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CAPÍTULO 3: NO CAMINHO DA IDENTIDADE DOCENTE

3.4 IDENTIDADE PROFISSIONAL DOCENTE

Concebe-se que o contexto onde se desenvolve esta pesquisa é também um local de trabalho, onde o professor constrói, nas suas interações, uma identidade profissional. Nota-se que a dimensão profissional das identidades construídas na alteridade adquire uma particular

12 “El principio arquitectónico supremo del mundo real del acto ético es la oposición concreta,

arquitectónicamente válida, entre el yo y el otro. La vida conoce dos mundos axiológicos por principio diferentes, pero relacionados entre sí, el yo y el otro (…)” [1919/1921(1997, p.79)]

importância a partir da crença dessas construções enquanto socializações que exibem uma configuração, neste caso não mais “eu-outro”, senão “eu-nós”, incluindo o corpo de professores e funcionários da instituição. E isso pode ser compreendido, como afirma Dubar (2005, p.4) a partir do fato de que “o emprego condiciona a construção das identidades sociais; porque conhece mutações impressionantes, o trabalho obriga a transformações identitárias delicadas.” Portanto, “As identidades profissionais são maneiras socialmente reconhecidas para os indivíduos se identificarem uns com os outros no campo do trabalho e do emprego”.

A (re)construção da identidade do professor pode ser analisada como uma grande negociação, na qual intervém a sua trajetória profissional, a sua formação e seu contexto de trabalho (DUBAR, 2005). Nesse sentido, o sujeito desta pesquisa, como professor inserido em uma universidade em processo de ampliação, assume sua posição dentro de um processo de ensino-aprendizagem, na espera de ser reconhecido por suas competências adquiridas no passado e, ao mesmo tempo, constrói uma identidade que interpela suas próprias representações sobre si mesmo, na prática docente com seus alunos e na interação com seus colegas, contornando suas aspirações profissionais e as exigências institucionais.

É, portanto, na prática, que se identifica a ação docente, constituída por diferentes saberes, moldando o educador. Esses saberes oriundos das ciências da educação, escolares, curriculares e disciplinares, os pedagógicos e experienciais, mas também os saberes sociais (TARDIFF, 2007), conformam a constituição de um saber fazer e um saber-ser que permite, como profissional docente, desempenhar suas tarefas. Claramente, essas ações que acrescentam seu desenvolvimento pessoal, consolidando o terreno profissional através de um caminho reflexivo, autorizam, a partir do conhecimento na ação, como propõe Schön (1990), a reflexão na ação e a reflexão sobre a reflexão na ação, considerar a formação de uma identidade profissional docente que pode por momentos ser uma reconstrução identitária.

Destaca-se a importância dos saberes sobre o ensino adquiridos na experiência de vida do professor e que afloram na sua prática cotidiana; os saberes experienciais advindos de seus primeiros anos de prática, a heterogeneidade da origem desses saberes, e a condição situada e personalizada destes para o reconhecimento do professor universitário como um profissional. Assente-se com Tardiff e Lessard (1999 apud TARDIFF, 2000) quando manifestam que a personalidade do trabalhador é absorvida no processo de trabalho e constitui a principal mediação na interação professor-aluno, como fator influente na avaliação docente.

De forma mais específica, e em relação aos conhecimentos profissionais que o professor universitário demonstra na sua ação docente, pensa-se que tais conhecimentos, provenientes de sua particular experiência de vida, da sua prática, sua formação e titulação, sejam de uso exclusivo dos próprios docentes porque são eles quem têm obtido seus diplomas, e que, portanto, “[...] Isso significa também que só os profissionais são capazes de avaliar, em plena consciência, o trabalho de seus pares.” (TARDIFF, 2000 p. 6).

O que a pesquisa propõe mostrar é a avaliação docente, a partir da visão do próprio docente e do professor em formação (discente na licenciatura) que dialoga com ele, intermediado pela instituição universitária, em uma construção identitária que aprecia esses saberes não dissociados de seu contexto de trabalho. Os alunos, como seres humanos que são, constituem o objeto do trabalho do professor e, consequentemente, os saberes deste carregam as marcas do ser humano (TARDIFF, 2000 P. 16) que dialoga com aqueles de forma responsiva.

3.5 ESTADO DA ARTE

Existem na atualidade muitas publicações na área das ciências humanas e sociais, com diferentes perspectivas, que testemunham um amplo e crescente interesse pela temática das identidades sociais. Destacam-se, particularmente, as aproximações aos estudos da sociologia e dos estudos culturais. Interessam para este trabalho os construtos apoiados dentro do campo da identidade do professor, seus aspectos profissionais e especificamente, a identidade do professor universitário de línguas estrangeiras, e mais concretamente a do professor universitário de espanhol.

Observa-se que os estudos dentro da área da Linguística Aplicada (LA) que abordam o ensino da língua espanhola como língua estrangeira nunca foram muito expressivos. Como afirma Parraquet (2009), nesses anos a quantidade de publicações nas revistas especializadas (ABRALIN, RBLA, AMPOLL, e outras) do Brasil, as quais abordavam temas relacionados ao espanhol era minúscula, comparada com o número de produções a respeito do inglês, o que dificultava muito a compreensão do papel dos professores dessa língua, e mais difícil ainda se apontarem para os professores do ensino superior.

A emergência da implantação do espanhol como língua obrigatória e adicional no ensino básico brasileiro, regida pela lei 11.161/2005 com aplicação a partir de 2010, propiciou

o desenvolvimento acelerado dos cursos de graduação nessa língua, multiplicando a oferta de professores que puderam assumir a função de formadores. Essa formação emergente somou- se a uma formação de base literária já existente, modificando as condições para poder indagar sobre quem é o professor de espanhol no Brasil. Assim, aumentou a incógnita a esse respeito dentro da área de formação de professores de língua estrangeira, mas não aumentaram as pesquisas que poderiam contribuir para uma melhor compreensão do problema.

O professor universitário muitas vezes vê que está submetido à especificidade de um currículo de formação de professores, determinado pela emergência social que privilegia responder rapidamente à falta expressiva de docentes na área e que, para isso, precisa reconsiderar algumas expectativas em consonância aos formandos e a suas inclinações investigativas e teóricas. De maneira que, através de determinados currículos, os cursos de línguas dão retorno a uma demanda de professores interessados em ocupar rapidamente os empregos nas escolas em detrimento do estímulo à intelectualidade e à conformação de um professor-pesquisador, reflexivo com sua própria prática, como agente emancipador em uma sociedade com profundas assimetrias.

Para tanto, alguns aspectos políticos nos cursos de formação de professores de línguas estrangeiras e mais particularmente nas licenciaturas em língua espanhola entram em jogo, aspectos os quais condicionam ou influenciam a construção identitária docente. A esse respeito, Picanço (2012) expressa-se em relação aos aspectos políticos, discursivos e subjetivos na formação de professores de espanhol sob uma perspectiva intercultural. Entre eles marca o embate político do campo educacional na formação de professores e propõe uma formação dialógica para uma atuação do docente que seja efetivamente intercultural. Acredita na necessidade de valorizar as práticas discursivas que possam deslocar o professor de seu eixo identitário e, para isso, enfatiza a modificação dos currículos de licenciaturas em língua estrangeira, especialmente o de espanhol, com a incorporação de práticas menos artificiais de contato com as línguas e culturas estrangeiras.

Destaca-se, por exemplo, a predominância da preocupação formalista referente ao domínio do código linguístico em oposição ao interesse pelos significados sociais concernentes com as diferentes culturas, dentro de uma atitude reflexiva docente. Como afirma a autora: “A preocupação formalista do domínio do código predomina nos cursos de letras muitas vezes revestidos por versões mais sofisticadas e elegantes do formalismo estruturalista” (PICANÇO, 2012 p. 305). Dificultando a formação de profissionais atentos à uma perspectiva emancipadora e intercultural que possibilite pensar outras possíveis respostas aos problemas educativos brasileiros.

Coincide-se aqui plenamente com esses esforços investigativos, não somente porque pareçam razoáveis e afins com os pressupostos teóricos deste trabalho, senão porque focalizam o caráter processual e complexo da construção da identidade docente, contextualizando um discurso propositivo que não perde de vista o agir do professor. Ou seja, se for perguntado quem é o professor de espanhol deve-se levar em conta sua prática dentro de todos os condicionamentos políticos, para a obtenção de respostas mais aproximadas. É ela, a prática, a qual possibilita, como resposta social responsável, iniciar o processo constitutivo de sua identidade profissional. É necessário saber, também, para que se formam professores de Língua Estrangeira, precisamente de espanhol, e incorporar essa noção para decifrar o enigma de quem seja o professor.

Em outro sentido, observar-se uma determinada apropriação do conceito de identidade nos estudos sobre atividade docente e formação de professores, onde o próprio conceito originário da psicologia social também é utilizado em outras disciplinas, basicamente a sociologia e os estudos culturais. Alguns trabalhos que empregam esses pressupostos teóricos apontam como bem afirma Carneiro de Lima (2012) que o contexto brasileiro, inserido em reformas universitárias que evidenciam jogos de forças e interesses, provoca nos professores universitários posicionamentos muitas vezes contraditórios. E que esses esforços em manter-se distante o suficiente de qualquer posicionamento que possa prejudicá-lo acarretam um isolamento no trabalho acadêmico, que redunda em uma ressignificação de suas identidades profissionais em bases mais individuais que coletivas.

A esse respeito, são mostrados neste trabalho os aspectos contextuais da universidade (UFRN) como um espaço de tensão entre duas grandes posições ideológicas. A primeira, que propõe um sistema democrático de acesso e permanência à instituição, vinculado aos objetivos de formação crítica e emancipatórios; e a segunda, que focaliza na regulação e controle, o abastecimento de produtos educativos de qualidade para minorias que possam usufruí-los. Ou, simultaneamente, um sistema baseado na reflexão, renovação e discussão das atividades educativas, e outro, ancorado na manutenção exclusiva da técnica, cristalizado na perpetuação de antigas práticas, provocando insegurança na inovação ou impotência na resolução de novos problemas.

No entanto, confia-se que exista a complementariedade dos diferentes espaços ideológicos, dentre os próprios espaços passíveis de surgir desta investigação, e que ela possa provocar a constituição de identidades profissionais comprometidas (BAJOIT, 2009) com o desenvolvimento do sistema educativo. Para isso, se quer escutar aqui a voz do soberano, do discente, a respeito das práticas éticas e didáticas de seus professores. Para este fim, se deseja

entender quem é o professor de Língua Estrangeira – Espanhol em suas relações interpessoais e interpelar a sua própria voz a respeito dessas tensões no plano educativo.

Oliari, Roquette e Nez (2012) têm procurado refletir e compreender sobre a construção identitária dos professores universitários através de suas práticas em sala de aula, observando o processo de ação-reflexão-ação em face de seus saberes pedagógicos e formativos. As reflexões das autoras expressam a necessidade de uma formação continuada para o melhoramento de saberes pedagógicos docentes. Sugerem a formação de grupos de estudo interdisciplinares dentro dos mesmos cursos, além do compromisso com a capacitação permanente.

Consente-se a partir do espaço aberto por essa linha de estudos, porque traz a preocupação institucional de avaliar o professor e o sistema e, com isso contribuir para o melhoramento do ensino universitário, especialmente referente aos percursos possíveis de ação na construção da identidade profissional docente. Crê-se não ser suficiente, embora imprescindível, o caminho da reflexão na ação, se o mesmo não for sustentado por medidas institucionais e individuais que permitam capacitar os professores nos aspectos didáticos, pedagógicos e psicológicos.

Inclusive, é aconselhado que houvesse um melhoramento dos requisitos para o início da tarefa docente na universidade e em outras esferas da educação, com a participação em cursos de atualização não só didático-pedagógicos, senão também relacionados a aspectos técnicos e novas tecnologias da informação; na renovação das diferentes posições teórico- práticas dentro do processo de ensino-aprendizagem e na consideração dessa atualização permanente, como característica da dinâmica constitutiva das identidades docentes.

Paralelamente, citam-se como contribuintes os esforços do grupo de pesquisa da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística (ANPOLL), manifestos nos trabalhos sobre a inserção dos sujeitos nas práticas sociais e a formação identitária, resultante dessas práticas dos sujeitos envolvidos (CORACINI, GRIGOLETTO, MAGALHÃES, 2006). Nesse trabalho coletivo as autoras referem-se à identidade como constituída nas relações sociais intermediadas pela linguagem, apontando à alteridade como formativa do ser e de seu processo identificatório, pressupostos nos quais se adota aqui, tornando-se nesse processo consciente de si mesmo e do outro que o constitui.

Outras contribuições podem ser especificadas em Grigoletto (2009), quando remete à sua pesquisa sobre uma construção identitária nacional, com as representações da língua inglesa, através da mídia nessa construção. As posições que atravessam esse processo identitário tocam temas como Língua Estrangeira e nacional, globalização, mercado ou

sociedade. Temas que conformam, em certa maneira, este contexto de pesquisa e que facilitam compreender, assim como a dita autora, que existem forças hegemônicas as quais direcionam em diferentes sentidos e propiciam a criação de necessidades específicas para seguidamente poderem ser satisfeitas. A importância dos discursos que interpelam ideologicamente os sujeitos enfatiza-se na necessidade de aceitação do que o “mercado” propõe como benéfico para o sujeito, no entanto, dando-lhe toda a responsabilidade sobre suas ações.

No caso específico deste estudo, os discursos discentes a respeito dos docentes provocam a necessidade nestes últimos de refletirem sobre os aspectos éticos e didáticos de sua prática. Diferentemente, os discursos que respondem às manifestações dos alunos ultrapassam as próprias justificativas e os questionamentos direcionados a eles, focalizam seus esforços na transformação das ações educativas e aceitando a intermediação da instituição universitária como produtor ativo na construção coletiva de valores. Ou seja, a análise desses discursos deve incluir todos os sujeitos intervenientes no ensino universitário, manifestos nos diálogos entre os docentes, os alunos e a instituição.

A docência universitária, como prática social que intervém no campo social, através de suas características mediadoras entre os sujeitos sociais e o conhecimento, corporizada na figura do profissional docente, objetiva desenvolver, neste caso, a formação de outros professores que terão, a seu cargo, a missão de favorecer e sustentar uma visão crítica e reflexiva, talvez emancipadora, nas suas práticas sociais, de acordo com as orientações e diretrizes nacionais como OCEM, 2006, e DCNEM, 2012, e anteriores.

Desta forma, é percebido que a identidade profissional, tanto do professor universitário quanto daquele do ensino básico, é constituída por um amplo conjunto de representações, crenças, anseios e significados, como afirma Ilda Oliveira (2011), na sua história da construção identitária dos professores universitários. Significados que alcançam até a própria função social do professor, na sua revalorização como sujeito ativo nas mudanças sociais e na constituição das instituições universitárias.

Essas representações, no trabalho de Oliveira (2011) com outros pesquisadores, valorizam a história dos professores universitários, através de seus traços orais via entrevistas, tendo em vista a apropriação dos saberes didáticos e experienciais em sua formação inicial e continuada para a construção identitária. É isso que salienta o caráter processual e inacabado, em permanente mudança, dessa identidade docente que, em outro contexto, perseguiu-se por entre as múltiplas identidades do sujeito pós-moderno.

Nesse sentido, as pesquisas sobre a área da formação de professores de línguas estrangeiras têm sido amplas, prioritariamente os de língua inglesa, e apenas considerando as suas construções identitárias. Interpreta-se assim, como afirma Gandour (2013), que investigou a construção identitária dos professores de Língua Inglesa em formação inicial em uma universidade do nordeste brasileiro, que são os saberes e práticas que definem a atividade docente. E que tanto as experiências vividas na construção dos saberes da profissão, quanto os processos de reflexão sobre o ensino e as situações, marcam a identidade profissional. O autor indica a existência de uma ligação tridimensional entre a reflexão sobre o ensino, a construção da identidade profissional e a construção dos saberes docentes que se impulsionam mutuamente para a formação dos professores.

Observa-se diferentemente neste trabalho que a atitude reflexiva do professor aponta à autoavaliação e à palavra alheia, em sua característica avaliativa a partir do próprio posicionamento axiológico, como elementos constitutivos de sua própria identidade. A esses elementos soma-se o posicionamento institucional, na administração do sistema por parte de seus pares, que propugna um modelo apenas explícito de professor, proposto por seus regulamentos e disposições e que permite a construção identitária desse docente universitário. De maneira que se pensa a avaliação institucional como um elemento transformador da identidade profissional docente.

Há o acordo com Gandour (2013), quando interpreta em suas análises as palavras de Dubar (2005), quanto ao fato de que as identidades profissionais são o resultado dos processos de socialização do indivíduo, incluindo nessa socialização as experiências vivenciadas e sua prática pedagógica, e levando em conta nessa constituição social o grupo de pertencimento imediato, aquele grupo profissional conformado a partir das relações no trabalho-atividade.

Portanto, é imprescindível o reconhecimento do Outro, que neste caso de identidade profissional transitaria pela pluralidade manifesta do nós, a partir do princípio dialógico bakhtiniano, onde uma parte dos saberes experienciais, é dito aqui, originam-se na avaliação que o aluno faz a respeito do professor e no retorno institucional desses posicionamentos, vendo o docente como sujeito medular na apropriação do conhecimento desses alunos. Outra parte desses saberes experienciais docentes radica na própria atitude reflexiva do ser docente em sua ação educativa, constituindo-o como sujeito da transformação social.

Deixa-se expresso que as investigações selecionadas com motivo do estado da arte concordaram, por motivos funcionais e práticos, com a intenção particular de apresentar

as ideias, concordantes ou não, com os pressupostos exibidos naquelas anteriores. De modo que aqui se exprime em relação às identidades profissionais, aos aspectos políticos da formação de professores de espanhol, às características do processo de construção identitária docente, mas nunca há a pretensão de exaurir uma área de conhecimento tão vasta como a identidade docente. Finalmente, avançar-se-á agora para a exibição da construção dos dados, e isto será feito a partir do seguinte capítulo metodológico, para mais tarde progredir nas análises fundamentadas nos pressupostos teóricos.

CAPÍTULO 4: A PESQUISA DE CAMPO: PARTICIPANTES, CONTEXTOS E