• Nenhum resultado encontrado

O impacto da Índia

No documento Download/Open (páginas 115-118)

Capítulo III Nos passos do guru: as negociações do mestre

3.2 Para além dos símbolos

3.2.1 Teoria do símbolo religioso e suas influências

3.2.1.1 O impacto da Índia

A compreensão dos símbolos em Griffiths foi se aprofundando com a passar do tempo e com as vivências – culturais e religiosas – na Índia. Nas suas primeiras idas aos templos hindus, Griffiths experienciou um profundo espírito de contemplação e observou que essa reverencia guardava uma consciência interior da santidade essencial da natureza (GRIFFITHS, 1984, p. 21). Na vida simples indiana, onde o padrão de pobreza era além do que Griffiths da sua concepção europeia, ele descobriu uma sacralidade incomum.

Talvez esta seja a impressão mais profunda deixada pela vida na Índia, o sentido do sagrado como algo que permeia toda a ordem da natureza. Cada colina, árvore e rio é sagrado, e os mais simples atos humanos de comer e beber, ainda mais de nascimento e casamento, mantiveram seu caráter sagrado. É isso que dá uma beleza indescritível à vida indiana, apesar da pobreza e miséria (GRIFFITHS, 1984, p. 20)96

94 Texto original: “The Logos is the 'symbol' of the Father, in the very sense which we have given the word:

the inward symbol which remains distinct from what is symbolized, which is constituted by what is sym- bolized, where what is symbolized expresses itself and possesses itself.” (RAHNER, 1966, p. 236)

95 Texto original: “The true religious symbol functions as both a means of divine grace, through which God

acts upon the human, and a mediator of knowledge, through which the human may approach knowledge of God.” (TRAPNELL, 1993, p. 246)

96 Texto original: “Perhaps this is the deepest impression left by life in India, the sense of the sacred as some-

thing pervading the whole order of nature. Every hill and tree and river is holy, and the simplest human acts of eating and drinking, still more of birth and marriage, have all retained their sacred character. It is this that gives such an indescribable beauty to Indian life, in spite of the poverty and squalor” (GRIF- FITHS, 1984, p. 20)

Uma experiência que Griffiths comenta em diversos livros é a visita a Gruta de Elefanta, nos arredores de Mumbai, onde há diversas colunas (algo incomum em templos hindus) e uma imensa escultura de Shiva Maheswara com suas três faces (benigno, terrível e contemplativo) (GRIFFITHS, 1984, p. 20; 2000, p. 8). Griffiths resume sua vivência dizendo: “a paz ali é absoluta, infinitamente distante e, no entanto, infinitamente próxima, solene, benigna, serena e majestosa. Aqui, esculpido em pedra, está o verdadeiro gênio da índia e do oriente [...] essa dimensão contemplativa da existência humana.” (GRIFFITHS, 2000, p. 8). Entre essas e outras experiências do aspecto sagrado da vida na Índia, Griffiths vai refletindo e compreendendo cada vez mais a questão do símbolo religioso. Em sua obra Vedanta e Christian Faith (1991), ele escreve:

Na Índia, desde o início, foi entendido que Deus não pode ser imaginado ou concebido adequadamente. Na minha opinião, esta é a conquista su- prema da Índia que, no início de sua história, ela foi capaz de romper o véu, não apenas dos sentidos, mas também do intelecto, e descobrir o mistério oculto que está além da fala e do pensamento (1991, p. 104)97

Em suma, há muito tempo já que a Índia reconhecei que o Divino Mistério não poderá ser experenciado plenamente com nenhuma forma de adoração dos símbolos, ima- gens, conceitos, mas apenas indo além dos símbolos e penetrando o sentido interior e úl- timo deste (TRAPNELL, 1993, p. 254). Griffiths, como veremos no próximo tópico, bebe da filosofia e entendimento do filósofo indiano Shankara, que ensina um princípio espiri- tual para além de cultura e religião, mas antes uma chave de discernimento para esse reco- nhecimento da necessidade de ir além

Shankara viu com extraordinária penetração que a mente humana não pode repousar em qualquer imagem apresentada aos sentidos ou a qual- quer pensamento apresentado à consciência. Ela deve ir além da imagem e do pensamento, se quiser alcançar a realidade última, a verdade su- prema, que não pode ser pensada ou imaginada (GRIFFITHS, 1991, p. 146)98

97Texto original: “In India it was understood from the beginning that God cannot properly be imagined or

conceived. To my mind this is the supreme achievement of India that at the very beginning of her history she was able to break through the veil, not only of the senses but also of the intellect, and to discover the hidden mystery which lies beyond speech and thought” (GRIFFITHS, 1991, p. 104)

98 Texto original: “Sankara has seen with extraordinary penetration that the human mind cannot rest on any

image presented to the senses or on any thought presented to consciousness. It has to go beyond both im- age and thought if it wants to reach the ultimate reality, the ultimate truth, which cannot be thought or im- agined” (GRIFFITHS, 1991, p. 146)

Embora Griffiths tenha reconhecido a necessidade de ir além de todos os concei- tos e imagens em busca do supremo e do divino, a Índia, segundo Griffiths, não abandonou o símbolo (1991, p. 146). Muito pelo contrário, o símbolo e sua expressão no mito e no ritual foram aceitos, até mesmo celebrados, como os meios necessários para experimentar a Realidade Última. O entendimento de Griffiths sobre mito pode ser resumido em trechos do livro Casamento do Oriente com o Ocidente (2000):

Conhecer um mito no sentido apropriado é ser iniciado numa experiência única de realidade [...]. Um mito sempre tem um significado tríplice. Em primeiro lugar, ele tem uma base na natureza ou na história, isto é, no mundo fenomênico. Em segundo lugar, ele tem um significado psicoló- gico, uma aplicação à experiência humana, tanto individual como social. Em terceiro lugar, ele tem um significado espiritual, refletindo algum as- pecto da verdade ou realidade última. [...]. Um mito é narração simbólica que emerge das profundezas da experiência que o homem tem em seu contato com o mundo da natureza e história em que ele está inserido. Desse modo, o mito tem poder de crescimento orgânico que depende do desenvolvimento ou inspiração do Espírito dentro dele. À medida que a consciência humana se desenvolve, o mito é remodelado, reinterpretado, muitas vezes assimilando elementos novos e eliminando velhos. (GRIF- FITHS, 2000, p.90-94)

Pode-se dizer que na experiência de Griffiths, o encontro com a Índia foi crucial para o desenvolvimento da sua teoria do símbolo e suas questões, encontrou nesse seu novo país uma cultura que reconhece a necessidade e limitações do símbolo religioso para a abertura e experiência do mistério divino (TRAPNELL, 1993, p. 255). E esse encontro também permitiu que Griffiths visse os problemas do Ocidente com a dessacralização da vida,

Talvez não haja nada que o mundo ocidental precise mais urgentemente recuperar do que esse senso do sagrado. No Ocidente, tudo se tornou "profano"; foi deliberadamente esvaziado de todo significado religioso... É aqui que o Ocidente precisa aprender do Oriente o sentido do "sa- grado", de um mistério transcendente que é imanente em tudo e que dá um sentido último à vida (GRIFFITHS, 1984, p. 21).99

Redescobrir o sentido do sagrado no mundo Ocidental era um alerta de Griffiths em seu tempo. Embora hoje, o “sagrado” esteja de volta em muito dos discursos políticos pelo mundo, esse “sagrado” entre aspas é usado para a manipulação de mentes e corpos, e

99 Texto original: “Perhaps there is nothing which the western world needs more urgently to recover than this

sense of the sacred. In the West everything has become 'profane'; it has been deliberately emptied of all religious meaning.... It is here that the West needs to learn from the East the sense of the 'holy', of a trans- cendent mystery which is immanent in everything and which gives an ultimate meaning to life.” (GRIF- FITHS, 1984, p. 21)

não para a harmonia entre os seres humanos, religiões e natureza. Ainda assim, o alerta de Griffiths é válido, redescobrir o sagrado no mundo, mas o sagrado que une e não divide.

No documento Download/Open (páginas 115-118)