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Identidade na fronteira

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Capítulo III Nos passos do guru: as negociações do mestre

3.1 A teologia dos entre-lugares

3.1.2 Identidade na fronteira

O entre-lugar o qual Griffiths está inserido, não é o entre-lugar da dupla-pertença religiosa, embora a categoria de entre-lugar possa ser aplicada a experiências de múltipla pertença religiosa, como veremos no quarto capítulo. O entre-lugar de Griffiths é a fron- teira a qual ele se estabelece, “lugar a partir do qual algo começa a se fazer presente” (BHABHA, 2013, p. 25), esse “algo” pode ser entendido para uma abertura ao Outro, uma alteridade radical a qual permite o encontro com a outra margem e novas formas de ser e pensar no mundo. Cunha entende que

Para que o trânsito entre lugares aconteça não é necessário que o sujeito abra mão da sua própria identidade. Aliás, um movimento entre espaços pressupõe um enraizamento, um senso de pertença aguçado, capaz de manter o ser humano em condições de reconhecer o valor da alteridade e não se perder nos ambientes alheios (2017, p. 29)

No prefácio do livro de Bede Griffiths “O Rio de Compaixão – Um comentário cristão ao Bhagavad-Gita”, seu amigo e monge beneditino Dom Laurence Freeman escreve o prefácio e diz:

Ao contrário de seu corajoso antecessor no encontro cristão com a espi- ritualidade indiana, Henri Le Saux (Abhishiktananda), Bede Griffiths ja- mais sentiu sua fé cristã ser ameaçada pelo o que ele encontrou na Índia. [...] Tal como os primeiros mestres da fé, ele sabia da universalidade do Cristo, como Logos que se tornou carne, significava que o Cristo poderia ser encontrado onde quer que houvesse verdade, beleza e bondade (FRE- EMAN, apud GRIFFITHS, 2011, p. 11-12)

A pesquisa é uma aventura a ser desbravada, o título dessa pesquisa era “além das frontreiras”, mas esse “além” se transformou em “nas fronteiras”. Embora sua teologia seja além das fronteiras de um cristianismo tradicional, Griffiths permanece nas fronteiras de sua fé. Griffiths foi um grande expoente do diálogo hindu-cristão, mas ao contrário de seu antecessor, Swami Abhishiktananda, acreditamos não viveu a experiência de dupla-per- tença religiosa de uma maneira espiritual. Mas sua teologia negocia entre as duas margens, criticando o cristianismo tradicional em busca de uma vivência cristã genuína em um con- texto indiano, criando pontes de diálogo inter-religioso, reconhecendo o Sagrado nas ou- tras tradições religiosas e aprendendo com elas e sendo um dos pioneiros do diálogo hindu- cristão. Acreditamos que Griffiths se encaixa na descrição de Claudio de Oliveira Ribeiro, quando diz

As pessoas que somam, em sua trajetória, uma experiência ecumênica, em geral acrescentam aos eventos, projetos ou experiências religiosas uma sensibilidade distinta de abertura, afetividade, alteridade e criativi- dade. Também, o aprofundar da vivência ecumênica exige um reordena- mento de sentidos e de sensibilidade aos fatos. Trata-se de possuir outra forma de ver o mundo e o divino. (RIBEIRO, 2012, p. 21)

Embora se possa argumentar que Griffiths se identificou tanto com o hinduísmo quanto com o cristianismo, não é da mesma forma que Abhishiktananda - Griffiths estava muito mais à vontade com sua fé cristã e seu diálogo com o hinduísmo (e diálogo em geral) e isso não o levou até o limite de sua fé. Para Laura Michelle Coles, se Griffiths tem uma dupla identidade religiosa, foi principalmente no sentido da estética e da teologia (e não em termos de espiritualidade) que é talvez mais uma consequência de suas posições teoló- gicas diferentes (inclusivismo, universalismo e pluralismo) e não porque ele era espiritu- almente “preso” entre as tradições. (2013, p. 198)

Observando a experiência de Griffiths é notório que ele viu hinduísmo como um frutífero meio de cultivar sua fé cristã, através de uma profunda interação com ele. O diá- logo inter-religioso era importante para a formação de sua identidade religiosa, mas so- mente na medida em que a abertura de sua identidade cristã em relação a outras crenças lhe permitia aprender e cultivar o respeito às outras religiões, especialmente ao hinduísmo. Esse diálogo também encorajou sua convicção de que a Igreja precisava estar enraizada na

cultura indiana, sugerindo que as ideias de Monchanin82 encontraram realização nos esfor- ços de Bede Griffiths (COLES, 2013, p. 198; OLDMEADOW, 2004, p. 7).

Algo que é testemunho da importância de sua fé cristã é que ele escreveu uma vez a sua amiga Micheline que “estava um pouco envergonhado por ter sido confundido com um sadhu hindu ...” (Carta para Micheline, 22/4/1962, em Griffiths) , 2006, p. 392), mas estava contente em ser en- tendido como um homem santo (Carta a Micheline, 22/4/1962, em Grif- fiths, 2006, p. 392). Isso sugere que, enquanto ele estava feliz em se adap- tar ao hindu Sannyāsin em estética e princípios, ele não queria ser con- fundido com um hindu. (COLES, 2013, p. 198)83

A identidade religiosa de Bede Griffiths não foi uma crise pessoal, como no caso de Abhishiktananda, mas a maneira da sua dupla identidade esteticamente religiosa e a maneira em que vivenciou e modelou o Shantivanam através da liturgia inclusiva e arqui- tetura, era certamente problemático para outras pessoas, como vimos na sua biografia no capítulo dois. No entanto, a teologia de Griffiths demonstra que sua identidade religiosa é enraizada na fé cristã, ainda que acreditasse que todas as religiões têm um centro, um Mis- tério, em comum.

“Mas qual é este Mistério transcendente, esta Verdade suprema? São pa- lavras que usamos para expressar o inexprimível. Está aí todo o problema da vida, que nos deixa perplexos a cada momento. Não podemos exprimir nem pensar de modo adequado o sentido último ou finalidade da vida. Ele está presente em toda a parte, em tudo, mas sempre escapa nossa apreensão. É o Centro ou substrato de toda existência, de onde provém todas as coisas, e a que voltam todas elas, mas que nunca aparece. É o “interior” de tudo, o “acima”, o “além” mas que não podemos identificar com coisa alguma. Sem este Centro ou substrato nada poderia existir, e sem ele não se poderia conhecer coisa alguma, e, no entanto, permanece desconhecido [...] Este Mistério se acha por trás de todas as religiões. (GRIFFITHS, 1992, p. 26-27)

Wayne Teasdale descreve Griffiths como “... mantendo sua identidade cristã” (Teasdale, 2003, p. 40) 84e a parte mais importante de sua relevância para o desenvolvi- mento do diálogo hindu-cristão é a convicção de Griffiths de que o diálogo inter-religioso

82 Vide capítulo primeiro na breve biografia de Jules Monchanin.

83 Texto original: Something that is testament to the importance of his Christian faith is that he once wrote to

his friend Micheline that he “was a little embarrassed at being mistaken for a Hindu Sadhu...” (Letter to Micheline, 22/4/1962 in Griffiths, 2006, p. 392), but was content with being understood as a holy man (Letter to Micheline, 22/4/1962 in Griffiths, 2006, p. 392). This suggests that whilst he was happy to adapt himself to Hindu Sannyāsin in aesthetics and principles, he did not however want to be confused with actually being a Hindu. (COLES, 2013, p. 198)

deve ser sobre “Entender a outra religião de dentro” (TEASDALE, 2003, p. 185).85 A

experiência inter-religiosa de Griffiths expandiu a sua visão da fé cristão, aprofundando-a ainda mais e a universalizando, para que se transformasse em uma espiritualidade do res- peito e do Mistério. A experiência das descobertas com o novo em Bede Griffiths pode ser resumida em sua segunda autobiografia, quando diz

Quando escrevi The Golden String, narrando a história da minha busca de Deus, busca essa que me levou à Igreja católica e a um mosteiro be- neditino, eu pensava que havia chegado ao fim de minha jornada, pelo menos no que se referia as coisas deste mundo. Mas na verdade, mesmo durante a elaboração dessa obra, um novo período começou a esboçar-se em minha vida, o qual traria consigo mudanças tão profundas quanto as produzidas por minhas experiências anteriores. Eu fora levado à desco- berta, antes, de Deus, depois, de Cristo, e, por fim, da Igreja. Agora, de forma estranha, fui induzido a trilhar o mesmo caminho e a fazer novas descobertas sobre Deus, sobre Cristo e sobre a Igreja católica. Foi como se eu tivesse escalado uma montanha e, tendo alcançado o cume, tivesse descoberto outras cordilheiras com novos picos, descortinando um novo horizonte. (2000, p. 5)

São esses elementos nas fronteiras que mostram novos caminhos, novas trilhas, os entrecruzamentos da linguagem, as vivências cotidianas e os simbolismos encontrados a partir da vida que as negociações ocorrem e o novo vem, assim “refletem novas possibi- lidades de compreensão da vida, mais abertas e plurais. Entre as consequências desses processos está a maior diversidade de práticas e discursos religiosos” (RIBEIRO, CATE- NACI, 2017, p. 69)

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