condenado como o inverso do corpo do rei, aquele nada vale e toda punição deve suportar e este como importante e venerado. Na França e maior parte dos países europeus, à exceção da Inglaterra, todo o procedimento criminal permanecia secreto até para o acusado, era impossível ter acesso às peças do processo, testemunhos, denunciadores, ou ter um advogado, até os juízes poderiam fazer insinuações ou perguntas capciosas269.

É fundamental saber disso na análise contemporânea e saber que foi desse referencial que evoluímos para o estágio atual. Também para nos situarmos na injustiça e absurdo que era a realidade penal naquela época, na completa inaceitabilidade pelo nosso Estado ou outro de

268 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987. 269 Ibid., p. 35.

cultura europeia ocidental atualmente, e depois pensar na realidade da punição hoje, na existência de suplícios no cárcere, desrespeito a direitos humanos ou cometidos por Estado ou por sua omissão.

De igual modo, inaceitável atualmente a utilização e manifestação do poder como se fazia, o poder não é poder puro, arbitrário, sozinho ou absoluto, poder decorre só e na medida do dever. A partir de meados do século XVIII a punição, segundo princípio de Mably, começa a recair mais em alma que em corpo, e com isso vai se julgando mais paixões, instintos e anomalias que os próprios crimes em si270. Suplícios começam rapidamente a tornar-se intoleráveis e protestos são encontrados em toda parte.

Para Foucault, não tanto a fraqueza ou crueldade é o que ressalta a crítica dos reformadores, mas a má economia do poder, eles queriam aprimoramento dela para ser mais homogênea, contínua e que chegasse a grão fino do corpo social. A partir desse ponto, e do estabelecimento da prisão como modelo de resposta criminal, preocupação não é mais a lei a aplicar, mas qual medida é apropriada a tal criminoso ou como prever evolução do sujeito. A administração penitenciária e da justiça e psiquiatras modificam sentenças e seus cumprimentos, usando do poder que têm para buscar disciplina do indivíduo, que este aceite regras e se torne dócil271.

Com isso, a justiça criminal só funciona e se justifica por perpétua referência a outra coisa como periculosidade, cura, readaptação, e assim evita que operação seja puramente punição legal. Em suas palavras: “se os castigos legais são feitos para sancionar as infrações, pode-se dizer que a definição das infrações e sua repressão são feitas em compensação para manter os mecanismos punitivos e suas funções”272

.

A mudança na forma da punição é exigência de novas relações sociais: “a maneira pela qual a riqueza tende a investir, segundo escalas quantitativas totalmente novas, nas mercadorias e nas máquinas supõem uma intolerância sistemática e armada à ilegalidade”273

. É preciso controlar e codificar todas as práticas ilícitas que afetem capital, regularmente punidas e inescapáveis.

A grande redistribuição das ilegalidades se traduzirá até por especialização dos circuitos judiciários, uns para ilegalidades de bens como roubo: os tribunais ordinários e castigos; outros para ilegalidades de direito como fraudes, evasões fiscais, operações comerciais irregulares: jurisdições especiais com transações, acomodações, multas atenuadas.

270 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 34. 271

Ibid., p. 23-24.

272 Ibid., p. 27. 273 Ibid., p. 79.

Com essa reforma, que tratava da teoria penal e prioritariamente de estratégia de poder de punir, “um sistema penal deve ser concebido como um instrumento para gerir diferencialmente as ilegalidades, não suprimí-las todas”274, e assim, direito do poder de punir deslocou-se da vingança do soberano para a defesa da sociedade, passa-se a pensar punição e sua medida para evitar futuras lesões.

Se sociedade à época refletia tal domínio de poder, não se pode dizer a mesma coisa hoje, pois, além de haver a ascenção do povo como detentor último do poder e referencial de atuação do Estado (do povo, pelo povo e para o povo), temos poder judiciário relativamente forte para corrigir abusos de poder como inconstitucionalidades, desproporcionalidades e desrespeitos a direitos fundamentais.

Paradoxalmente, mesmo com progressiva casca protetora da sociedade, que é a democracia, constituição e direitos humanos, ainda podemos visualizar pouca diferença para a situação trazida por Foucault. A título exemplificativo, para crimes como sonegação e fraude fiscal há extinção de punibilidade ao se quitar o débito, mas para crime como furto não há sequer possibilidade de transação penal.

Ademais, pode-se perceber plêiade de crimes de pouca importância, por vezes com pequenas penas de prisão ou mesmo com altas penas, especialmente os crimes contra patrimônio ou contra moral, seja ela familiar, religiosa ou sexual.

Com estudo apenas perfunctório sobre Código Penal veem-se as imensas desproporções e criminalizações excessivas, v.g.: a bigamia é punida com reclusão de dois a seis anos, já o abandono de incapaz com detenção de seis meses a três anos, e mesmo se resultar lesão corporal grave, a pena ainda é menor do que aquela, de um a cinco anos.

Poder-se-ia pensar que tais disparates seriam objetos de legislações ultrapassadas, em claro descompasso da dogmática penal com Estado Constitucional Democrático de Direito, respeito a direitos humanos e princípios constitucionais e produção científica penal e criminológica em estudos que nem tão recentes são. Entrementes, mesmo hoje, notam-se as desconsiderações a toda a crítica à falta de legitimidade do sistema penal e sua incompatibilidade constitucional e democrática, sua manutenção cega e alienada da realidade que ele próprio, sistema penal brasileiro, ocasiona.

Nada mais exemplar que a tentativa de manutenção desse mesmo sistema punitivo através de projeto de novo código penal em tramitação, que, ao largo de todas as críticas e demonstrações realizadas, mantém mesmas bases com mudanças pontuais e não estruturais,

nova pintura e mesma fundação. Esse novo e nada inovador projeto dispõe pena de um a quatro anos para omissão de socorro a animal, e pena de um a seis meses a omissão de socorro a criança abandonada, por exemplo, e ao resultar morte, varia entre três a dezoito meses. A par da falta de sistematicidade com ausência de ponderação e proporcionalidade entre bens envolvidos, desconsideram-se todas as objeções e perigos demonstrados nas penas de prisão, acolhendo-a como grande referencial de punição.

A sociedade não está livre das malhas do poder e da economia do corpo, como Foucault bem estudou, porém o poder de transformar a sociedade em mais justa ou com mais atuação de direito humanos e respeito à constituição tem seu saber correlato e imbricações recíprocas. E é possível usá-lo e melhorar situação da economia do corpo ou até minorar seu simples domínio pelas estruturas de poder, através de implementação e abrangência de instrumentos como Justiça Restaurativa, por exemplo.

A utilização da prisão deve ser reservada como punição em última instância, quando não haja outra alternativa que demonstre resultado de integração ao ordenamento e confiança no direito e nos preceitos de justiça, com prevenção geral e específica positivas ou em último caso, negativas. Contudo, ainda nos deparamos com crimes graves, facções criminosas, e outros atentados aos direitos fundamentais de indivíduos.

De modo que não se pode abrir mão de coibir danos graves a esses direitos, e, eventualmente, para condutas gravíssimas, o maior rigor punitivo pode representar menor dano a direitos humanos, se houver perspectiva de resultado. Por mais que se apresente como crítico do controle estatal, não se pode concordar com Foucault quando se trata da busca por minorar criminalidade altamente atentatória a direitos mais importantes do indivíduo.

Conquanto ele apresente críticas consistentes à punição, especialmente à prisão e seus desvios, ilegalidades intrínsecas e efeitos negativos (ou nulos, quando muito), não pensamos poder abandoná-la, por ser menos nociva que os antigos suplícios, mas reservá-la apenas a formas graves de condutas, que não podem ser suportadas pela sociedade sem forte repressão para prevenção.

Todavia, há necessidade premente de reformá-la e enquadrá-la dentro de legalidade, integrando indivíduos e demonstrando a eles a confiança que podem ter no discurso punitivo estatal de rigor contra condutas graves e cumprimento da legalidade.

Ao mesmo tempo, a prisão deve ter capacidade de ser extremamente dura e impedir atuação no seu seio de comandos de facções criminosas, tráfico de drogas ou abusos físicos e psicológicos, como ocorre livremente hoje sob responsabilidade do Estado que mantém penitenciária. Assim, haja vista que a punição é feita para ser desagradável e ocasionar

representação de algo a evitar, não pode ela ser usada com desdém e abandono pelo Estado, com desvios de finalidade e forma de gerir ilegalismos.

Foucault prossegue seu estudo histórico-crítico considerando que há convergências entre os tipos de aparelhos punitivos propostos, os quais vão ultrapassar o modelo do antigo regime dos suplícios e da soberania do monarca contra criminosos que o desafiam.

Dentre essas convergências cita-se objetivo de evitar futuros delitos, alguma técnica corretiva, processos de singularização da pena, mas também há divergências, que para ele aparecem na definição das técnicas da correção individualizante275. Isso não aparece no seu fundamento teórico ou no interior dos sistemas de direito, mas na tecnologia da pena, em como o poder acessa o indivíduo.

Para Foucault, então, em um dos métodos, o ponto a que se refere a pena são os sistemas de representações, de interesses, vantagens e desvantagens, prazer e desprazer. Usa- se corpo e aplicam-se técnicas que não têm nada a invejar aos suplícios, pois para condenado e espectadores esse corpo é objeto de representação.

Outras representações agem sobre aquelas, como as duplas de ideia de crime e castigo, vantagem imaginada do crime e desvantagem do castigo. Isso tem que ser público, assim como cenas punitivas e demonstração de que crime está associado à punição.

Reforçam-se, então, jogos de sinais, presença real do significado dessa pena que deve estar indissociavelmente associada à infração: “A correção individual deve então realizar o processo de requalificação do indivíduo como sujeito de direito, pelo reforço dos sistemas de sinais e das representações que fazem circular”276

.

No entanto, prossegue o autor asseverando que o “aparelho da penalidade corretiva age de maneira totalmente diversa”277, porquanto o ponto de aplicação não é a representação, mas o corpo, o tempo, os gestos e as atividades, o foco é a manipulação refletida do indivíduo.

Os instrumentos utilizados, ao invés de representação, são a coerção e esquemas de limitação aplicados e repetidos. Exercícios e não sinais. Obrigação de horários, atividades, movimentos, meditação, silêncio, respeito, bons hábitos. Há busca não mais de sujeito de direito, mas sujeito obediente.

Traçam-se, desta maneira, as duas formas diferentes de reagir à infração: reconstituir sujeito jurídico do pacto social ou formar sujeito de obediência a um poder qualquer.

Outra não é a via aqui buscada senão a de inserir a pessoa como sujeito de direito, e

275

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 113.

276 Ibid., p. 114. 277 Ibid., p. 114.

não como sujeito de deveres, como rechaça Brochado278, ou sujeito de obediência, como colocado por Foucault.

E para isso, a legislação não pode aceitar qualquer norma, a execução penal não pode ficar entregue ao que ocorrer e o judiciário não pode fechar os olhos a estas duas observações. Aquela penalidade de coerção tem consequências bem capitais, segundo Foucault, já que treinamento do comportamento pelo pleno emprego do tempo, aquisição de hábitos e limitações do corpo implicam relação particular entre punido e quem pune, pois exclui dimensão do espetáculo.

Quem pune deve exercer poder total e não ser perturbado. Há um imperativo de segredo e autonomia relativa dessa técnica de punição que complementa poder judiciário no estabelecimento de normas e decisão de resultados. E isto não se adequa a objetivo de fazer todos os cidadãos participarem do castigo do inimigo social e tornar poder de punir adequado e transparente às leis que o delimitam publicamente.

Depois da sentença é estabelecido poder que lembra o exercido no antigo sistema (ancien régime), tão despótico e arbitrário como nessa época. De se observar que o relatado é justamente o oposto da aplicação do direito e das soluções justas aqui tratadas, com falta de legalidade estrita, apesar da retórica legalista, falta de comunicação e ausência de transparência do sistema punitivo com sociedade, afora o bloqueio da interferência intersubjetiva da sociedade com instituições penais e sua racionalidade.

Cumpre refazer essas relações, com inversão completa do sistema penal, pois, pelo demonstrado, ele está ao avesso.

A questão do segredo e atuação nos corpos no Brasil passa, além da ilegalidade estatal, por uma ineficiência punitiva dentro dos presídios, onde criminalidade domina ambiente e forja os corpos, não mais o poder público, que às vezes nem consegue ter acesso ao preso, salvo ilhas de excelência ou regime disciplinar diferenciado – RDD, cuja atuação Foucault se opõe ferozmente279 (os chamados QHS).

Em filmagens e entrevistas nos presídios brasileiros, especialmente no Espírito Santo, em 2010, pode-se verificar algumas condições piores que estas listadas, difíceis de acreditar se não estivessem filmadas e documentadas280.

278

BROCHADO, Mariá. Direito e ética: a eticidade do fenômeno jurídico. São Paulo: Landy Editora, 2006, p. 61.

279 FOUCAULT, Michel. Segurança, penalidade e prisão. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p. 152 e

p. 190.

280

PRESÍDIOS: longe da dignidade. Rede Record. Realização: programa Repórter Record, 2010. Disponível em: <http://www.rederecord.com.br/programas/reporterrecord/materia.asp?id=256>. Acesso em 14 jun. 2013. Relato da notícia e das filmagens.

Em um dos presídios visitados, havia celas em que nem a polícia entrava, os presos dormiam em redes até o teto e não era possível visualizar o que se passava dentro dela, se tinha alguém morto, sofrendo abusos ou que não se alimentasse, a comida era distribuída aos que estavam junto das grades, e nada mais podia ser visto. Em outro presídio, os condenados estavam praticamente no comando da cadeia e já haviam esquartejado dez pessoas.

Já na Bahia, prendeu-se um traficante de drogas dentro da própria penitenciária, pois possuía a chave de sua cela confortável, autorizando ou não entrada de carceireiros, onde guardava alta quantia de dinheiro e armas281.

É trazido por Foucault questionamento acerca de porque a forma coercitiva, corporal, solitária e secreta do poder de punir substitui o modelo representativo, cênico, significante público e coletivo. No que vai responder, no capítulo intitulado “corpos dóceis”, com a tecnologia do micropoder de disciplinar, na repartição de ambientes onde agem poderes e cada um desempenha poder e se submete a ele também, como quartéis, escolas, hospitais, fábricas, oficinas e mais ainda as prisões.

Para ele, “A ‘invenção’ dessa nova anatomia política não deve ser entendida como uma descoberta súbita. Mas como uma multiplicidade de processos muitas vezes mínimos, de origens diferentes, de origens diferentes, de localizações esparsas...”282

.

Mesmo com criticas a controle social, as formas de integração do indivíduo ao ordenamento e a confiança nele são coisas importantes. Como dissemos, o ordenamento não deve ser algo imposto e sem debates, mas com considerações o mais democráticas possíveis, justamente para não ocasionar distanciamento e repulsa a ele.

O controle social tanto pelo comportamento quanto pela vigilância podem ser fatores úteis à dissuasão e prevenção de condutas atentatórias, mas não podem ser utilizados sem discussão de suas formas de aplicação, em Estado de polícia.

Aliás, o Estado deve sempre expor suas decisões, as formas de controle pretendidas, formas de punições, de modo a colocar em discussão e crítica sua racionalidade e o porquê das escolhas, a quem beneficia e se e como são úteis à sociedade.

Foucault tem apurada visão crítica, mas radicaliza sua opinião, o que é compreensível face às arbitrariedades históricas que demonstra e as de hoje, como nós mesmos podemos acompanhar.

281

Noticiado e disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u409292.shtml>; em: <http://www.correio24horas.com.br/noticias/detalhes/detalhes-1/artigo/preso-no-parana-traficante-perna- fazia-parte-de-quadrilha-de-estelionatarios/>; em: <http://atarde.uol.com.br/noticias/894883>; em: <http://www.mp.ba.gov.br/imprimir.asp?cont=1824>; entre outros meios de comunicação da mídia e instituições públicas. Acesso em 15 jun. 2013.

Porém, pode ser necessária, em alguma medida, uma dose de disciplina ou mesmo obediência, não para alienar sujeito, mas para certa adequação ao meio social, a depender da contextualização de cada caso. Até para fazer da punição algo de desagradável e não ambiente de passeio onde se pode confabular, fortalecer ou formar quadrilhas e manter forma de vida que atente contra direitos fundamentais dos indivíduos.

Apesar disso, não se pode dizer que sua crítica esteja equivocada completamente, pois tal assunto funcionava e funciona no silêncio, na falta de discussão. Por isso deve ser exposto e posto à discussão, mas não completamente descartado até que se estudem seus efeitos num uso ponderado e proporcional.

Cremos que não adianta lutar contra poder para que ele não exista. Como percebeu Foucault ele está em todas as relações entre pessoas e nas instituições. Adianta lutar para colocá-lo a serviço de algo ou alguém, e no nosso Estado, esse algo só pode ser a democracia, a constituição, direitos fundamentais, e esse alguém a sociedade como indivíduos que devem ter direitos respeitados e assegurados.

Se o capitalismo foi arma da dominação e todos se integraram e seduziram a consumo, como coloca Foucault, acreditamos dever-se à adaptação de pessoas e do sistema a seus embates. Se o poder se adapta conforme irritação que sofre, podemos colocar que pessoas também agem assim.

De todo modo, há que se ter sensibilidade para fixar novo horizonte e usar de direito e Estado posto para não deixar poder e capitalismo inverter valores e princípios demasiado caros ao ser humano e à sociedade.

O poder deve servir a todos, e assim, a diferenciação que se fizer não será arbitrária, discricionária, e mesmo assim será preciso fazer distinções entre pessoas, numa igualdade material. O que não se pode aceitar é o sistema como está posto desde longa data até hoje, a exemplo do sistema penal que funciona de acordo com prestígio e poder da pessoa.

O Estado deve tanto mais intervir quanto as relações de poder se tornam desproporcionais na sociedade, quando poder de grupos age sobre outros minando suas defesas e abusando de direitos importantes, como na exploração de trabalho similar a trabalho escravo como no campo, imposição de medo por uso de violência nas comunidades como nas facções criminosas, uso de força do capital para encobrimento e cometimento de atos graves como compra de sentenças judiciais, formação de quadrilha para desvios de verbas públicas, corrupção de legisladores para defender seus interesses, como visto amiúde.