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Primeiras articulações advaiticas (1931-1968)

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Capítulo III Nos passos do guru: as negociações do mestre

3.3 Advaita e Saccidananda: por um advaita cristão

3.3.1 Compreendendo o advaita

3.3.1.2 Primeiras articulações advaiticas (1931-1968)

Griffiths teve o contato com ao Vedānta105 desde sua chegada à Índia em 1955. Nos seus muitos encontros com conhecedores e intérpretes do Vedānta foi despertado um interesse e admiração, com sentimentos de ceticismo da filosofia. Essa reação ambivalente pode até mesmo ser percebida nas formulações de Griffiths para uma forma de advaita cristão. Encontra-se em seus escritos aspectos positivos em relação ao advaita, pois, Grif- fiths considerava essa experiência como “uma intuição mística e não apenas uma conclu- são metafísica sobre a alma humana no centro do relacionamento com o mistério divino” (PANDIKATTU, 2001, p. 63)106. Negativamente, ficou evidente para Griffiths que a ad- vaita, como é comumente entendida e praticada, que é uma negação das realidades do mundo, isso não era totalmente aceitável para Griffiths (PANDIKATTU, 2001, p. 64).

Nesse segundo momento, Griffiths se relaciona mais profundamente com a expe- riência do advaita. E isso tem um profundo impacto em sua vida pessoal. É interessante ver os limites e negociações dessas articulações em busca de um advaita cristão. Compro- metido com a visão cristã da sociedade e do mundo, Griffiths não assimilou a ideia monista e rejeitou completamente e visão da absoluta identificação de Brahman e a alma, assim como seu antecessor Jules Monchanin. Ele considerava uma ideia de “mútua compenetra- ção”. A formulação de um advaita cristão, em Griffiths, foi influenciada pela visão mística de Meister Eckhart. E também a concepção do Mistério da Santíssima Trindade em diálogo com o conceito do advaita foi um grande instrumento para essa articulação (PAN- DIKATTU, 2001, p. 65).

Griffiths encontra diferencias entre a “experiência” e a “interpretação” do advaita no Hinduísmo, em termos incertos. Pandikattu ressalta que desde que filosofia indiana não tem uma maneira adequada de expressar a relação entre o divino e o mundo, a experiência da não-dualidade obscurece das diferenças. Pois na visão de Shankara na experiência do advaita Vedanta todas as diferenças desaparecem na não-dualidade, conforme o status ir- real do mundo real. De fato, todo o mundo dos sentidos, das experiências, das diferenças

105 Sistema filosófico desenvolvido por Shankara, que se refere a advaita e a não-dualidade. Vedānta significa

aquilo que se encontra no final dos Vedas, meta suprema do conhecimento (TEASDALE, 1986, p. 3)

106 Texto original: “A mystical intuition and not just a metaphysical conclusion about the human soul being in

se vê despercebidos por uma superimposição sob a não-dualidade e māyā (ilusão). Quando alguém se ilumina através da disciplina mística e reconhece māyā, o sonho desse mundo de aparências desaparece e a verdadeira realidade, Brahman, é experienciado (PAN- DIKATTU, 2001, p. 65-66).

Griffiths notou que mesmo dentro do Vedānta há divergências de visões e oposi- ções a essa pura noção do advaita de Shankara. Algumas escolas do Vedānta tentam de- fender um Deus pessoal e negam a interpretação de māyā e o mundo. Viśiṣṭādvaita ou “não-dualismo qualificado” de Ramajuna (século XI) e “dvaita” (sualismo) de Madhva (século XIII) são exemplos de rupturas com essa interpretação rígida de Shankara. Da mesma forma a tradição bhakti (devoção) emerge como uma reação a essa interpretação estrita do Vendanta.

Dessa maneira, Griffiths se identifica melhor com a posição de Sri Aurobindo, um guru poeta, yogi e militante de Pondichery. Para Aurobindo, um despertar genuíno, antes de se dissolver como no sonho ou na ilusão, o mundo será considerado, transformado e experienciado compreendendo com a própria mente divina. (PANDIKATTU, 2001, p. 66). Embora, ainda não considere que o sistema de Aurobindo seja adequado e resolva as ques- tões da relação entre o mundo e o mistério divino. E por essa razão, Griffiths vai constru- indo suas próprias trilhas para um advaita cristão, aprendendo e sendo influenciado por muitos, porém tentando encontrar sua própria síntese do significado do advaita para a fé cristã. Griffiths considera que “embora [o advaita] tenha chegado até nos através da tradi- ção hindu, pertence não apenas à Índia, mas a toda humanidade” (GRIFFITHS, 2000, p. 75). Portanto, considera que as revelações são complementares, conforme trabalhado nesse capítulo. Nesses primeiros passos para essa articulação, Griffiths toma dois sentidos o qual o cristianismo pode contribuir para o entendimento do advaita:

i) “Pela introdução da relação de amor que existe entre a alma e Deus ii) Pela afirmação que a realidade desse mundo deve ser levada a sério”

(PANDIKATTU, 2001, p. 67)107

No primeiro ponto, Griffiths compreende que a relação entre a alma e Deus não pode ser uma total unidade, a qual a alma se perde completamente no Divino. Mesmo a

107 Texto original: “1) By introducing the relationship of love that exists between soul and God. 2) By affirm-

comunhão mais profunda entre o Deus o ser individual não deixa de existir, não se dissolve no Ser Supremo. As tradições da linha da Bhakti-Yoga também compreendem dessa ma- neira, sempre irá haver uma distinção entre o adorador e o adorado, criador e criatura. Griffiths diz

Nossa existência tem origem em Deus e é em Deus, e, no entanto, é dis- tinto de Deus [...] Isso é vivenciar Brahman, tornar-se Brahman, sem ces- sar de sermos nós mesmos. Tornamo-nos um perfeito espelho do Abso- luto. Do ponto de vista cristão, não há uma perda do eu, senão uma rea- lização do Eu no Uno, no Eterno (2011, p. 145).

No segundo ponto, Griffiths é convicto, pelo compromisso com a sua visão cristã, compreendia o mundo como real. Para ele era importante frisar a questão da doutrina da Criação, apoiando a diferenciação entre Criador e criatura. Outro ponto importante para esse entendimento é a encarnação de Jesus no tempo e na história, de acordo com a fé cristã. A encarnação afirmaria a realidade e propósito na criação do mundo e na história da humanidade. O que difere muito da visão de algumas linhas hindus, que considera que o mundo é lila (passatempo, jogo) ou māyā. “Esse mundo e a história não desaparecem apenas em Deus, mas mantem seu caráter essencial. Em outras palavras, o mundo está destinado a ser a “nova criação” (PANDIKATTU, 2001, p. 69). Nesse sentido, Griffiths diz “a novidade é a ideia de que o Senhor se preocupa com o mundo, o mundo de sua criação, que ele é amor” (GRIFFITHS, 2011, p. 137). Mesmo com algumas divergências, Griffiths acreditava que a fé cristã ainda podia ser compreendida e interpretada pelo ad- vaita. A chave para esse entendimento repousa na natureza do mistério divino, como ex- pressão da doutrina da Trindade. Segundo Griffiths, é somente na doutrina da trindade e da encarnação que o mistério do amor e da relação pessoal com Deus e a humanidade pode ser reconciliada em absoluta unidade e simplicidade do Divino, isto é, do absolutamente Transcendente (GRIFFITHS, 1984, p. 205).

Um modelo inicial e duradouro para Griffiths ao articular um advaita cristão é o teólogo místico do século XIII, Meister Eckhart. Nele, Griffiths encontrou um estudo de caso para a realização do advaita. Embora deve-se admitir que algumas articulações teo- lógicas são imprecisas (e algumas condenadas pela Igreja Católica Romana), Griffiths uti- liza de seus básicos insights, que ainda beiram à ortodoxia, e mantém a divisão entre Deus e o ser humano (PANDIKATTU, 2001, p. 69). Mas pensamentos de Eckhart podem sem comparados em muitos aspectos ao pensamento de Shankara e suas noções da experiência

do advaita. (TRAPNELL, 1993, p. 346). Griffiths interpreta o advaita cristão de Eckhart da seguinte forma

Devemos lembrar que Eckhart estava se baseando na doutrina cristã da graça. Essa ascensão a Deus acontece para ele "em Cristo", que está na Palavra, e o que ele parece estar procurando é a participação do intelecto no próprio conhecimento de Deus sobre si mesmo. Agora é estritamente verdadeiro dizer que no próprio conhecimento de Deus sobre si mesmo em sua Palavra não há distinções reais. Deus conhece a si mesmo e a todas as coisas criadas em um simples e puro ato de conhecimento, que é idêntico ao seu ser. Neste sentido, é verdade dizer que o conhecimento de Deus é 'advaita', sem dualidade. Como Aquino ensina, as "ideias" em Deus, que é o conhecimento de Deus das coisas criadas, são idênticas à essência divina. Portanto, se a alma pela graça deve participar do modo de conhecimento do próprio Deus, ela saberá todas as coisas, inclusive elas mesmas, neste simples modo de conhecimento "sem duali- dade"(GRIFFITHS, 1984, p. 204)108

Partindo dessa experiência, a não-dualidade cristã é imaginada em termos de conhecimento e amor. O conhecedor e o conhecido, o amante e o amado, a alma e Deus, o Filho e o Pai, estão unidos e permanecem distintos (TRAPNELL, 1993, p. 347). E por essa razão, pensar a Trindade é importantíssimo para a fundamentação de um advaita cristão. Pois é na dou- trina da Trindade que a revelação cristã simboliza a unidade e a inter-relação. A identidade pode, de fato, ser experimentada entre a alma e Deus, mas é uma participação no autoc o- nhecimento de Deus e não uma compreensão preexistente, como sugere o Advaita de San- kara. Não é apropriado dizer que a alma ou o mundo estão perdidos no tipo de advaita cristão articulado por Eckhart. (TRAPNELL, 1993, p. 347; PANDIKATTU, 2001, p. 70). É verdade que, embora "identificada" com Deus pelo conhecimento, a alma permanece distinta por natureza. Embora o modo de conhecimento seja diferente e as distinções, como as concebemos, deixem de existir, as distinções permanecem na realidade. O homem e o mundo não estão per- didos em Deus, nem as pessoas são absorvidas na unidade da divindade. São essas distinções que a ortodoxia cristã está preocupada em manter, uma vez que elas permitem o relacionamento tanto entre o homem quanto o homem no corpo místico de Cristo e entre o homem e Deus. Eles dei- xam um 'espaço' para a relação de amor entre as pessoas, entre a pessoa

108Texto original: “We must remember that Eckhart was building on the Christian doctrine of grace. This ascent

to God takes place for him 'in Christ', that is in the Word, and what he seems to be seeking is the participa- tion of the intellect in God's own knowledge of himself. Now it is strictly true to say that in God's own knowledge of himself in his Word there are no real distinctions. God knows himself and all created things in one simple pure act of knowledge, which is identical with his being. In this sense it is true to say that the knowledge of God is 'advaita', without duality. As Aquinas teaches, 'ideas’ in God, that is God's knowledge of created things, are identical with the divine essence. If therefore the soul by grace should participate in God's own mode of knowledge it would know all things, itself included, in this simple mode of knowledge 'without duality'. “(GRIFFITHS, 1984, p. 204)

de Deus e suas criaturas e entre as pessoas dentro da Divindade. É pro- vável que Eckhart pretendesse manter essas distinções, mas sua lingua- gem muitas vezes as obscurece. (GRIFFITHS, 1984, p. 205)109

Griffiths evitou, na sua visão, as armadilhas da maioria das interpretações hindus da não-dualidade, ele manteve os princípios de “relacionamento e realismo” na sua relação de Deus, da alma e do mundo (PANDIKATTU, 2001, p. 71). A compreensão de Griffiths é as distinções não se perdem no uno, como o exemplo da relação de Jesus com Deus e da própria Trindade em si, o relacionamento perdura, não como um sinal de uma união im- perfeita, mas como a percepção de como tudo já é conhecido e amado por Deus através da Palavra. De acordo com Griffiths, através do diálogo, os hindus poderiam ser levados a uma compreensão mais completa de sua própria experiência advaitica através de um en- contro com os ensinamentos cristãos da criação, encarnação e Trindade, sugerindo a teoria da satisfação, característica de sua avaliação das religiões durante esses primeiros anos na Índia (TRAPNELL, 1993, p. 348)

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