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CAPÍTULO 3: NO CAMINHO DA IDENTIDADE DOCENTE

3.2 O CONCEITO DE IDENTIDADE NOS ESTUDOS CULTURAIS

Certamente, o deslocamento ou fragmentação das identidades modernas e sua consequente “crise de identidade”, bem observada por HALL (2006) dentro de toda uma mudança estrutural da sociedade, tardiamente moderna, abala a ponderação sobre o homem como sujeito unificado e propõe a compreensão como sujeito afastado de qualquer concepção essencialista ou fixa da identidade, mais próxima de uma tensa instabilidade, do que de um sujeito “suturado8” em sua estrutura social e cultural.

Como bem a define Hall (2006, p. 8) “o próprio conceito com o qual estamos lidando - ‘identidade’ - é demasiado complexo, muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea", provocando a impossibilidade de declarar afirmações conclusivas em teorias as quais incluam esta noção.

Essa fragmentação, argumenta Laclau (1986) chamando-a deslocamento, não possui um único centro nem princípio articulador dentro da sociedade, focalizando dessa forma um constante fluir através das diferenças em uma tensão que consolida diferentes “posições do sujeito”, constituindo diferentes identidades individuais. Bauman (2005) desenvolve esse

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“A identidade, então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, ‘sutura’) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis.” (HALL, 2006, p. 12).

conceito a partir de suas experiências pessoais, na sua condição de estrangeiro-exilado, afirmando que

[...] Estar total ou parcialmente “deslocado” em toda a parte, não estar totalmente em lugar algum (ou seja, sem restrições e embargos, sem que alguns aspectos da pessoa “se sobressaiam” e sejam vistos por outros como estranhos) pode ser uma experiência desconfortável, por vezes perturbadora” (BAUMAN, 2005. p. 18-19).

Onde é capaz de se especificar o aspecto de incompletude e como esse desconforto pode traduzir-se, por acúmulo, em “mal-estar”. Aspectos os quais reaparecem em Bajoit (2009) quando este se refere à tirania do indivíduo, sujeito e ator, que age insatisfeito pelas contradições manifestas em alguns postulados sociais que o perturbam e o deprimem, constituindo um “malaise dans la culture”9.

Mas, nosso interesse recai na movimentação e constituição das identidades sociais dos indivíduos. E elas estão intimamente ligadas a uma grande mudança social, Bajoit diria “mutação cultural” (2009, p.10). O que sugere compreender o fundamento de seu ponto de vista no desenvolvimento de uma concepção teórica na construção identitária, e que se descreverá brevemente.

Bajoit (2009) percebe a identidade constituída por três esferas identitárias articuladas entre si, a saber: a esfera da identidade desejada (ID); a esfera da identidade atribuída (IA), e, finalmente, a esfera da identidade comprometida (IC). Estas se constituem como elementos estruturantes da identidade pessoal humana. Conforme a formulação do autor, cada uma das esferas identitárias tem contato com as outras duas em espaços comuns chamados zonas identitárias (Z2, Z3,... Z7), as quais se articulam em torno de um núcleo (Z1). A figura a seguir ilustra o funcionamento destas esferas na constituição da identidade pessoal.

Figura 1: Esferas e zonas identitárias do indivíduo (BAJOIT, 2009, p.13)

9 Em português: “mal-estar na cultura”. Bajoit especifica o contraste entre a excessiva repressão das pulsões que

provocavam o mal-estar freudiano e as atuais provenientes das contradições existentes em certos direitos do indivíduo que tem se convertido em deveres, como bem explica em “La tirania del Gran ISA”. Ex: “seja você mesmo”; “escolha sua vida”.

A esfera da ID contém tudo o que o indivíduo sente. Seus desejos interiorizados explanando suas características insaciáveis e sem quaisquer limites. A esfera da IA agrupa as expectativas dos outros em relação a si, conformando o que o indivíduo acredita que seu meio social espera dele. Finalmente, a IC constitui a imagem formada de si mesmo, ao tempo que autoriza conciliar suas próprias necessidades com as expectativas dos outros, as quais, frequentemente, são incompatíveis entre si.

É importante ressaltar que estas esferas são móveis; deslocam-se, afastando e aproximando no agir humano, reduzindo ou ampliando o núcleo identitário central (Z1) provocando certa “tensão identitária”. E isto porque o ser humano não logra conciliar satisfatoriamente os desejos com os dos outros, entre o que espera de si mesmo e o que os outros esperam de si, e para isso precisa desenvolver a construção da Identidade Comprometida, relacionando o que tem feito com o que fará.

De modo que essas movimentações, esses deslocamentos desconfortáveis expressos através da linguagem, em práticas sociais, como as educativas, remetem à consideração mais detalhada do outro e de si, e à forma a qual diferencia os sistemas simbólicos de representação que os reproduz. Quem é esse outro que deve compreender e como está representado? Ou melhor, como essas diferenças influem no seu processo identitário?

Aqui há o privilégio do aluno e do professor de nível universitário o qual atua em um curso de licenciatura, valorizando a cultura na qual estão incluídos. Para isso, a cultura é vista aqui, dentro de suas múltiplas definições, como um sistema de valores o qual é compartilhado entre um grupo social e que permite seu ordenamento, categorizando-o, dando sentido às coisas e construindo significados; embora essa ordem possa parecer, por momentos, caótica. Bem como expressa Eagleton (2005, p. 55) ela pode ser vista “como um complexo de valores, costumes, crenças e práticas que constituem o modo de vida de um grupo específico".

Esta cultura oferece um sistema de classificação entre o que é aceito ou não pelo grupo social e estabelece certas diferenças as quais são capazes de ser interpretadas como oposições binárias, nos termos que Woodward (2011), citando Hall (1997), propõe, em relação ao que não é. Quer dizer, “eu” sou o professor porque não sou o aluno. Nessa relação fixa não alcança sustentar noção de identidade por uma simples oposição contrastiva. Pelo contrário, existe um vínculo entre o passado histórico e cultural do grupo social com o que possa “tornar-se”, ou “vir-a-ser” este grupo no futuro, mostrando a fluidez das identidades na reconstrução e transformação identitária.

Em um sentido mais amplo, poderia visualizar-se o não pertencimento de algo diferente, que dis-fferre10, mas também uma compatibilidade que tem a ver com a semelhança, a partir do que é análogo e verossímil. Assim, são pertinentes os pressupostos de (DUBAR, 2005), pelos quais manifestam que “os processos de socialização, que excedem as disposições sociais da família e da origem, encontram no pertencer/não-pertencer, fazer/refazer, elementos para o sujeito forjar sua própria identidade”.