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Para a psicologia social, a identidade é um instrumento que permite pensar a articulação do psicológico com o social em um individuo. Ela exprime a resultante das diversas interações entre o individuo e seu ambiente social, próximo ou distante. A identidade social de um individuo se caracteriza pelo conjunto de suas vinculações em um sistema social; vinculações a uma classe sexual, a uma classe de idade, a uma classe social, a uma nação, etc. A identidade permite que o individuo se localize em um sistema social e seja localizado socialmente (CUCHE, 2002, p.177)

Quando se trata de Identidade, a afirmação de João de Pina Cabral parece cada vez mais coerente: “Parece incrível que, de uma coisa tão impalpável [Identidade], saiam fenômenos tão maciços: guerras, pazes, famílias, países, caminhos, obras de arte...” (CABRAL, 2003, p. 02).

A interdisciplinaridade do tema dificulta a formulação de uma teoria que comporte todos os fenômenos de identificação. A Psicologia se volta para a busca da consciência do “Eu” e das relações intersubjetivas com o “Outro”. Já a Sociologia e a Antropologia buscam a Identidade Social e a Cultural, na tentativa de desvendar os mistérios da articulação do “Eu” com o “Nós” e com os “Outros”. A polissemia na

conceituação é um desafio. João de Jesus Medeiros (2004) optou em suas “Notas acerca de uma abordagem complexa sobre a questão da Identidade”, em dividi-la em dois blocos: De um lado a Identidade Individual; De outro, a coletiva.

A Identidade Individual refere-se à tentativa contínua dos indivíduos de se localizarem socialmente. De criarem referência e diferença entre o “mim” e os “outros”, de responder a eterna pergunta: “Quem sou eu?”, cuja resposta está intimamente relacionada sempre pela alteridade. Já a Identidade coletiva (social ou cultural) ajusta os comportamentos e converte as diferenças e semelhanças individuais em pontos em comuns ou dissonantes entre grupos. Grupos que compartilham práticas, ideologias, gostos e pontos de vista, que carregam dentro de si conjuntos significantes fortes o bastante para uni-los em determinados pontos e momentos e mantê-los unidos em tantos outros assuntos dissonantes que fazem parte da Identidade de cada indivíduo e subgrupos.

Todavia, na contemporaneidade a integração proporcionada por meios de comunicação e de transportes diante do fenômeno da globalização dificulta a definição das identidades uma vez que os cidadãos são do mundo, as fronteiras são cada vez mais fluidas, os papéis sociais mais múltiplos e as interações e integrações mais complexas. A diversidade de abordagens sobre a identidade então apresentam como ponto em comum o fato de apontar este fenômeno como um processo dinâmico.

Acreditando que não é possível se chegar a um posicionamento claro sobre “quem eu sou?”, se concluí então que todas as respostas a esta pergunta estão contaminadas pelas próprias visões de mundo e de tempo, que tornam rapidamente obsoleta qualquer resposta. Assim, o que existe são processos de busca de Identidades, são Identificações.

Toda identidade, ou melhor, toda declaração identitária, tanto individual quanto coletiva (mesmo se, para um coletivo, é mais difícil admiti-lo), é então múltipla, inacabada, instável, sempre experimentada mais como uma busca que como um fato (AGUIER, 2001, p.10)

Estas “definições” são sempre marcadas pela alteridade, seja pela percepção e diferenciação que o individuo estabelece em relação aos “outros”, quando pela consciência que os “outros” também criam percepções sobre o meu “eu”, que é sempre o “outro” de alguém. HALL (1999) diz que em vez de falar-se em Identidade como algo acabado, deve- se adotar a nomenclatura de Identificações, marcando assim como um processo continuo e em constante renovação e a define como “uma falta de inteireza que é preenchida a partir do nosso exterior pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros (HALL, 1999, p.39)”. Portanto, as identificações são várias, fluídas e mutáveis.

Na medida em que a identidade é sempre a resultante de um processo de identificação no interior de uma situação relacional, na medida também em que ela é relativa, pois pode evoluir se a situação relacional mudar, seria talvez preferível adotar como conceito operatório para a análise o conceito de ‘identificação’ do que a ‘identidade’ (CUCHE, 2002, 183)

Aliás, a identificação é marcada por processos contínuos que são sempre permeados pela polifonia do social e cultural e pela diferenciação representada pela alteridade, pelo “outro” que também referencia. Nesta perspectiva, a Identificação proporciona sempre uma preconcepção de um “nós” em oposição e com base no conhecimento sobre o “eles”.

Este ‘outrem’ cuja alteridade ‘eu’, sujeito de referência, creio descobrir de repente e do qual, por esta razão, começo a me separar, não fazia até agora parte se não de mim mesmo, pelo menos do ‘meu mundo’ e da ‘minha vida’? Mesmo havendo se tornado uma parte irreconhecível – estranho porque doravante cada vez mais estrangeiro -, ele continua, no entanto, de certo ponto de vista, a representar uma parte inalienável de ‘minha’ Própria Identidade. (LANDOWSKI, 2002, p. 18)

Diante da dificuldade de se apontar elementos norteadores que possam ajudar a se indicar o “eu/nós”, Bourdieu explica que a definição de identificações é possível apenas diante da alteridade.

Sabe-se que os indivíduos e os grupos investem nas lutas de classificação todo o seu ser social, tudo o que define a ideia que eles têm deles próprios, todo o impensado pelo qual eles constituem como ‘nós’ por oposição a ‘eles’, aos ‘outros’ e ao qual estão ligados por uma adesão quase corporal. É isto que explica a força mobilizadora excepcional de tudo o que toca à identidade (BOURDIEU, 1992, p.124)

Na relação entre a Alteridade e Identificação os indivíduos buscam referências de comportamento. “A Identidade não me diz quem eu sou e não me dá a verdadeira noção do que eu faço, mas, indica sim, quem eu devo ser e o que os outros esperam de mim” (TOURAINE apud MEDEIROS, 2004, p.114). Daí a importância de analisar definições sobre a Amazônia na televisão, como uma forma de observar as definições do que é e de quem é Amazônia/Amazônico e observar que expectativas ou projetos são pensados para a região e seus habitantes.

Diariamente as noções identitárias são construídas e reconstruídas. Essa transição é expressa na mensagem midiática que podem, em momentos distintos ou não, emitir definições de Identificações concorrentes e contraditórias que gerarão ou fortalecerão Identidades múltiplas em relação ao público receptor já repleto de noções identitárias fragmentadas.

A Identidade plenamente unificada, completa, segura é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade de desconcertante de Identidade possíveis com cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente. (HALL, 1999, p. 13)

É no confronto com este “Outro” que emerge a alguém a noção de seu próprio “Eu”. Um “Eu” relativamente necessário único para que façamos sentido no mundo. “A Identidade permite que o indivíduo consiga se situar num sistema social e seja, neste mesmo sistema, localizado socialmente”. (MEDEIROS, 2004, p. 117). E o mundo faça sentido em nós. “Eu sou o que você não é. Sem dúvida. Mas não sou somente isto; sou também algo mais, que me é próprio – ou que talvez nos seja comum. Algo, mas o quê?” (LANDOWSKI, 2002, p. 27).

Ora, o que é a mídia senão uma grande vitrine que expõe conceitos e ideias através de estereótipos e representações enraizadas no (in)consciente coletivo? Ao mesmo tempo, não são os emissores membros também do conjunto social cujas percepções, opiniões e crenças provem justamente de Identificações e representações das culturas e sociedades as quais pertencem?

Segundo a Teoria das Representações Sociais, a interação social é mediada pela comunicação e pelas construções simbólicas compartilhadas com os grupos nos quais estar-se inserido ou identificado. Por outro lado a dinâmica de produção de informações pela imprensa televisiva, devido às características deste meio de comunicação, requer que as mensagens sejam sempre concisas e facilmente apreendidas pelo público telespectador. Por este motivo elas se reportam a representações que seus produtores creem consolidadas socialmente e remetem a noções/imagens/informações da região com as quais se acredita que os receptores estão familiarizados ou possam identificar mais facilmente como sendo “amazônicas”.